Sunday, January 17, 2010




Tragédia de Ruanda

Pedro J. Bondaczuk

A África Central serve de palco para a maior tragédia humana já ocorrida no mundo desde a Segunda Guerra Mundial, sob o olhar complacente da comunidade internacional que, salvo raras exceções, pouco ou nada faz para evitar a catástrofe. Referimo-nos à dantesca mortandade que se verifica nos campos de refugiados ruandeses no Zaire, atingidos por uma fulminante epidemia de cólera, que mata uma pessoa por minuto, conforme constataram funcionários da organização de ajuda humanitária "Medicins Sans Frontiérs".

Mas esse não é o drama todo. É a culminância de um processo perverso, que se desenrola há muito, e que se tornou agudo em 1990, com a explosão da guerra civil em Ruanda, pequeno país africano, de 26.338 quilômetros quadrados.

O número total de mortos nesse conflito é impossível de contabilizar. Talvez nunca se possa saber, realmente, quantas pessoas foram vítimas das chacinas étnicas, dos bombardeios indiscriminados e das epidemias que ceifaram seres humanos como moscas, aos milhares de cada vez.

Antes do desfecho da guerra civil, com a vitória da Frente Patriótica, grupo armado da minoria étnica tutsi (15% da população), houve informes sobre massacres horríveis perpetrados pelos dois lados. Milhares de cadáveres apareceram boiando nas águas do Lago Vitória, ao lado de Uganda.

As imagens dantescas, então enviadas ao mundo, chocaram a comunidade internacional, mas não o suficiente para deter essa loucura, essa insanidade, essa coisa hedionda e evitar que as conseqüências fossem maiores do que então já eram.

Findas as batalhas, com a vitória dos rebeldes, milhares de hutus (85% da população) iniciaram uma desesperada fuga, em completo pânico, rumo aos países vizinhos, Burundi, Tanzânia, Uganda e principalmente Zaire, temendo represálias.

Afinal, como ressaltou o correspondente da "Agência Estado" e da "Rádio Jovem Pan" em Paris, Realli Junior, essa foi uma guerra em que nenhum dos dois lados fez prisioneiros, mas apenas cadáveres. Os vencidos foram sumariamente mortos, fossem civis ou militares, crianças ou velhos, homens ou mulheres, sadios, doentes ou feridos.

E agora, para complicar, uma epidemia de cólera grassa nos acampamentos de refugiados no Zaire, que abrigam perto de 2 milhões de ruandeses. Drama como esse nenhum escritor, por mais criativo que fosse, ou mais sádico, poderia engendrar.

A tragédia supera, em muito, o que ocorreu em 1991 com os curdos e os dois anos e meio de guerra civil na Bósnia-Herzegovina. E, como sempre, a ajuda, se vier, será tardia e insuficiente. Edgard Morin tinha ou não tinha razão ao classificar o ser humano de "homo demens", em vez de "homo sapiens"?

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 23 de julho de 1994).

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