Tuesday, July 27, 2010




Excesso de tudo

Pedro J. Bondaczuk

A convocação da Seleção Brasileira para a disputa da Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra, beirou o surreal. O comando técnico foi, mais uma vez, entregue a Vicente Feola, que em 1958 levara o Brasil à conquista do primeiro mundial. Só que agora, o treinador estava quatro anos mais velho, adoentado e sem a motivação anterior. Além do que, a desorganização era, então, a grande característica, o espelho do futebol brasileiro em 1966.
Não havia, convenhamos, como muitos afirmam atualmente, falta de bons jogadores, como viria a ocorrer nos 24 anos de jejum que sucederam à conquista de 1970. Pelo contrário, a “safra” era muito boa, das melhores. Isso confundiu a cabeça dos selecionadores, com certeza. Todos queriam uma vaguinha, quer os veteranos que já haviam mostrado serviço, quer as “promessas”, que pretendiam se firmar no cenário futebolístico mundial.
Houve excessos de todos os tipos. Querem um exemplo? Foram convocados 44 atletas, isto mesmo, quatro times completos, para a fase de preparação, para restarem apenas 23 a serem inscritos na Fifa. Vinte e um passariam pelo trauma dos “cortes”, ensejando lobbies, pressões e descontentamento de gregos e troianos. Além do que, esse período de treinamento se transformou numa “farra” só, sem permitir que os jogadores se concentrassem exclusivamente em jogar bola. Não defendo o enclausuramento determinado por Dunga em 2010, mas a liberdade de 1966... Aquilo era uma folia e não preparação para a Copa.
Outro excesso cometido na ocasião coube à imprensa. Esta, que mostrara contundente pessimismo em 1954, 1958 e 1962, reviveu o clima de “já ganhou” de 1950, ou seja, de uma irresponsável euforia. “Afinal”, diziam muitos jornalistas, de peito estufado, “uma seleção que tem campeões mundiais como Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando, Zito e, principalmente, Garrincha e Pelé, não tem que temer ninguém”. E não tinha mesmo.
Ocorre que, apenas “nomes” não vencem, por si sós, sequer um único jogo, quanto mais um campeonato. É verdade que na relação final dos convocados constavam vários atletas que se consagrariam quatro anos depois, no México, como Brito, Gerson, Jairzinho e Tostão, sem contar, claro, Pelé.
Mas para a Copa de 1966, essa mescla de novatos e veteranos não deu liga. Por que? Por uma série de fatores. O principal era a nossa desorganização que beirava o patético. O Brasil, na verdade, perdeu aquela Copa para si mesmo. Para a sua arrogância e suas contradições.
Jogadores com superior capacidade técnica tinha aos montes, tanto no grupo selecionado, quanto no dos que ficaram de fora. Mas só isso não era suficiente para vencer uma competição daquele porte. Se foi ou não para a Inglaterra o que tínhamos de melhor é ocioso afirmar. Afinal, esse tipo de avaliação é absolutamente subjetivo. Mas não se pode negar que aquele grupo tinha potencial para disputar, e vencer, uma Copa do Mundo. Ou, pelo menos, para um desempenho muito melhor do que o que apresentou. A própria relação final dos convocados, a dos inscritos para o Mundial, nos leva a essa conclusão.
Os goleiros escolhidos, por exemplo, Gilmar e Manga, eram quase unanimidades nacionais. O primeiro deles, titular pela terceira Copa consecutiva, fez história na posição. Jogou doze partidas seguidas em mundiais, sofrendo, apenas, quatro gols em 1958 e cinco em 1962.
Era detentor, na ocasião, portanto, da melhor média de todos os goleiros campeões. Ou seja, atuou em todas as partidas em duas Copas seguidas, sofrendo nove gols em 1.080 minutos. Manga, por seu turno, atravessava, na época, sua melhor forma física e técnica.
Falar das qualidades do lateral direito Djalma Santos, que disputaria, em 1966, seu último Mundial, é até redundante. Essa seria sua quarta Copa do Mundo, duas das quais o Brasil venceu. Seu substituto era Fidélis, contestado por muita gente.
Na zaga central, dois atletas que se destacavam pelo vigor físico e pela segurança na marcação, disputavam a titularidade: Brito, que em 1970 seria tri-campeão e Bellini, que então se despedia da Seleção. Fora, porém, quem erguera a Jules Rimet na primeira conquista brasileira.
Na quarta zaga, os preferidos de Feola eram Altair, que em 1962 fora reserva de Nilton Santos na lateral esquerda, mas que agora jogava no miolo de zaga e Orlando, igualmente veterano com a camisa amarelinha. Não se pode, pois, dizer que havia carência de bons valores, embora a imprensa “cornetasse” e pedisse outros jogadores.
Nilton Santos ficara de fora dessa Copa. Para o seu lugar, foram escolhidos Rildo e Paulo Henrique (que não vingaram na Seleção). O meio de campo contava com o novato Denilson, do Fluminense, com o veterano de 1958 e 1962 Zito e com o “coringa” do Santos, Lima, além do canhotinha Gerson, que se consagraria em 1970.
Garrincha e Jairzinho eram os pontas direitas; Edu e Paraná os pontas esquerdas, com os atacantes Alcindo, Tostão, Silva e Pelé completando o elenco. Ninguém pode afirmar que aquela não era uma seleção de respeito. Em condições normais, seria favorita, favoritíssima à conquista do título. Seria... se a Copa da Inglaterra tivesse arbitragens minimamente decentes, que coibissem a violência e protegessem o talento. Não teve.
Nossos principais craques, Pelé e Garrincha, não puderam jogar. Foram parados, na base da violência, por zagueiros sem recursos, grossos e desleais, sob os olhares complacentes de árbitros bananas, que a história, felizmente, fez questão de enterrar.
Mesmo com nossa desorganização, excesso de confiança (mais uma vez) e uma certa arrogância em relação aos adversários, poderíamos, se não ter conquistado o tri, pelo menos apresentar desempenho melhor, mais compatível com a nossa categoria, não fossem tantos os fatores extracampo a nosso dano. A “caçada” a Pelé, principalmente nos jogos contra a Bulgária e contra Portugal, foi uma das coisas mais revoltantes e vergonhosas que vi em 60 anos que acompanho futebol.

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