Wednesday, July 21, 2010




Início discreto e vitória inesperada

Pedro J. Bondaczuk

O Brasil seguiu para a Copa do Mundo de Chile, em 1962, em meio a um clima que era misto de confiança de pequena parte da imprensa, e de críticas da maioria dos cronistas esportivos. Era aquela história de sempre: Aimoré Moreira não era o técnico ideal para alguns, a não convocação de alguns jogadores descontentou outros e a ida de determinados atletas, tidos como tecnicamente inferiores irritou terceiros. Nada de novo, portanto, em relação a todas as Copas do Mundo que acompanhei, tanto as ganhas quanto, principalmente (óbvio) as perdidas.
Muitos cronistas esportivos apontaram, por exemplo, como “calcanhar de Aquiles” daquela seleção, a idade média dos convocados. Viam nisso grave fator de risco. Diziam que era um grupo “envelhecido”, o que nem era, rigorosamente, verdadeiro. Até hoje se diz isso.
É certo que a base era a mesma que havia triunfado na Suécia e tinha, por conseqüência, quatro anos a mais nas costas. Mas ninguém poderia sequer insinuar que Pelé, no esplendor dos 21 anos, fosse velho. Ou que Coutinho, que mal completara 19, não tivesse gás para correr. Ou que Jair da Costa, ainda garotão, não pudesse suportar um jogo todo. Ou mesmo que Amarildo fosse menos atleta. Como se vê, há pessoas doidinhas por achar “pêlo em ovo” e com a incumbência de formar opinião. Detesto pessimistas e renitentes derrotistas.
A Seleção seguia, também, cercada de superstições de todos os tipos. Como a do Dr. Paulo Machado de Carvalho, por exemplo. O tal terno marrom de 1958, então já bastante famoso, posto que surrado, estava rigorosamente na mala do chefe da nossa delegação, que não deixou de vesti-lo em sequer um único jogo. A conquista do bi só viria reforçar a crença nos poderes “mágicos” de tal traje.
Até o avião que conduziu o grupo ao país andino foi alvo de superstições. Aliás, a bem da verdade, não foi bem a aeronave que foi encarada como fator de sorte, mas seu comandante, Burgner, considerado sortudo, uma espécie de talismã.
Dr. Paulo exigiu que fosse ele o piloto do DC-8 da Varig, na viagem para o Chile, embora ele fosse funcionário de outra empresa, da Panair do Brasil. Mas deu-se um jeitinho. Ninguém queria ser responsabilizado, nem que indiretamente, por eventual fracasso canarinho na Copa. E foi o comandante Burgner que levou o Brasil para o país andino e que o trouxe de volta, vitorioso, com a Jules Rimet na bagagem pela segunda vez.
O Br4asil estreou, discretamente, em 30 de maio de 1962, no Estádio Sausalito, em Viña Del Mar, onde disputaria as três partidas da fase de classificação. Teve pela frente um tradicional “freguês” em Copas do Mundo, o México, a quem havia vencido em outras duas estréias de Mundial. Não fez uma grande exibição. Empatou o primeiro tempo em 0 a 0 e só abriu o marcador aos 11 do segundo, com um gol de Zagallo.
Pelé completou o escore aos 27, fazendo 2 a 0. Foi uma partida sem brilho, é verdade, mas também sem sustos. Em momento algum a nossa Seleção chegou a ser ameaçada pelo adversário. Ganhou naturalmente, sem muito esforço.
Assustados todos ficariam, isso sim, no jogo seguinte, contra a Checoslováquia. Mas não porque os checos exigissem “milagres” do nosso goleiro Gilmar, longe disso, mas porque nossa grande esperança de bicampeonato, o craque cantado e decantado em verso e prosa como o melhor do mundo (que de fato era), Pelé, sofreu uma distensão muscular.
Como naquele tempo não havia substituições durante os jogos, nosso camisa 10 ficou apenas fazendo número na ponta esquerda. Mal podia andar, quanto mais correr atrás da bola e participar de qualquer jogada. Essa contusão seria fatal: tiraria a nossa maior estrela dessa Copa. A partida, disputada em 2 de junho de 1962, terminou como começou. As duas defesas prevaleceram sobre os ataques e o placar ficou, mesmo, no 0 a 0.
O jogo seguinte seria decisivo. O adversário era a Espanha. Se os espanhóis vencessem por 2 a 0, eles é que ficariam com a vaga para as quartas-de-final pelo critério de desempate no saldo de gols. Se isso ocorresse... os brasileiros seriam eliminados logo na primeira fase.
O jogo aconteceu em 6 de junho de 1962, com arbitragem do chileno Sérgio Bustamante. Não sei se foi o terno marrom do Dr. Paulo, ou outro fator qualquer, mas a sorte esteve com a Seleção Brasileira nesse dia e a manteve na Copa. A sorte, a “boa malandragem” de Nilton Santos e uma vacilação da arbitragem, diga-se de passagem.
A Espanha abriu o marcador aos 35 minutos do primeiro tempo. Jogava muito melhor e tudo levava a crer que o segundo gol, que nos mandaria de volta para casa, aconteceria a qualquer momento. Foi quando o “vento” da fortuna começou a soprar a nosso favor.
Nilton Santos derrubou o ponta espanhol, Collar, na grande área: pênalti. Todos esperavam que o árbitro apontasse para a marca da cal. Enquanto Bustamante dava explicações aos espanhóis, que reclamavam em altos brados, o experiente lateral brasileiro deu dois passos à frente e ficou imóvel fora da área. Foi o que bastou para que Bustamante ficasse em dúvida sobre o local exato em que ocorreu a infração. Pelo sim e pelo não, marcou a falta, mas fora do local em que ela havia de fato ocorrido. E sua cobrança não resultou em nada.
O Brasil foi para os vestiários, no intervalo, perdendo e, pior, jogando mal. Os comentaristas defendiam que o time, sem Pelé para desequilibrar, deveria se postar todo na defesa para não levar mais nenhum gol. Se o jogo terminasse daquela forma, a Seleção estaria classificada, mesmo com derrota.
O que ninguém acreditava e muito menos esperava que acontecesse (confesso que duvidava de uma reação brasileira àquela altura), aconteceu, como que num milagre. Aos 27 minutos, o garoto Amarildo empatou o jogo. Agora bastava só segurar o empate nos minutos que restavam.
Os espanhóis vieram para cima. Atacaram, atacaram e atacaram, em vão. Aos 40 minutos do segundo tempo aconteceu o que nem o mais otimista dos otimistas poderia prever: a virada brasileira. E a vitória surgiu dos pés do substituto de Pelé. Sim, foi ele mesmo o herói, Amarildo, “O Possesso”. Foi ali, naquele jogo dramático e aparentemente perdido que o Brasil começou a ganhar o bicampeonato.
Orlando Duarte narra em seu livro um fato revelador sobre o herói desse dia: “Quando Amarildo entrou no time brasileiro para o jogo contra a Espanha, substituindo Pelé, com a camisa 20 (não havia substituições durante os jogos) um jornalista disse-me: ‘Amarildo tem a 20, que vale por duas de 10’. Deu certo, apesar de Pelé ter sido o ganhador do jogo com o México”. Sorte, quase sempre, tem aquele que a merece. E o Brasil mereceu, por tudo o que viria a fazer na sequência.

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