Monday, July 12, 2010




Rumo à consagração

Pedro J. Bondaczuk

A Seleção Brasileira, classificada em primeiro lugar no seu grupo para a fase das quartas-de-final da Copa do Mundo da Suécia, em 1958, cheia de confiança, teria pela frente um adversário teoricamente mais fraco do que a União Soviética, que enfrentaria ninguém menos do que os donos da casa. Já o Brasil mediria forças com País de Gales.
Cabe aqui uma explicação aos que desconhecem determinadas posturas do organismo mundial que controla e regulamenta o futebol. A Grã-Bretanha, não se sabe bem porque, é o único país filiado à Fifa que entra nas eliminatórias não com uma, mas com quatro seleções: a da própria Inglaterra, além de Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales, que não passam de províncias britânicas. Pode ocorrer, por exemplo, das quatro se classificarem para as fases decisivas de alguma Copa. Acho isso estranhíssimo!
Por que não há o mesmo comportamento, por exemplo, com relação à Espanha, abrindo vagas para as seleções do País Basco, Catalunha e Andaluzia? Ou com o Brasil, que na época, se o critério fosse o mesmo, disputaria as eliminatórias com 22 equipes, ou seja, a oficial e as dos Estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco etc.? Coisas da Fifa, óbvio.
O jogo contra o País de Gales ocorreu em 19 de junho de 1958, no Estádio Nya Ullevi, de Gotemburgo. Vinte e três mil pessoas assistiram a uma exibição apenas discreta da nossa seleção. O árbitro foi o austríaco Erich Scripelt. Os galeses montaram uma retranca medonha para parar nosso ataque. Quando não podiam conter nossas investidas na bola, apelavam para a violência, sob o olhar complacente do homem de preto com o apito na boca.
Esse jogo entrou para a história por causa de um dos gols mais fenomenais de todas as Copas, que deu a vitória ao Brasil e o passaporte para as semi-finais. Seu autor? Um menino de 17 anos, que a imprensa brasileira julgava uma temeridade estar presente no Mundial. Ocorreu aos 26 minutos do segundo tempo e deixou todo o mundo boquiaberto.
Pelé recebeu uma bola na risca da pequena área de País de Gales, num espaço mínimo para se movimentar e cercado por três zagueiros. Qualquer outro jogador seria simplesmente desarmado e pronto. O lance morreria ali. Nosso meia adolescente, todavia, matou a bola com imensa facilidade, deu um chapéu em Williams, capitão galês e, sem deixar a pelota cair, arrematou de forma certeira e inapelável para a meta adversária. Um golaço! Todos no estádio aplaudiram a rara jogada de pé.
Houve quem dissesse que o nosso genial camisa 10 levou sorte no lance. Que nunca mais faria outro gol igual ou sequer parecido. Bastaram, porém, dez dias para que queimassem a língua. Pelé fez, como veremos na sequência destas reminiscências, outra jogada, com o mesmo desfecho, rigorosamente igual a esta e exatamente numa final de Copa do Mundo. Quem sabe, sabe. Só quem tem técnica excepcional é capaz de uma obra-prima como aquela e com direito a reprise.
Na semi-final o Brasil teria seu teste decisivo. Enfrentaria o bicho-papão daquela Copa, dona de um ataque arrasador, que vinha humilhando todas as defesas: a França. A dupla francesa Just Fontaine e Raymond Koppa estava desequilibrando. O primeiro deles, inclusive, se tornaria o maior artilheiro de uma só Copa de todos os tempos, com 13 gols. Até hoje seu feito não foi sequer igualado, quanto mais superado.
O jogo aconteceu em 24 de junho de 1958, no Estádio Solna, de Estocolmo, arbitrado pelo galês Mervyn Griffith, para um público de 27.100 espectadores. Foi um dá cá, toma lá incessante, com as duas equipes partindo para o ataque, “sem medo de ser feliz”.
Pelé, nesse dia, estava endiabrado. Quem foi ao estádio para ver Just Fontaine (e muitos foram) acabou vendo, assombrado, mal acreditando em seus olhos, um menino franzino, negro, fazendo coisas mágicas com a bola. Contudo, não se tratava de malabarismo, mas de jogadas objetivas, sempre buscando o gol (e tendo sucesso). Nosso genial camisa 10 arrebentou com o esquema defensivo francês.
É verdade que Fontaine deixou a sua marca. Mas Pelé fez três, para não deixar a menor dúvida sobre quem, ali, era o melhor. Os outros gols do Brasil foram marcados por Vavá (sempre ele!) e Didi, enquanto que Piantoni, aos 40 minutos do segundo tempo, deu números finais ao placar. Resultado? Foi um 5 a 2 histórico, insofismável, categórico para a assombrosa Seleção Canarinho.
Era a volta por cima de um grupo que havia saído do País desacreditado, ridicularizado, quase enxotado e que chegava com talento e com coragem à segunda final de Copa da história. E disposta (e apta) a fazer desta vez um novo enredo; não permitir a repetição de uma tragédia, mas compor, com os pés, uma epopéia notável e vitoriosa. Faltava um, um único e solitário jogo para a glória e a consagração. Que, afinal, viriam.

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