Friday, July 23, 2010




Campeões, na raça e na técnica

Pedro J. Bondaczuk

Acompanhei o jogo final da Copa do Mundo de 1962, no Chile, de forma muito diferente da qual havia planejado e pretendia. A direção da emissora em que eu trabalhava na ocasião acreditava, sem titubear, na vitória brasileira, ao contrário dos meus colegas de trabalho, e no conseqüente bicampeonato mundial. Preparara toda a estratégia para celebrar o feito e vendera, até, patrocínio de programas comemorativos. Por isso, a cúpula determinou que a já tradicional mesa-redonda do Mundial fosse ao ar logo após a partida com a Checoslováquia, e não no dia seguinte, como havia acontecido ao longo de toda a competição.
Eu teria, portanto, que acompanhar a transmissão no próprio estúdio da rádio. No meu íntimo, achava que isso poderia dar “azar” à nossa equipe. Bobagem minha, claro. Da minha parte, preferia ouvir o jogo no silêncio e aconchego do meu quarto, de preferência na penumbra. Mas tinha que me submeter à vontade do patrão.
A bem da verdade, o fato de ter que acompanhar aquela decisão ao lado de um montão de pessoas, não deu azar, mas causou-me muita, muitíssima irritação, possivelmente a maior da minha vida. Até hoje não compreendo a razão dos meus colegas que lidam com informação – jornalistas, radialistas etc. – serem, em geral, tão pessimistas. Esse pessoal parece ter raiva da vida e espera sempre o pior para se incitar. Isso me irrita profundamente.
Quando cheguei à emissora, uma hora antes do início do jogo, por exemplo, os colegas organizavam um bolão. E não havia nenhum palpite, um reles e único que fosse, favorável ao Brasil. Foi uma grande moleza para mim faturar aquela grana. Não acertei o resultado exato da partida, é certo, mas fui o único a acertar o vencedor.
Todo aquele pessimismo tinha lá sua razão objetiva de ser. No jogo contra o Chile, Garrincha fora expulso. Pela lógica, portanto, não deveria enfrentar a Checoslováquia. Corria, contudo, um boato de que o juiz daquele jogo, o peruano Arturo Yamazaki, não encaminhara a súmula da partida à Fifa como deveria. Aliás, ninguém, nem jornalista e nem dirigente, conseguia localizá-lo. O homem simplesmente sumira.
Alguns repórteres diziam que, por causa disso, Garrincha jogaria. Outros – entre os quais meus colegas da rádio – acreditavam que não. E eu, o que achava? Não achava nada. Estava, somente, na expectativa, torcendo para que o tal do Yamazaki e sua maldita súmula não aparecessem. E não apareceram.
Sem Pelé e sem Mané, dificilmente o Brasil resistiria ao ímpeto e à apurada técnica daquela excelente seleção checa. O suspense sobre a presença ou não do nosso principal jogador naquela Copa persistiu até a entrada das duas seleções em campo.
O jogo foi disputado em 17 de junho de 1962, num Estádio Nacional de Santiago lotado, com a presença de 68 mil pessoas. Os chilenos, mesmo eliminados dias antes justamente pelo Brasil, penderam para o nosso lado. Assim, a Seleção jogaria como se estivesse no Maracanã.
Tão logo o árbitro russo, Nikolai Latishev, adentrou o gramado, tive a intuição de que, com ou sem Garrincha, aquele grupo, maduro e experiente saberia se virar e não deixaria escapar um título que estava tão ao seu alcance. E não deixou8.
Minha primeira surpresa positiva ocorreria logo na entrada das duas equipes em campo. Garrincha estava lá e iria, portanto, para o jogo. Todavia, aos 14 minutos do primeiro tempo, viria outra surpresa que era como jogar um balde de gelo no fervura. Os checos abriram o placar com seu principal jogador, Masopust.
Mais esta! Fiquei louco da vida, não somente com a iminência de uma catástrofe, mas porque metade dos colegas presentes no estúdio festejou o gol adversário como se fosse do Brasil. Não entendo a mentalidade de certas pessoas. Era o complexo de vira-latas mais latente do que nunca.
Mas, para o desgosto dos derrotistas de plantão, as coisas não tardaram a mudar. Apenas dois minutos depois do gol checo, Amarildo empataria a partida. E o primeiro tempo terminou sem vantagem para ninguém, ou seja, em 1 a 1.
No segundo período, Zito, aos 25 minutos, e Vavá (sempre ele) aos 34, se encarregariam de despachar de vez os adversários e calar os pessimistas de plantão. Imaginem o barulho que fiz e as gozações que aprontei para cima dos checos de mentirinha!
Admitam ou não, para mim, a seleção da Checoslováquia tremeu diante dos brasileiros. Tanto isso é verdade, que seu goleiro, Schroif, até então considerado o melhor da Copa, foi culpado por dois dos três gols do Brasil. Azar dele!
A experiência do nosso grupo contou, e contou muito para a conquista de um Mundial que tínhamos tudo para perder. Nossos craques, além de jogarem bola, ainda souberam se esquivar das pancadas dos adversários. A Copa de 1962 foi violentíssima, talvez a mais violenta da história. As arbitragens foram calamitosas, com os árbitros fazendo vistas grossas sobretudo à violência.
É certo que, involuntariamente, dois erros decisivos de arbitragem dos homens de preto com apito na boca nos beneficiaram. Mas o futebol brasileiro provou, aos que ainda duvidavam que fosse o melhor, que sabia aliar ao malabarismo de seus jogadores, à sua técnica e habilidade invejáveis, um espírito competitivo que poucos tinham e que o tornou imbatível, pelo menos naquela ocasião.

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