Saturday, July 31, 2010




Em termos políticos, ordem demais acaba descambando para a ditadura, para a tirania, para a supressão da liberdade. A ausência dela, no entanto, é a anarquia (em sua expressão pejorativa), a bagunça, o caos. Claro que as sociedades submetidas a qualquer destas duas condições estão em risco. São infelizes e não prosperam. O ideal é que leis livremente estabelecidas e consensuais regulem a vida social. Porém que não sejam impostas de cima para baixo, muito menos por uma só pessoa ou grupo. Victor Hugo, em discurso que fez em Paris, durante as comemorações do centenário de Voltaire, acentuou: "Não há outra soberania senão a lei para o povo e a consciência para o indivíduo". A ordem, portanto, é necessária e até fundamental. Mas não a imposta. A imposição significaria a admissão da superioridade de quem a impõe. E neste mundo de efemeridades, ninguém é mais do que ninguém.



Soneto à doce amada - LXXXI

Pedro J. Bondaczuk

Olhos límpidos, cristalinos, puros,
de cor esverdeada, suaves e sérios,
profundos, penetram além dos muros,
dissimulados, escondem mistérios.

Refletem as luzes, como esmeraldas,
contêm os matizes da tarde calma,
neblinas e sombras das altas faldas
do monte encantado de inocente alma.

Olhos altivos, acesos vulcões,
sugerem ternuras, amor, bondade,
jóias preciosas por entre escolhos.

Despertam paradoxais emoções.
Fazem-me fugir da realidade.
Querida: como são belos seus olhos!


(Soneto composto em São Caetano do Sul, em 25 de abril de 1963).

Friday, July 30, 2010




O poeta francês Paul Valéry, que além de escrever poemas belíssimos tinha opinião formada (e a emitia) sobre uma gama variada de temas, escreveu: "Duas calamidades ameaçam o mundo: a ordem e a desordem". Referia-se, especificamente, à política e ao sistema social e não a trivialidades. Mas a constatação vale praticamente para tudo. Também e em especial para o nosso cotidiano. O que é em excesso, mesmo quando virtuoso, deixa de ser virtude para se transformar em defeito. É uma mania, uma obsessão ou uma neurose. Quando não, uma calamidade. O que se deve buscar sempre e acima de tudo é o equilíbrio, a moderação, a "normalidade" em seu sentido mais amplo.




João Sem Medo

Pedro J. Bondaczuk

Sempre que me lembro da Seleção Brasileira de 1970, ou que alguém, ou algum jornal ou canal de televisão a menciona e que, para muitos, foi a melhor que o Brasil formou em todos os tempos – no que discordo, pois considero, pela ordem, que as de 1958 e 1950 lhe foram superiores – vem logo à memória o nome de um sujeito controvertido, sumamente injustiçado pela posteridade, mas que merece nosso respeito e reverência: João Saldanha.
Foi ele que incutiu nos nossos jogadores uma filosofia vencedora e montou a estrutura que acabaria bem-sucedida no México, sob outro comando (o de Zagallo) e não mais o seu. Era, sobretudo, homem ousado (muitos classificavam-no de atrevido), de firmes convicções e personalidade forte. Tanto que ficou conhecido nos círculos jornalísticos – dos que não se renderam à ditadura militar, pois a maior parte aderiu, e alguns com entusiasmo ímpar, ao que classificavam de “revolução redentora” – como João Sem Medo.
Sua coragem era tanta, que às vezes raiava à temeridade. Mas o futebol brasileiro, humilhado em gramados ingleses, precisava, naquele momento, de um líder desse porte. E ele foi a pessoa certa no momento adequado. Pena que poucos reconheçam isso.
João Alves Jobin Saldanha era gaúcho, natural de Alegrete. Foi responsável pela brilhante campanha da Seleção nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970, em que triturou os adversários. Conhecia a mentalidade dos boleiros, pois chegou a jogar profissionalmente, defendendo o clube que sempre foi a sua paixão; o Botafogo de Futebol e Regatas do Rio de Janeiro que foi, também, o único time que chegou a treinar.
Formado em Direito e em Jornalismo, honrou as duas profissões, sobretudo a última, exercendo a crônica esportiva com independência, verdade e, principalmente, credibilidade. Sempre fui seu fã e, na medida do possível, busquei seguir seu exemplo.
Membro do Partido Comunista Brasileiro, era olhado com extrema desconfiança pela ditadura e seus asseclas (que hoje posam de democratas), que não viam a hora dele dar algum passo em falso, para darem-lhe sumiço, como fizeram com tantos e bons jornalistas (como Vladimir Herzog, por exemplo).
Em 1969, João Saldanha foi convidado pela então CBD para comandar a Seleção Brasileira, desmoralizada e combatida, sem nenhuma credibilidade após o fiasco de 1966. João Sem Medo não era de fugir de desafios. E não fugiu desse. É verdade que não tinha nenhuma experiência como técnico. Era mais inexperiente, até, do que Dunga, que foi tão criticado por causa disso nos três anos e meio do seu (fracassado) trabalho.
Pitoresco foi o motivo apontado pelo então presidente da CBD (atual CBF), João Havelange, para essa escolha. O dirigente, que mais tarde presidiria a Fifa, admitiu que escolheu Saldanha apenas “para ver se os jornalistas fizessem menos críticas à Seleção Brasileira tendo um colega de profissão no seu comando”.
Naquele tempo, como não se podia criticar impunemente (e ai de quem se atrevesse) o governo militar, e ninguém ousava fazer isso, o alvo preferencial dos ataques dos comentaristas (alguns, sequer, da área esportiva) eram os dirigentes e jogadores de futebol.
João Saldanha, antes de tudo, investiu na recuperação do moral dos nossos atletas que, desde 1950, tinham fama de “pipocarem” diante de adversários mais viris. Exigiu-lhes garra, muita garra, sem medo de cara feia, pois técnica eles tinham para dar e vender. Lembrava que, em 1966, , a violência impediu que o Brasil passasse da primeira fase, pois foi impedido de jogar seu exuberante futebol. Na sua avaliação, muitos dos nossos craques se atemorizaram com as entradas violentas e desleais dos adversários e, por isso, não renderam nem metade do que poderiam render.
João Saldanha disse que os atletas que convocasse, e que viesse a escalar teriam que ser, antes de tudo, valentes. Pretendia formar uma equipe de “onze feras”. Afirmava que seus selecionados não poderiam se inibir diante da truculência dos que pretendessem nos vencer na base da pancada.
Ou seja, defendia que a Seleção fosse técnica diante de adversários técnicos, mas forte e viril com os que recorressem somente à força. Foi então que surgiram as tais “Feras do Saldanha”. Mesmo com a Seleção dando show nas eliminatórias, porém, não faltaram críticas ao seu trabalho. Uns diziam que o Brasil estava vencendo porque os adversários – Venezuela e Paraguai – eram muito fracos. Mas, e se perdesse? Outros asseguravam que João Sem Medo não entendia patavina de preparação física. Outros, ainda, acusavam-no de não saber treinar.
Diziam que seus treinos se limitavam a uma espécie de rachão entre titulares e reservas, e nada mais. Como tem gente que diz e escreve abobrinhas, confiando na falta de memória de leitores, ouvintes e telespectadores!
Ficou famosa uma briga de Saldanha com o técnico Dorival Knipel, conhecido como Yustrich, então treinador do Flamengo. Era um sujeito truculento que (dizem) chegava até a bater em jogadores que não seguissem à risca suas instruções.
Nosso João Sem Medo, contudo, não “afinou” diante do tal valentão. Encarou-o, de revólver na mão, e a coisa só não foi mais longe por causa da providencial intervenção da turma do “deixa disso”. E ademais, inexperiente ou não, bom ou mau, o fato é que Saldanha, com um time base que era mescla do Santos e do Botafogo, as duas melhores agremiações do País na época, classificou o Brasil para a Copa do México e jogando bem. Foi o caso do bonito e do eficiente.
Montou um grupo que, apesar de altamente técnico, era também combativo e não se perdia diante de adversários violentos e de arbitragens desastrosas.
João Saldanha morreu em Roma, em 12 de julho de 1990 (hoje completam-se, portanto, vinte anos), onde estava a serviço da Rede Manchete, na cobertura da Copa do Mundo da Itália. Por isso, quando exaltarem o reconhecidamente bom trabalho de 1970, não se esqueçam de quem pegou uma Seleção desmoralizada, esfacelada, ferida e desmotivada e a entregou a Zagallo rejuvenescida, aguerrida e com espírito de campeã.

Thursday, July 29, 2010




Teorias para explicar os objetivos e, sobretudo, o significado da vida, abundam, a maioria de caráter esotérico, usando jargões próprios para os "iniciados" (ou tolos?), com expressões complicadíssimas, num arremedo de sabedoria. Mas sempre contam com hordas de fanáticos seguidores. O verdadeiro, e sobretudo o belo, são simples. A beleza está na simplicidade. E embora o homem seja incapaz de entender o significado da vida, com que facilidade ele a suprime! Inventa máquinas sofisticadíssimas de assassinatos em massa, dizima espécies e mais espécies de animais e vegetais e elabora, com extremo cinismo, pomposas, mas abstratas, justificações para o injustificável: as guerras! Apesar do "disfarce" de modernidade, portanto, não passamos do primitivo animal que apenas trocou as cavernas por mansões, apartamentos ou casebres em infectas favelas de superpopulosas e violentas cidades.



Ao vivo nos estádios

Pedro J. Bondaczuk

Acompanhei a Copa do Mundo de 1970, no México, ao vivo, e nos estádios. Calma, não ganhei na loteria e nem enriqueci subitamente. Ocorre que esse Mundial foi o primeiro a ser transmitido direto pela televisão, e em cores. Era, pois, melhor e muito mais seguro e confortável do que estar presente fisicamente nos locais de disputa. Mas era como se estivesse ali.
As Copas anteriores, como já relatei, acompanhei pelas mágicas ondas de rádio. Em termos de emoção, não me arrependo. Esse veículo excita a imaginação de qualquer um e formamos, em nossa mente, as imagens mais variadas possíveis dos lances com base na narração do locutor.
Nas transmissões televisivas, não precisamos imaginar nada. Tudo é explícito e o que temos é que nos manter atentos, de olhos bem abertos, para não perder nenhum detalhe de qualquer jogada. Provavelmente por ser do ramo, ou seja, radialista, ainda hoje, mesmo com a exi9stência de TV em HD ou em 3D, honestamente, ainda prefiro mil vezes mais o rádio.
Mas, como ia dizendo, a modernidade, em termos de telecomunicação, havia, enfim, chegado ao Brasil. Poucas pessoas, é verdade, tinham condições financeiras de adquirir um receptor em cores. Mesmo eu, que tinha um bom salário e nenhuma obrigação, pois era solteiríssimo da silva,não tinha cacife para comprar esse então preciosíssimo bem.
Como, então, assisti aquela Copa ao vivo e em cores? Afinal, na ocasião, eu não tinha sequer TV em preto e branco. Explico. Assisti as transmissões daquele Mundial, quase todas, exceto uma, na casa do amigo, e colega de trabalho na Rhodia (que fora companheiro de classe no curso científico do Colégio Cesário Motta, de Campinas), e conselheiro, como eu, da Ponte Preta, o Rony Bueno.
Eu morava, então, como ele, no Distrito de Barão Geraldo. A diferença é que ele residia em uma casa com a família e eu em uma república. Na ocasião, já havia desistido do meu grande sonho (desistência essa que se constituirá para sempre na maior frustração da minha vida), que era o de ser médico. E pensar que havia chegado tão perto!
Havia cursado o primeiro ano da Faculdade de Medicina, após conquistar, a duras penas, uma vaga, com inaudito esforço, no vestibular, mas, sem trabalhar – o curso era em período integral, o que inviabilizava qualquer emprego – não tinha como assegurar meu sustento. Um ano deu para me virar, posto que endividado até o pescoço. Mas chegou um momento em que se tornou quase impossível permanecer na faculdade.
Tranquei, pois, a matrícula, pensando, apenas, em dar um tempo, ate encontrar solução para o impasse. Nunca encontrei. Não consegui bolsa de estudos e ninguém se dispôs a financiar-me por pelo menos quatro ou cinco anos, até a fase de residência médica. Além do que, a “vida me levou”, sem que eu pudesse ao menos cogitar de destrancar a tal matrícula.
Mas... eu não tinha do que me queixar. É verdade que tive que matar no ninho o meu grande sonho de criança, reitero, por falta de recursos. Porém tinha uma profissão, a de jornalista. Aliás, tinha duas, com a de radialista também, posto que estivesse dando um tempo no rádio, irritado com a tal censura federal.
Retornara à Rhodia, da qual havia me demitido quando fora aprovado no vestibu8lar. Tive muita sorte. Voltei para a mesma função anterior (a de assessor de imprensa) e com o mesmo salário, que era dos melhores.
Em 1970, na época da disputa da Copa do Mundo do México, eu estava com vinte e sete anos e meio. Estava pensando, seriamente, em casar. A exemplo de 1958, estava, de novo, amando e mais, apaixonadíssimo. Mantinha um namoro firme que já durava cinco anos (e creio que irá durar enquanto eu viver, pois minha namorada de então, eterna amada, há décadas é minha esposa, mãe dos meus quatro filhos e avó dos meus dois netos).
Se politicamente, os tempos de então eram dos mais bicudos, pelo au8ge da ditadura militar, com a plena vigência do odioso AI-5 e sob o férreo e feroz comando do general Garrastazu Medici, afetivamente, era dos mais favoráveis para mim.
Depois de desistir de ser médico, sonhava, agora, em dar mais um passo na profissão e trabalhar em alguma redação de jornal diário – até já vendia alguns frilas pára os dois diários locais – mas temia entrar em choque com os ditadores de plantão. Sempre fui um sujeito impulsivo e essa impulsividade poderia colocar minha liberdade (e talvez a minha vida) em risco. E ademais, não há profissão mais perigosa do que o jornalismo diário, se exercido com ética e correção, notadamente quando o país está submetido a regimes ditatoriais, como o que havia no Brasil (e em toda a América Latina) no início dos anos 70.
Decidi continuar mais um tempo onde estava. Sendo assessor de imprensa, não deixava de ser jornalista, tinha um salário do qual não tinha do que me queixar e não corria nenhum risco de me chocar com os ignorantes censores das rádios, TVs e jornais.
Querem saber uma curiosidade? Assisti a Copa de 1970 inteira ao vivo, menos um jogo, e o mais importante de todos: a final contra a Itália, aquele em que goleamos a “azurra” por 4 a 1. Mas não foi por medo de fracasso da Seleção Brasileira ou por alguma eventual superstição. Esse jogo assisti, sim, mas em vídeo. E, sem exagero, não apenas uma, mas centenas de vezes. Mas não ao vivo, no dia e hora da disputa. Por que? Bem, saiba a razão na sequência desta série de reminiscências sobre as Copas do Mundo que acompanhei.

Wednesday, July 28, 2010




Basicamente, o homem contemporâneo é o mesmíssimo ser primitivo que um dia habitou as cavernas, só que aprendeu a desenvolver ferramentas para desempenhar tarefas vitais, que antes executava com as forças dos seus músculos. Substituiu a magia dos rústicos desenhos dos feiticeiros, traçados nas paredes da sua inóspita moradia primitiva, pelo computador. Dominou processos naturais para o seu bem-estar. Descobriu como produzir fogo, inventou a roda, aprendeu a plantar, a fiar e a erigir edificações. Criou engenhocas mecânicas, o tear, o motor a explosão, o automóvel, o telefone, o avião, o rádio, a televisão, o foguete... Inventou a música, a pintura, a escultura, a arquitetura. Criou os esportes e se deixou fanatizar por alguns deles, matando ou morrendo por seu clube favorito. Todavia, na essência, continua o mesmo animal selvagem, perigoso, traiçoeiro e venal, embora vulnerável, com seus medos, mitos e indagações.



Violência anula o talento

* Pedro J. Bondaczuk

A performance brasileira na Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra, restringiu-se a três partidas, com uma vitória, duas derrotas, quatro gols marcados e seis sofridos. Campanha paupérrima, como se vê, para quem defendia um bicampeonato e tinha jogadores excepcionais, em qualidade e também em profusão, ou seja, em quantidade. Sua participação nesse mundial, portanto, foi um desastre, um vexame, uma catástrofe esportiva.
Foi, contudo, caso típico da violência, da subversão das regras de jogo, da apelação anulando o talento. O Brasil foi para a Inglaterra para jogar bola. Seus adversários, todavia, estavam determi8nados a não deixar nossa Seleção fazer isso. É verdade que boa parte do fracasso se deveu à desorganização, à arrogância e à falta de planejamento brasileiros. Mas desconfio que mesmo que o Brasil fosse organizado, concentrado e eficiente, jamais iria adiante naquele mundial, organizado pelos ingleses para ficarem com a taça, nem que para isso fosse preciso burlar todas as normas futebolísticas.
Acompanhei o jogo de estréia brasileiro no setor de contabilidade da Rhodia, empresa multinacional do ramo químico, sediada em Paulínia, no Planalto Paulista, em que trabalhava na ocasião. Ouvi a transmissão dessa partida meio que escondido, a convite do amigo José Carlos Lonetta, que me pediu, no entanto, extrema discrição, pois estávamos em pleno horário de trabalho. Tínhamos que nos limitar, pois, a ouvir o jogo baixinho, sem dar um pio, sem fazer nenhum alarde e sequer os comentários tão comuns quando acompanhamos uma disputa de futebol.
Ou seja, não poderíamos gritar os gols do Brasil e nem mesmo esbravejar contra o técnico ou xingar o árbitro sempre que marcasse alguma falta duvidosa a dano do Brasil. Detesto acompanhar jogos dessa maneira, furtivamente, como se estivesse cometendo algum delito.
Naquele tempo, todavia, as empresas não liberavam seus funcionários para acompanharem a Seleção Brasileira em copas do mundo. Quem quisesse torcer para o Brasil, sem faltar ao trabalho (e as faltas não justificadas eram descontadas, assim como o repouso remunerado da semana) tinha que fazer peripécias para tapear os chefes. Muitos ouviam as narrações radiofônicas nos banheiros da firma e com fones de ouvido.
Na Rhodia, os chefes sabiam que ouvíamos os jogos nas dependências da empresa e em horário de trabalho, mas faziam vistas grossas para não descontentar os subordinados. Proibiam, oficialmente. Todavia... Este é o país do jeitinho. Só exigiam discrição, para evitar problemas com a diretoria.
O setor de contabilidade ficava no segundo andar do prédio da administração. Tinha pouco movimento e raras pessoas que não trabalhassem no local entravam lá. Para sermos mais discretos e passarmos despercebidos, ouvíamos a narração na sala do arquivo morto, abarrotada, até o teto, de uma infinidade de prateleiras e de armários de aço estufados de documentos. O ambiente cheirava a mofo e a papel velho. Mas quem se importava? Valia qualquer sacrifício para torcer por Pelé, Garrincha, Gilmar, Djalma Santos e companhia. Ainda mais porque eu tinha esperanças do tricampeonato, embora sem entrar na “pilha”, no clima de “já ganhou” da imprensa, que sempre me pareceu (e olhem que eu há décadas faço parte dela) ciclotímica, oscilando entre a absoluta depressão e a euforia irresponsável. Coisa de maluco, como se vê.
A estréia brasileira ocorreu em 12 de julho de 1966, em Liverpool, onde a Seleção faria todos seus jogos daquela Copa. A adversária era estreante em mundiais, a Bulgária, que praticava (e ainda pratica) um futebol tosco, primário, ingênuo, mas de muita marcação, feita, não raro, na base da força física e da violência. Seu forte nunca foi o talento e nem a eficiência.
O árbitro alemão ocidental Kurt Trehnsher fez um tipo de arbitragem a caráter para a equipe européia, mais grossa: ignorou, o jogo inteiro, as jogadas violentas, muitas sumamente desleais, dos zagueiros búlgaros, sobre nossos jogadores mais talentosos. Os alvos preferenciais eram, obviamente, Pelé e Garrincha.
A Seleção não jogou bem, é verdade, mas nem dava para jogar. A partida foi muito truncada e a arbitragem irritou nossos atletas. Creio que irritaria até estátua de pedra. O Brasil, contudo, fez o suficiente para ganhar por 2 a 0. Em condições normais, ou seja, com um árbitro que realmente seguisse as regras como deveria, venceria o frágil adversário por 5 ou 6 a 0, sem fazer muita força.
Pelé fez o primeiro gol brasileiro nesse mundial, no primeiro tempo. Garrincha completou o placar, no segundo. Os búlgaros, reitero, não deixaram os brasileiros jogarem. Bastava algum jogador nosso pegar a bola para logo ser derrubado por uma rasteira ridícula ou por algum carrinho homicida. E o árbitro? Nem se tocava! Fingia que não era com ele. Os dois gols brasileiros saíram da única forma possível: na cobrança de faltas.
No segundo jogo, disputado em 15 de julho de 1966, as coisas, no aspecto disciplinar, se repetiram. Os húngaros, a exemplo do que haviam feito em 1954, também bateram, e bateram muito nos nossos jogadores. Acho estranho que os historiadores, ao abordarem aquela Copa, tenham omitido esse aspecto da violência. É gente do contra, que fica em transe de felicidade quando pode falar mal do Brasil. Se não gostam do país, por que não se mudam daqui?
O árbitro inglês, Kenneth Dagnal, não apitava a maioria das faltas sofridas pelos nossos jogadores alegando simulação. Achava que os brasileiros eram “malandros” e bons atores na tentativa de confundir a arbitragem. Puro preconceito. Um pilantra que ele era, isto sim.
Pelé não disputou esta partida, pois não se recuperou a tempo das pancadas recebidas no jogo contra a Bulgária. Depois ainda me acusam de bairrista quando levanto suspeitas de armação nessa Copa! Ora, com o Brasil fora do caminho, claro que as coisas ficariam mais fáceis para os ingleses. Ou será que eles temiam búlgaros, húngaros ou portugueses? Nem teria lógica!
O Brasil jogou com a Hungria parece que com medo (pudera) e o desempenho da equipe foi sofrível. Resultado? Derrota por 3 a 1. O primeiro tempo até que terminou empatado9, com um gol de Tostão, que estreava em Copas. Mas no segundo... Bem, deixa pra lá!
O jogo seguinte, contra Portugal, seria decisivo para o Brasil. Qualquer tropeço, significaria sua eliminação logo na primeira fase. Ninguém queria acreditar nessa possibilidade. Se na partida anterior, a Seleção ficara sem Pelé, nesta ficaria sem Garrincha.
Feola quis dar uma mexida nos brios dos brasileiros e mandou a campo uma equipe totalmente modificada, ou seja, com maioria de jogadores considerados reservas. Enfrentaram os portugueses: Manga, Fidélis, Brito, Orlando e Rildo; Denilson e Lima; Jairzinho, Silvca, Pelé e Paraná.
Nesse jogo, a arbitragem foi do inglês G. McCabe. Foi uma das piores coisas que já vi em décadas que acompanho futebol. A defesa portuguesa estava determinada a parar o nosso ataque de todas as maneiras. O que Vicente, Hilário e Jaime Graça fizeram com Pelé pode ser caracterizado como tentativa de homicídio. E nenhum dos três foi expulso ou sequer advertido com seriedade. Tanto bateram, que conseguiram tirá-lo de campo, carregado pelo massagista Mário Américo, sem sequer poder pisar no chão.
Para complicar, no ataque português o moçambicano Eusébio fazia misérias. O primeiro tempo terminou com 2 a 0 para Portugal. Até hoje não me conformo com a deslealdade dos nossos patrícios nesse jogo e olhem que eles eram comandados por um técnico brasileiro, Otto Glória. Eles tinham time para pelo menos tentar nos vencer limpamente, sem recorrer à apelação. A derrota, por 3 a 1, (o nosso gol foi do lateral esquerdo Rildo) resultou na desclassificação prematura do Brasil. É verdade que a violência anulou o talento, mas apenas conseguiu adiar o tricampeonato brasileiro por quatro anos. Podíamos esperar!

Tuesday, July 27, 2010




Muitos dogmas sobre a finalidade da vida foram erigidos, e persistem e até se multiplicam. Eles têm o efeito de uma espécie de "narcótico", para afastar seus crentes da dura realidade, acatados cegamente, sem reflexões ou considerações, por milhões de pessoas, que se sentem "felizes" por não serem "obrigadas a pensar". Deixam que outros pensem por elas. O imperador romano Júlio César observou que "os homens têm grande disposição para acreditar no que desejam". E como têm! Diariamente, aparecem charlatães, com receitas "milagrosas" sobre a arte de viver, ditando normas, de conformidade com suas fantasias e ilusões. E nunca lhes faltam discípulos e adeptos. Religiões e mais religiões surgem dos nada, criadas por espertalhões, que exploram a ignorância, inocência ou boa fé dos mais simples ou néscios. Mas saber, mesmo, qual a finalidade da vida, ninguém sabe.



Excesso de tudo

Pedro J. Bondaczuk

A convocação da Seleção Brasileira para a disputa da Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra, beirou o surreal. O comando técnico foi, mais uma vez, entregue a Vicente Feola, que em 1958 levara o Brasil à conquista do primeiro mundial. Só que agora, o treinador estava quatro anos mais velho, adoentado e sem a motivação anterior. Além do que, a desorganização era, então, a grande característica, o espelho do futebol brasileiro em 1966.
Não havia, convenhamos, como muitos afirmam atualmente, falta de bons jogadores, como viria a ocorrer nos 24 anos de jejum que sucederam à conquista de 1970. Pelo contrário, a “safra” era muito boa, das melhores. Isso confundiu a cabeça dos selecionadores, com certeza. Todos queriam uma vaguinha, quer os veteranos que já haviam mostrado serviço, quer as “promessas”, que pretendiam se firmar no cenário futebolístico mundial.
Houve excessos de todos os tipos. Querem um exemplo? Foram convocados 44 atletas, isto mesmo, quatro times completos, para a fase de preparação, para restarem apenas 23 a serem inscritos na Fifa. Vinte e um passariam pelo trauma dos “cortes”, ensejando lobbies, pressões e descontentamento de gregos e troianos. Além do que, esse período de treinamento se transformou numa “farra” só, sem permitir que os jogadores se concentrassem exclusivamente em jogar bola. Não defendo o enclausuramento determinado por Dunga em 2010, mas a liberdade de 1966... Aquilo era uma folia e não preparação para a Copa.
Outro excesso cometido na ocasião coube à imprensa. Esta, que mostrara contundente pessimismo em 1954, 1958 e 1962, reviveu o clima de “já ganhou” de 1950, ou seja, de uma irresponsável euforia. “Afinal”, diziam muitos jornalistas, de peito estufado, “uma seleção que tem campeões mundiais como Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando, Zito e, principalmente, Garrincha e Pelé, não tem que temer ninguém”. E não tinha mesmo.
Ocorre que, apenas “nomes” não vencem, por si sós, sequer um único jogo, quanto mais um campeonato. É verdade que na relação final dos convocados constavam vários atletas que se consagrariam quatro anos depois, no México, como Brito, Gerson, Jairzinho e Tostão, sem contar, claro, Pelé.
Mas para a Copa de 1966, essa mescla de novatos e veteranos não deu liga. Por que? Por uma série de fatores. O principal era a nossa desorganização que beirava o patético. O Brasil, na verdade, perdeu aquela Copa para si mesmo. Para a sua arrogância e suas contradições.
Jogadores com superior capacidade técnica tinha aos montes, tanto no grupo selecionado, quanto no dos que ficaram de fora. Mas só isso não era suficiente para vencer uma competição daquele porte. Se foi ou não para a Inglaterra o que tínhamos de melhor é ocioso afirmar. Afinal, esse tipo de avaliação é absolutamente subjetivo. Mas não se pode negar que aquele grupo tinha potencial para disputar, e vencer, uma Copa do Mundo. Ou, pelo menos, para um desempenho muito melhor do que o que apresentou. A própria relação final dos convocados, a dos inscritos para o Mundial, nos leva a essa conclusão.
Os goleiros escolhidos, por exemplo, Gilmar e Manga, eram quase unanimidades nacionais. O primeiro deles, titular pela terceira Copa consecutiva, fez história na posição. Jogou doze partidas seguidas em mundiais, sofrendo, apenas, quatro gols em 1958 e cinco em 1962.
Era detentor, na ocasião, portanto, da melhor média de todos os goleiros campeões. Ou seja, atuou em todas as partidas em duas Copas seguidas, sofrendo nove gols em 1.080 minutos. Manga, por seu turno, atravessava, na época, sua melhor forma física e técnica.
Falar das qualidades do lateral direito Djalma Santos, que disputaria, em 1966, seu último Mundial, é até redundante. Essa seria sua quarta Copa do Mundo, duas das quais o Brasil venceu. Seu substituto era Fidélis, contestado por muita gente.
Na zaga central, dois atletas que se destacavam pelo vigor físico e pela segurança na marcação, disputavam a titularidade: Brito, que em 1970 seria tri-campeão e Bellini, que então se despedia da Seleção. Fora, porém, quem erguera a Jules Rimet na primeira conquista brasileira.
Na quarta zaga, os preferidos de Feola eram Altair, que em 1962 fora reserva de Nilton Santos na lateral esquerda, mas que agora jogava no miolo de zaga e Orlando, igualmente veterano com a camisa amarelinha. Não se pode, pois, dizer que havia carência de bons valores, embora a imprensa “cornetasse” e pedisse outros jogadores.
Nilton Santos ficara de fora dessa Copa. Para o seu lugar, foram escolhidos Rildo e Paulo Henrique (que não vingaram na Seleção). O meio de campo contava com o novato Denilson, do Fluminense, com o veterano de 1958 e 1962 Zito e com o “coringa” do Santos, Lima, além do canhotinha Gerson, que se consagraria em 1970.
Garrincha e Jairzinho eram os pontas direitas; Edu e Paraná os pontas esquerdas, com os atacantes Alcindo, Tostão, Silva e Pelé completando o elenco. Ninguém pode afirmar que aquela não era uma seleção de respeito. Em condições normais, seria favorita, favoritíssima à conquista do título. Seria... se a Copa da Inglaterra tivesse arbitragens minimamente decentes, que coibissem a violência e protegessem o talento. Não teve.
Nossos principais craques, Pelé e Garrincha, não puderam jogar. Foram parados, na base da violência, por zagueiros sem recursos, grossos e desleais, sob os olhares complacentes de árbitros bananas, que a história, felizmente, fez questão de enterrar.
Mesmo com nossa desorganização, excesso de confiança (mais uma vez) e uma certa arrogância em relação aos adversários, poderíamos, se não ter conquistado o tri, pelo menos apresentar desempenho melhor, mais compatível com a nossa categoria, não fossem tantos os fatores extracampo a nosso dano. A “caçada” a Pelé, principalmente nos jogos contra a Bulgária e contra Portugal, foi uma das coisas mais revoltantes e vergonhosas que vi em 60 anos que acompanho futebol.

Monday, July 26, 2010




Por que os seres – animais ou vegetais – nascem, se desenvolvem e se reproduzem, se estão, irremediavelmente, condenados a morrer? Não seria um desperdício? Há vida em outras partes do Universo? Caso a resposta seja afirmativa, ela é igual, semelhante ou diferente da existente na Terra? São perguntas, perguntas e mais perguntas, infinitas delas, sem respostas sequer satisfatórias... Tais questões há muito desafiam filósofos, biólogos, astrônomos e especialistas nas mais diversas áreas da ciência, sem que ninguém haja sequer se aproximado de uma conclusão. Os que têm fé, fundamentam os objetivos da vida na esperança da eternidade, embora de forma muito vaga, em geral induzida por suas próprias crenças e fantasias. A maioria prefere mergulhar numa desesperada alienação, "vivendo" apenas, sem inquirir a si próprios, à sua lógica e razão, sobre significados ou finalidades.



Obsessão por um sonho

Pedro J. Bondaczuk

A Copa do Mundo de 1966, disputada na Inglaterra, é a que me traz lembranças mais pungentes, não só em relação ao futebol (e a este nem tanto), mas aos rumos que minha vida havia tomado. Aquele Mundial foi disputado em um ano de imensos sacrifícios para mim, em que joguei para o alto relativa estabilidade econômica e social para batalhar por um dourado sonho de menino.
Estava, na ocasião, com 23 anos e meio (lembro que faço aniversário em janeiro). Ostentava, graças a Deus, uma saúde perfeita, invejável (característica, aliás, que ainda me acompanha, embora nunca se saiba até quando). Caso não estivesse hiper saudável, certamente não suportaria os sacrifícios a que teria que me submeter para conseguir o que tanto buscava.
Em fins de 1964, em plena ditadura militar, com vários dos meus companheiros e alguns amigos de infância “desaparecidos” (alguns reapareceram, outros não), resolvi dar um tempo no rádio (pois o período não era propício a quem tivesse senso crítico), deixar a casa dos meus pais e até a cidade pela qual tinha tanto carinho (São Caetano do Sul) e encarar o mundo de peito aberto, sozinho e em outro lugar.
Optei por instalar-me em Campinas para empreender essa luta incerta e solitária, que me exigiu, muitas vezes, que eu me esforçasse até o limite da minha capacidade física, mental, psicológica e até afetiva. É interessante fazer essa divisão da vida em segmentos de quatro anos cada – intervalo entre uma Copa do Mundo e outra – pois nos leva a constatações e conclusões até surpreendentes. É mais fácil para esquadrinhá-la, dissecá-la e esmiuçá-la.
No meu caso, descobri (e venho descobrindo ao longo da redação destas reminiscências) o quanto minha vida mudou – ora com avanços inusitados e, portanto para melhor, ora com quedas e recuos catastróficos, ou seja, para pior – como se fosse uma gangorra surreal.
Ao fazer essa mudança, mudei, também, de função profissional, embora sem deixar de exercer jornalismo. De homem de rádio, decidi tornar-me assessor de imprensa (grande novidade na época) de renomada empresa multinacional francesa do ramo químico, a Rhodia, sediada na Fazenda São Francisco, no recém-criado município de Paulínia, ex-distrito de Campinas que, em 28 de fevereiro de 1964, conquistou sua autonomia.
Outra mudança fundamental na minha vida, e esta até um tanto dramática, foi o fato de voltar a estudar. Queria porque queria ser médico e matriculei-me num cursinho para preparar-me para encarar a barra pesada do vestibular, e de Medicina, que naquele tempo era, disparado, o curso mais procurado em todo o País por estudantes que, como eu, tiveram o privilégio de só estudar em colégios particulares, caros, mas de ensino de qualidade.
A concorrência era de enlouquecer! A desproporção entre candidatos e vagas era brutal. No ano que consegui ser aprovado, 1967 (um após a Copa da Inglaterra, portanto), havia 70 mil inscritos (ou em torno disso, pois a cifra exata não me lembro). Desses, somente dois mil e tantos seriam aprovados. Reitero, fui um deles.
A seleção para esses cobiçadíssimos lugares era feita por uma instituição da qual me lembro só da sigla, mas não o que ela significava: CESCEM. Sei que era ligada à Fundação Carlos Chagas. Ao fazer a inscrição, o candidato poderia fazer cinco opções de faculdades para cursar. Sua colocação é que iria determinar em qual delas faria a matricula (se aprovado, claro). Ou seja, se a sua média estivesse entre as duas mil melhores.
Na ocasião, minha primeira opção foi a Faculdade de Medicina de Pinheiros. As outras foram Sorocaba, Marília, Campinas e Botucatu. Não escolhi a da cidade em que morava em primeiro lugar porque era recém-criada e funcionava precariamente no prédio da Maternidade local. Minha colocação fez com que ficasse com uma vaga na escola superior da minha quinta opção. Ou seja, em Botucatu.
Passei raspando, é verdade, mas pelas circunstâncias, já foi uma vitória fantástica o fato de ser aprovado. E olhem que quase fracassei. Tanto sacrifício, para quase ficar pelo caminho... Ainda bem que não fiquei, mas um ano depois, tranquei a matrícula (um dia explico porque) para nunca mais destrancar.
Minha vida, em 1966, era de causar inveja ao mais durão dos espartanos. Acordava às 7 horas da manhã e saía correndo para o ponto de ônibus, sem tomar café, pois como morava sozinho, não tinha quem me fizesse. Às 7h30 tinha que estar em minha seção, na Rhodia, já trabalhando. Saía do trabalho às 17h15 e mal dava para tomar banho, aquele de “gato”.
Jantar? Só depois das aulas do cursinho, por volta da meia-noite. Engolia uma marmita que sequer me dava o trabalho de conferir o que continha, e invariavelmente com um livro debaixo do nariz. Estudava até as duas da madrugada quando, então, ia cambaleando para a cama, repetindo, mentalmente, processos de química, pontos inteiros de biologia ou fórmulas de física, que poderiam ser de mecânica, de óptica, de eletricidade e magnetismo, e assim por diante.
Dormia, no máximo, cinco horas. Quantas vezes me senti tentado a arrebentar, a amassar, a pulverizar o despertador quando este me acordava! E não me permitia nenhuma trégua nessa rotina. Sábados, domingos e feriados eu passava estudando, da manhã até a madrugada.
Meu único lazer era acompanhar os jogos da Ponte Preta num radinho de pilha da marca Mitsubishi, que resistiu, comigo, por mais de vinte anos sem pifar e ouvir o noticiário esportivo. Quantas vezes quis ir ao Estádio Moisés Lucarelli para acompanhar meu time de coração, que não conseguia sair da Segunda Divisão do Campeonato Paulista nem com reza brava! Conseguia, no entanto, resistir a essa (para mim)quase irresistível tentação, para estudar, estudar e estudar.
Nunca deixei, claro, de gostar de futebol. Mas a luta pelo meu sonho virara obsessão. Eu estava disposto a sacrificar qualquer coisa, mas qualquer mesmo, para conseguir o que tanto queria. Por isso, não senti tanto o fracasso brasileiro na Copa do Mundo da Inglaterra. Desconfio que nem os jogadores que integraram aquela Seleção (salvo honrosas exceções) sentiram. Outros tantos insucessos – inclusive este, de 2010 – iriam doer (como está doendo) muito mais.

Sunday, July 25, 2010




O fotógrafo norte-americano Edward Steichen, acostumado a flagrar as cenas mais chocantes e incompreensíveis do cotidiano, observou: "É possível compreender os estragos da bomba atômica. Mais difícil é entender o significado da vida". Aliás, tarefa dessa natureza virtualmente raia ao impossível, dada sua complexidade. A compreensão do intrincado mecanismo vital a cada dia fica mais clara. A morfologia e o funcionamento das células, tecidos, órgãos, aparelhos e organismos vivos já perderam quase todos seus mistérios. Cientistas já mapearam a totalidade dos genes humanos. Bebês de proveta há muito deixaram de ser novidade. A engenharia genética é capaz de mesclar características de diferentes espécies numa só (os transgênicos) ou de clonar qualquer um de nós, partindo de quaisquer das nossas células. Mas qual é a "razão de viver"? Qual a verdadeira finalidade da existência? Existe alguma? Há uma única? São várias?



Instabilidade na Indochina

Pedro J. Bondaczuk

O Sudoeste Asiático, mais especificamente a Indochina, que nos últimos 32 anos (desde quando os pára-quedistas franceses tomaram, em 21 de novembro de 1953, a cidadela de Diem Bien Phu, na célebre “Operação Castor”) tem sido palco de sangrentos combates, volta a ser uma zona potencialmente perigosa, onde as superpotências podem considerar que seus interesses estão mais uma vez em xeque.

A prolongada ocupação vietnamita do Camboja e a recente ofensiva de suas tropas junto à fronteira da Tailândia, arrasando bases do Khmer Vermelho em apenas um mês de operações, vêm acirrando os atritos fronteiriços entre a China e o Vietnã.

Os chineses precisam abrir uma nova frente de luta para distrair a atenção de Hanói e impedir que a guerrilha cambojana, apoiada e financiada por Pequim, seja totalmente desbaratada. Por isso, vêm aumentando seus ataques na região.

Num contexto estratégico mais amplo, interessa sobremaneira aos russos a existência, não somente de um Vietnã forte militarmente, mas sobretudo de um controle da Indochina por regimes que sejam seus aliados. Dóceis, por conseqüência, em satisfazer a todas as suas necessidades na área.

A União Soviética, há tempos, aspira deter o controle da zona próxima ao Sul da China, considerada pelos estrategistas militares como um dos 14 principais pontos de estrangulamento do comércio marítimo mundial. A frota naval da superpotência do Leste, que após a Segunda Guerra Mundial era inexpressiva na região, hoje supera, em número de navios, a Sétima Frota dos EUA, encarregada de manter abertos todos os principais canais de navegação da Ásia.

A tentativa chinesa de manter os vietnamitas ocupados na sua fronteira Norte não está, todavia, surtindo os efeitos desejados. Hoje, o Vietnã mantém 1,25 milhão de homens em armas, detendo um dos mais magníficos aparatos militares mundiais, e o maior, per capita, comparado ao total de sua população. Hanói, por conseqüência, consegue responder ao fogo chinês, na tensa divisa comum, sem que necessite deslocar nenhum contingente do Camboja para lá.

Muitos observadores internacionais acreditam que o Sudoeste Asiático irá se constituir, pelo menos durante a última metade da atual década, num dos grandes pontos de atrito mundiais, ao lado do Oriente Médio, América Central e região do Golfo Pérsico, áreas que, atualmente, causam as maiores preocupações para a manutenção da paz (ou de um arremedo dela).

Teme-se, sobretudo, que a Tailândia (que sabe Deus como vem conseguindo se manter a salvo dos conflitos regionais desde 1953) acabe envolvida na questão do Camboja, já que, sabidamente, tem dado abrigo não apenas às vítimas da guerra (os refugiados cambojanos), mas aos opositores do regime títere de Phnon Penh.

Durante a atual ofensiva vietnamita, as tropas de Hanói, em diversas ocasiões, violaram a fronteira tailandesa, trocando tiros com guardas fronteiriços. Ignorando as advertências de Bangkok, perseguiram, em várias ocasiões, guerrilheiros no interior desse país. Dificilmente, portanto, a Indochina conseguirá escapar de uma conflagração mais ampla, uma espécie de revanche da guerra do Vietnã, termina há 13 anos, mas cujos reflexos persistem ao longo do tempo.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 19 de fevereiro de 1985).

Saturday, July 24, 2010




Há, no Brasil atual, meninos a dar com pau pelas ruas com dois, quatro, dez ou mais homicídios nas costas. Há bandidos-mirins muito mais escolados e experientes na arte de espoliar bens alheios do que assaltantes adultos. Há crianças que são privadas da infância desde o nascimento, dada a fragilidade, a ignorância, a ingenuidade ou a irresponsabilidade de pais que não têm condições de cuidar sequer de si, quanto mais de pôr filhos no mundo. Será que elas vão encarar essa fase como "tempos mágicos"? O sublime (a criança) está ou não está próximo demais do ridículo (a violência, o abandono, a exploração, a omissão e a criminalidade)? Só posso concluir com esta citação de George Bernanos que vem a caráter para a atual situação da infância no País e que assino embaixo: “Como estamos desarmados diante dos homens, diante da vida! Que infantilidade absurda!”.



Soneto à doce amada - LXXX

Pedro J. Bondaczuk

Como se de rico e frágil cristal
fosse forjada, temo até tocá-la,
quando os olhares se cruzam na sala
iluminada de aura irreal.

Quando ela passa, cabelos ao vento,
a natureza desperta e sorri...
Eu pasmo, estático, parado ali
junto ao portão, em meu encantamento

esqueço deste mundo a infâmia imensa!
Pois em minha emoção, assaz intensa,
qual João Ramalho a contemplar Bartira,

esqueço-me do mundo, do ódio e da ira,
das traições, desencantos, mentira
estático, amada, em sua presença...

(Soneto composto em Campinas, em 28 de junho de 1967).

Friday, July 23, 2010




Entre dar cordas à memória, em busca do que passou, e projetar um amanhã, que pode nem mesmo existir, prefiro, por uma questão de postura e formação, o segundo. O tempo é meu capital. Não posso desperdiçar nem um instante com lembranças inúteis. Cyro dos Anjos escreve, no livro "Dois Romances": "Inútil tentativa de viajar o passado, penetrar no mundo que já morreu e que, ai de nós, se nos tornou interdito, desde que deixou de existir, como presente, e se arremessou para trás". Uso, sem dúvida, as experiências que adquiri. Mas para cumprir meu papel. Para deixar a obra a que me propus. Para evitar repetir os mesmos erros que cometi. Para não tropeçar nos mesmos buracos e nem despencar nos mesmos abismos. Uso, sim, o que passou, principalmente a lembrança de quem já se foi, para fazer justiça com os que foram bons, gentis, amáveis e amigos, perpetuando alguns de seus atos e virtudes em textos. E só.




Campeões, na raça e na técnica

Pedro J. Bondaczuk

Acompanhei o jogo final da Copa do Mundo de 1962, no Chile, de forma muito diferente da qual havia planejado e pretendia. A direção da emissora em que eu trabalhava na ocasião acreditava, sem titubear, na vitória brasileira, ao contrário dos meus colegas de trabalho, e no conseqüente bicampeonato mundial. Preparara toda a estratégia para celebrar o feito e vendera, até, patrocínio de programas comemorativos. Por isso, a cúpula determinou que a já tradicional mesa-redonda do Mundial fosse ao ar logo após a partida com a Checoslováquia, e não no dia seguinte, como havia acontecido ao longo de toda a competição.
Eu teria, portanto, que acompanhar a transmissão no próprio estúdio da rádio. No meu íntimo, achava que isso poderia dar “azar” à nossa equipe. Bobagem minha, claro. Da minha parte, preferia ouvir o jogo no silêncio e aconchego do meu quarto, de preferência na penumbra. Mas tinha que me submeter à vontade do patrão.
A bem da verdade, o fato de ter que acompanhar aquela decisão ao lado de um montão de pessoas, não deu azar, mas causou-me muita, muitíssima irritação, possivelmente a maior da minha vida. Até hoje não compreendo a razão dos meus colegas que lidam com informação – jornalistas, radialistas etc. – serem, em geral, tão pessimistas. Esse pessoal parece ter raiva da vida e espera sempre o pior para se incitar. Isso me irrita profundamente.
Quando cheguei à emissora, uma hora antes do início do jogo, por exemplo, os colegas organizavam um bolão. E não havia nenhum palpite, um reles e único que fosse, favorável ao Brasil. Foi uma grande moleza para mim faturar aquela grana. Não acertei o resultado exato da partida, é certo, mas fui o único a acertar o vencedor.
Todo aquele pessimismo tinha lá sua razão objetiva de ser. No jogo contra o Chile, Garrincha fora expulso. Pela lógica, portanto, não deveria enfrentar a Checoslováquia. Corria, contudo, um boato de que o juiz daquele jogo, o peruano Arturo Yamazaki, não encaminhara a súmula da partida à Fifa como deveria. Aliás, ninguém, nem jornalista e nem dirigente, conseguia localizá-lo. O homem simplesmente sumira.
Alguns repórteres diziam que, por causa disso, Garrincha jogaria. Outros – entre os quais meus colegas da rádio – acreditavam que não. E eu, o que achava? Não achava nada. Estava, somente, na expectativa, torcendo para que o tal do Yamazaki e sua maldita súmula não aparecessem. E não apareceram.
Sem Pelé e sem Mané, dificilmente o Brasil resistiria ao ímpeto e à apurada técnica daquela excelente seleção checa. O suspense sobre a presença ou não do nosso principal jogador naquela Copa persistiu até a entrada das duas seleções em campo.
O jogo foi disputado em 17 de junho de 1962, num Estádio Nacional de Santiago lotado, com a presença de 68 mil pessoas. Os chilenos, mesmo eliminados dias antes justamente pelo Brasil, penderam para o nosso lado. Assim, a Seleção jogaria como se estivesse no Maracanã.
Tão logo o árbitro russo, Nikolai Latishev, adentrou o gramado, tive a intuição de que, com ou sem Garrincha, aquele grupo, maduro e experiente saberia se virar e não deixaria escapar um título que estava tão ao seu alcance. E não deixou8.
Minha primeira surpresa positiva ocorreria logo na entrada das duas equipes em campo. Garrincha estava lá e iria, portanto, para o jogo. Todavia, aos 14 minutos do primeiro tempo, viria outra surpresa que era como jogar um balde de gelo no fervura. Os checos abriram o placar com seu principal jogador, Masopust.
Mais esta! Fiquei louco da vida, não somente com a iminência de uma catástrofe, mas porque metade dos colegas presentes no estúdio festejou o gol adversário como se fosse do Brasil. Não entendo a mentalidade de certas pessoas. Era o complexo de vira-latas mais latente do que nunca.
Mas, para o desgosto dos derrotistas de plantão, as coisas não tardaram a mudar. Apenas dois minutos depois do gol checo, Amarildo empataria a partida. E o primeiro tempo terminou sem vantagem para ninguém, ou seja, em 1 a 1.
No segundo período, Zito, aos 25 minutos, e Vavá (sempre ele) aos 34, se encarregariam de despachar de vez os adversários e calar os pessimistas de plantão. Imaginem o barulho que fiz e as gozações que aprontei para cima dos checos de mentirinha!
Admitam ou não, para mim, a seleção da Checoslováquia tremeu diante dos brasileiros. Tanto isso é verdade, que seu goleiro, Schroif, até então considerado o melhor da Copa, foi culpado por dois dos três gols do Brasil. Azar dele!
A experiência do nosso grupo contou, e contou muito para a conquista de um Mundial que tínhamos tudo para perder. Nossos craques, além de jogarem bola, ainda souberam se esquivar das pancadas dos adversários. A Copa de 1962 foi violentíssima, talvez a mais violenta da história. As arbitragens foram calamitosas, com os árbitros fazendo vistas grossas sobretudo à violência.
É certo que, involuntariamente, dois erros decisivos de arbitragem dos homens de preto com apito na boca nos beneficiaram. Mas o futebol brasileiro provou, aos que ainda duvidavam que fosse o melhor, que sabia aliar ao malabarismo de seus jogadores, à sua técnica e habilidade invejáveis, um espírito competitivo que poucos tinham e que o tornou imbatível, pelo menos naquela ocasião.

Thursday, July 22, 2010




Tivesse que eleger determinada fase da vida como a melhor, escolheria não a infância, mas a plena maturidade. Se não soube aproveitar certas oportunidades que apareceram nesse período, foi pela minha própria cegueira. Ademais, é preciso olhar sempre para frente, mesmo sabendo que lá, em algum lugar do futuro (que pode ser o próximo segundo, quem sabe) está a nossa extinção. Mas pode estar, também, o sucesso, aquele êxito que perseguimos desde crianças e que, se obtido, nos tornará imortais no coração dos semelhantes. Pode estar o amor se ainda estiver ausente da nossa vida. Pode estar a felicidade identificável (pois na maioria das vezes somos felizes em determinados momentos ou períodos e não conseguimos nos dar conta disso).



Rumo ao bi mundial

Pedro J. Bondaczuk

Acompanhei os jogos da (para o Brasil) dramática fase de classificação da Copa do Mundo de 1962, no Chile, em que quase nossa Seleção foi eliminada pela Espanha, pelo rádio, em casa, no meu quarto, sozinho, tenso e quase sempre no escuro.
A emissora para a qual eu então trabalhava tinha enviado equipe própria para cobrir o Mundial in loco. O acompanhamento dos jogos forçou-me a assumir dupla personalidade, tipo Dr. Jekyll e Mister Hyde, a ficar um tanto (ou totalmente, sei lá) dividido entre o torcedor apaixonado e irracional que sempre fui e o profissional de comunicação em que me tornei, atento e, sobretudo, isento.
Ocorre que eu havia sido escalado, pela direção da rádio, para participar das mesas-redondas sobre a Copa e não poderia decepcionar e nem dar vexame. Mas então eu já contava com preciosa aliada na busca pela requerida objetividade: a televisão. Ainda não eram possíveis transmissões ao vivo, diretas, dos estádios chilenos, via satélite. Mas havia o recurso do vídeotaipe, posto que em preto e branco.
Dada a relativa proximidade do Chile, os jogos (gravados) eram exibidos, muitas vezes, nos próprios dias que ocorriam, algumas horas depois de sua realização. As fitas eram enviadas ao Brasil por via aérea.
Para mim, esse foi um arranjo espetacular. Quem acompanhava as partidas pelo rádio, tenso e querendo de alguma forma participar do jogo, era o Pedro torcedor, que nunca deixou de torcer para o Brasil, mesmo que esse participasse de mero campeonato mundial de palitinho (ou de cuspe à distância, como queiram).
Já quem assistia os vídeos pela televisão, à cata de minúcias, de virtudes e de defeitos, era o Pedro radialista, o comunicador, o comentarista, o formador de opinião. Ainda assim, nas mesas-redondas que participei temo que não consegui disfarçar a paixão e a parcialidade que sempre tive quando meu País está envolvido. Tanto que no jogo com a Espanha, teimei com todo mundo que Nilton Santos não cometeu pênalti no ponta espanhol (felizmente não marcado), quando a imagem era clara e mostrava o contrário.
Depois da dramática classificação brasileira para as quartas-de-final, minha intuição dizia que ninguém conseguiria nos impedir da conquista do bicampeonato. O adversário seguinte era dos mais qualificados e perigosos. Havíamos empatado com ele quatro anos antes, na Suécia. E perdêramos alguns amistosos.
A Inglaterra, país inventor do futebol, cruzava, mais uma vez, nosso caminho, agora em Viña Del Mar, em 10 de junho de 1962. E nós estávamos sem Pelé. Só que os pessimistas se esqueceram que tínhamos Garrincha, e que na ocasião estava apaixonado, e que decidira “carregar o Brasil nas costas”, na ausência do rei. E como carregou!
Nossa Seleção jogou muito nesse dia e, embora o primeiro tempo terminasse empatado, por 1 a 1, esbanjou categoria e mandou o adversário mais cedo para casa. O Mané da perna torta fez dois gols nesse jogo e deu o terceiro para Vavá fazer.
Novamente, apesar do fantasma das contusões, o Brasil estava entre os quatro melhores do mundo. Mas era pouco para aquela geração vencedora. Queria mais, muito mais. Queria o título da competição, queria o bicampeonato. Mas, para ter a chance de buscá-lo, teria que superar um enorme obstáculo. Vencer o dono da casa, o Chile, em pleno Estádio Nacional de Santiago.
O jogo, disputado perante um público de 77 mil pessoas, foi verdadeira batalha campal, em que se misturaram, de ambas as partes, técnica, raça, garra, força física e boa dose de violência. Mas tínhamos algo que os chilenos não tinham: um Garrincha endiabrado, que só faltava fazer chover.
O Mané fez de tudo nesse dia. Driblou, cruzou, chutou de todos os jeitos, marcou, deu carrinho, bateu faltas, fez o diabo! Até expulso ele foi! Depois de apanhar muito do lateral Rojas, sob o acovardado olhar do peruano Arturo Yamazaki, e de levar uma cusparada do chileno, nosso capitão não se conteve. Partiu para o revide e acertou um pontapé no seu ofensor.
Foi mais cedo para o chuveiro. Mas não importava. Fizera dois gols e participara dos outros dois, marcados por Vavá (sempre ele!). O Brasil havia vencido a batalha de Santiago. Estava, pois, a uma única e solitária vitória da conquista da sua segunda Copa do Mundo consecutiva.
Fiz um poema, na ocasião, para Garrincha, inspirado neste jogo (que tive a oportunidade de publicar em duas oportunidades neste espaço). O anjo da perna torta, pelas atuações marcantes que teve em 1962, mereceria sorte melhor do que a que teve. Mereceria uma estátua? Talvez! Mereceria dar nome a estádios? Sem dúvida. Mas merecia, sobretudo, mais carinho e atenção, para não morrer solitário, triste e na semi-indigência, como morreu, sem a mínima ajuda dos tantos que exploraram os seus feitos e sua imagem e se aproveitaram da sua ingenuidade, de eterno menino, para enriquecer às suas custas.

Wednesday, July 21, 2010




Rubem Braga, o guru de todos os cronistas, tem uma passagem reveladora a respeito da infância. Afirma, em trecho da crônica "O sino de ouro", publicada no livro "A Borboleta Amarela": "...Cada um de nós quando criança tem dentro da alma seu sino de ouro que depois, por nossa culpa e miséria e pecado e corrupção, vai virando ferro e chumbo, vai virando pedra e terra e lama e podridão". É a isso que chamo de perda da inocência. Mas seria ruim essa transformação? Não seria mais seguro, prudente e racional pisar o solo da realidade, enfrentar cara-a-cara os perigos e as frustrações, correr atrás somente do que seja factível, desenvolver nosso potencial até seu real limite, sem extrapolar além das nossas possibilidades? Entendo que sim. Particularmente, amo e valorizo toda a minha vida. Se fosse possível, gostaria de ser eterno, com todos os problemas que essa eternidade viesse eventualmente a trazer.




Início discreto e vitória inesperada

Pedro J. Bondaczuk

O Brasil seguiu para a Copa do Mundo de Chile, em 1962, em meio a um clima que era misto de confiança de pequena parte da imprensa, e de críticas da maioria dos cronistas esportivos. Era aquela história de sempre: Aimoré Moreira não era o técnico ideal para alguns, a não convocação de alguns jogadores descontentou outros e a ida de determinados atletas, tidos como tecnicamente inferiores irritou terceiros. Nada de novo, portanto, em relação a todas as Copas do Mundo que acompanhei, tanto as ganhas quanto, principalmente (óbvio) as perdidas.
Muitos cronistas esportivos apontaram, por exemplo, como “calcanhar de Aquiles” daquela seleção, a idade média dos convocados. Viam nisso grave fator de risco. Diziam que era um grupo “envelhecido”, o que nem era, rigorosamente, verdadeiro. Até hoje se diz isso.
É certo que a base era a mesma que havia triunfado na Suécia e tinha, por conseqüência, quatro anos a mais nas costas. Mas ninguém poderia sequer insinuar que Pelé, no esplendor dos 21 anos, fosse velho. Ou que Coutinho, que mal completara 19, não tivesse gás para correr. Ou que Jair da Costa, ainda garotão, não pudesse suportar um jogo todo. Ou mesmo que Amarildo fosse menos atleta. Como se vê, há pessoas doidinhas por achar “pêlo em ovo” e com a incumbência de formar opinião. Detesto pessimistas e renitentes derrotistas.
A Seleção seguia, também, cercada de superstições de todos os tipos. Como a do Dr. Paulo Machado de Carvalho, por exemplo. O tal terno marrom de 1958, então já bastante famoso, posto que surrado, estava rigorosamente na mala do chefe da nossa delegação, que não deixou de vesti-lo em sequer um único jogo. A conquista do bi só viria reforçar a crença nos poderes “mágicos” de tal traje.
Até o avião que conduziu o grupo ao país andino foi alvo de superstições. Aliás, a bem da verdade, não foi bem a aeronave que foi encarada como fator de sorte, mas seu comandante, Burgner, considerado sortudo, uma espécie de talismã.
Dr. Paulo exigiu que fosse ele o piloto do DC-8 da Varig, na viagem para o Chile, embora ele fosse funcionário de outra empresa, da Panair do Brasil. Mas deu-se um jeitinho. Ninguém queria ser responsabilizado, nem que indiretamente, por eventual fracasso canarinho na Copa. E foi o comandante Burgner que levou o Brasil para o país andino e que o trouxe de volta, vitorioso, com a Jules Rimet na bagagem pela segunda vez.
O Br4asil estreou, discretamente, em 30 de maio de 1962, no Estádio Sausalito, em Viña Del Mar, onde disputaria as três partidas da fase de classificação. Teve pela frente um tradicional “freguês” em Copas do Mundo, o México, a quem havia vencido em outras duas estréias de Mundial. Não fez uma grande exibição. Empatou o primeiro tempo em 0 a 0 e só abriu o marcador aos 11 do segundo, com um gol de Zagallo.
Pelé completou o escore aos 27, fazendo 2 a 0. Foi uma partida sem brilho, é verdade, mas também sem sustos. Em momento algum a nossa Seleção chegou a ser ameaçada pelo adversário. Ganhou naturalmente, sem muito esforço.
Assustados todos ficariam, isso sim, no jogo seguinte, contra a Checoslováquia. Mas não porque os checos exigissem “milagres” do nosso goleiro Gilmar, longe disso, mas porque nossa grande esperança de bicampeonato, o craque cantado e decantado em verso e prosa como o melhor do mundo (que de fato era), Pelé, sofreu uma distensão muscular.
Como naquele tempo não havia substituições durante os jogos, nosso camisa 10 ficou apenas fazendo número na ponta esquerda. Mal podia andar, quanto mais correr atrás da bola e participar de qualquer jogada. Essa contusão seria fatal: tiraria a nossa maior estrela dessa Copa. A partida, disputada em 2 de junho de 1962, terminou como começou. As duas defesas prevaleceram sobre os ataques e o placar ficou, mesmo, no 0 a 0.
O jogo seguinte seria decisivo. O adversário era a Espanha. Se os espanhóis vencessem por 2 a 0, eles é que ficariam com a vaga para as quartas-de-final pelo critério de desempate no saldo de gols. Se isso ocorresse... os brasileiros seriam eliminados logo na primeira fase.
O jogo aconteceu em 6 de junho de 1962, com arbitragem do chileno Sérgio Bustamante. Não sei se foi o terno marrom do Dr. Paulo, ou outro fator qualquer, mas a sorte esteve com a Seleção Brasileira nesse dia e a manteve na Copa. A sorte, a “boa malandragem” de Nilton Santos e uma vacilação da arbitragem, diga-se de passagem.
A Espanha abriu o marcador aos 35 minutos do primeiro tempo. Jogava muito melhor e tudo levava a crer que o segundo gol, que nos mandaria de volta para casa, aconteceria a qualquer momento. Foi quando o “vento” da fortuna começou a soprar a nosso favor.
Nilton Santos derrubou o ponta espanhol, Collar, na grande área: pênalti. Todos esperavam que o árbitro apontasse para a marca da cal. Enquanto Bustamante dava explicações aos espanhóis, que reclamavam em altos brados, o experiente lateral brasileiro deu dois passos à frente e ficou imóvel fora da área. Foi o que bastou para que Bustamante ficasse em dúvida sobre o local exato em que ocorreu a infração. Pelo sim e pelo não, marcou a falta, mas fora do local em que ela havia de fato ocorrido. E sua cobrança não resultou em nada.
O Brasil foi para os vestiários, no intervalo, perdendo e, pior, jogando mal. Os comentaristas defendiam que o time, sem Pelé para desequilibrar, deveria se postar todo na defesa para não levar mais nenhum gol. Se o jogo terminasse daquela forma, a Seleção estaria classificada, mesmo com derrota.
O que ninguém acreditava e muito menos esperava que acontecesse (confesso que duvidava de uma reação brasileira àquela altura), aconteceu, como que num milagre. Aos 27 minutos, o garoto Amarildo empatou o jogo. Agora bastava só segurar o empate nos minutos que restavam.
Os espanhóis vieram para cima. Atacaram, atacaram e atacaram, em vão. Aos 40 minutos do segundo tempo aconteceu o que nem o mais otimista dos otimistas poderia prever: a virada brasileira. E a vitória surgiu dos pés do substituto de Pelé. Sim, foi ele mesmo o herói, Amarildo, “O Possesso”. Foi ali, naquele jogo dramático e aparentemente perdido que o Brasil começou a ganhar o bicampeonato.
Orlando Duarte narra em seu livro um fato revelador sobre o herói desse dia: “Quando Amarildo entrou no time brasileiro para o jogo contra a Espanha, substituindo Pelé, com a camisa 20 (não havia substituições durante os jogos) um jornalista disse-me: ‘Amarildo tem a 20, que vale por duas de 10’. Deu certo, apesar de Pelé ter sido o ganhador do jogo com o México”. Sorte, quase sempre, tem aquele que a merece. E o Brasil mereceu, por tudo o que viria a fazer na sequência.

Tuesday, July 20, 2010




A infância ocupa em nossas lembranças lugar insubstituível. Ganha projeção, adquire destaque, permanece indelével, mesmo que tenha sido amarga, dolorosa e frustrante. Esse comportamento se deve, possivelmente, à fraqueza da memória (embora nem sempre). Todos com que converso falam desse período como de uma era dourada, em que eram "felizes e não sabiam". Do que se tem saudade, porém, não é de fatos e acontecimentos específicos dessa fase, mas de nós mesmos; da inocência perdida, dos sonhos deixados para trás e dos ideais que ficaram pelo caminho. Temos a obrigação de proporcionar às crianças momentos inesquecíveis de felicidade, que elas levarão consigo pelo resto das suas vidas. E a mais gratificante experiência que poderemos lhes proporcionar é a do amor. Mas o poeta Johann Wolfgang Göethe adverte: “Só é possível ensinar a criança a amar, amando-a”. Amemo-la, pois, e sem reservas, sempre!



A boa convocação

Pedro J. Bondaczuk

Uma seleção para ser campeã do mundo não pode ter somente os onze titulares de excelente qualidade, mesmo que todos eles sejam craques que desequilibrem. Precisa contar, também, com reservas à altura e que acrescentem algo de diferente (positivo, claro) à equipe, sempre que solicitados. De preferência, o desejável é que tenham características bem diferentes daqueles a que poderão substituir numa eventualidade, dando o máximo de opções ao treinador.
Foi, todavia, o que, por exemplo, faltou à Seleção convocada por Dunga para a disputa da Copa do Mundo da África do Sul. Todos vimos no que isso deu. Não se pode dizer que o time-base brasileiro seja ruim, longe disso. Mas todas as vezes que o técnico precisou de algum jogador que pudesse mudar o andamento de algum jogo (como Ganso, Neymar, Ronaldinho Gaúcho ou Pato), não o encontrou em seu banco de reservas. Por que? Simplesmente porque não o convocou.
Dunga tratou a Seleção como coisa sua, como assunto particular que não dissesse respeito a mais ninguém se não a ele, como propriedade em que poderia fazer e desfazer sem dar satisfações a quem quer que fosse. Mas a culpa não foi dele. Foi de quem lhe deu tamanha e irrestrita liberdade.
O treinador turrão e disciplinador pregou “comprometimento” dos jogadores, o que não é ruim, se não vier isolado e, convenhamos, isso ele conseguiu. Não se pode acusar um único atleta de haver feito corpo mole nas cinco partidas do Brasil. Todos se esforçaram, mas o que faltou foi o que em várias outras ocasiões sobrava na Seleção Brasileira: futebol.
Em nome do comprometimento, Dunga sacrificou a técnica, levando para a África do Sul jogadores que atravessam más fases em seus clubes, deixando de levar alguns que estão “voando”, mas que não estiveram comprometidos com o treinador, e nem salvaram o seu pescoço nos últimos três anos e meio. Deu no que deu. Novo vexame e uma classificação (6º lugar) pior do que a de 2006 (5º lugar). Por que? Porque nosso comandante cometeu um imperdoável erro estratégico já a partir do instante da convocação.
O mesmo não ocorreu em 1962, com Aimoré Moreira. Convocou os melhores da ocasião, inclusive vários contundidos, mas com esperanças de recuperação a tempo de encararem a Copa. Faço questão de lembrar quais eram os reservas naquela oportunidade, pois eles também foram campeões mundiais, mesmo que esquecidos pela história.
O eventual substituto de Gilmar no gol brasileiro, Carlos Castilho, por exemplo, era experientíssimo em mundiais. Havia sido reserva de Barbosa em 1950, titular em 1954 e novamente reserva em 1958. Quando pendurou as chuteiras, tornou-se um técnico vitorioso, ganhando muitos dólares e títulos, principalmente no exterior.
Nos anos 90, cometeu suicídio, cuja razão ninguém entendeu até hoje, já que perpetrou seu tresloucado ato na véspera do embarque para um país do mundo árabe, que não me lembro qual foi, onde havia assinado um contrato milionário.
Para a lateral direita, Aimoré estava levando, para a reserva de Djalma Santos, Jair Marinho do Fluminense, mais marcador do que o titular, que era melhor no passe. Quanto a Bellini, então no São Paulo, nem é preciso ressaltar suas qualidades técnicas e sua capacidade de liderança.
Entre os quartos-zagueiros, Zózimo, do Bangu, e Jurandir, do tricolor paulista se equivaliam, embora o atleta sãopaulino fosse mais habilidoso. Mas não tanto que o tornasse detentor da titularidade da Seleção.
Missão impossível tinha o lateral esquerdo Altair, do Fluminense, que disputava posição sabem com quem? Com Nilton Santos! Justo com o jogador tão completo que era apelidado de “Enciclopédia do Futebol”! Não tinha, pois (como de fato nunca teve) chance alguma de entrar jogando. Mas era muito bom lateral! Se precisassem dele... Era um marcador implacável.
No meio de campo, o pernambucano Zequinha, do Palmeiras, estava à altura do santista Zito, embora sem a experiência internacional deste. O eventual substituto de Garrincha, Jair da Costa, era uma flecha, ou seja, velocíssimo. Fez carreira no exterior, depois da Copa, atuando pela Internacional de Milão. Foi, a exemplo de Julinho, revelado pela Portuguesa.
Mengálvio só não foi titular de Aimoré porque tinha que competir com Didi. E este, sabem como é, era um gênio na posição. Mas se precisasse entrar jogando não faria a torcida sentir falta alguma do dono daquele setor, do inventor da famosa “folha seca”.
Coutinho, em princípio, era para ser o centroavante titular, fazendo dupla com Pelé, na expectativa de ambos levarem para a Seleção as tais infernais tabelinhas que faziam com a camisa do Santos. Contudo, os dois não puderam jogar, nem juntos e nem separados. O sempre eficiente Vavá, então no Palmeiras, e o novato Amarildo, do Botafogo, mais tarde apelidado de “O Possesso”, formaram a dupla ofensiva e não decepcionaram.
Já os pontas-esquerdas Pepe e Zagallo não tinham nada em comum. A torcida preferia o primeiro. Aimoré, a exemplo do que ocorrera em 1958 com Feola, optava pelo segundo. Pepe (o que é raro num jogador da posição) era artilheiro. Foi o segundo em número de gols feitos com a camisa do Santos (420) em toda a história do clube. Foi superado, apenas, por Pelé. “Mas esse não conta, pois é ET”, diz o simpático e bem-humorado José Macias, ainda hoje, nas deliciosas entrevistas que dá.
Já Zagallo, embora também fizesse seus golzinhos, jogava mais no meio de campo, marcando as saídas de bola adversárias e puxando contra-ataques. A defesa, com isso, ficava melhor guarnecida. Embora jogasse com a camisa 11, portanto, não era propriamente um ponta-esquerda.
Como se vê, Aimoré Moreira não convocou nenhum cabeça de bagre para vestir a amarelinha do Brasil, apenas por comprometimento com o seu trabalho ou com o grupo. Afinal, Seleção não é nenhuma ação entre amigos. Para haver coerência, tem sempre que contar com os melhores. Que fiquem, pois, as lições positivas, de 1962, e também as negativas, de 2010, para 2014, para que o Brasil não repita a “tragédia grega” de 1950.