Thursday, January 28, 2010




Sempre discreta

Pedro J. Bondaczuk

A felicidade é sempre discreta. Chega-nos de mansinho, silenciosa, quase imperceptível, instala-se em nós sem qualquer alarde e sua discrição é tamanha que só tomamos consciência do quanto éramos felizes (sem que nem ao menos soubéssemos) quando deixamos de sê-lo. Ela é, portanto, rigorosamente o oposto da desgraça. E não apenas nos efeitos, mas na própria maneira de se manifestar. A infelicidade sim é ruidosa, avassaladora, impositiva e, pior, contagiosa.
Há quem confunda a felicidade com a euforia. Esta, porém, é passageira, tão rápida quanto um raio que corta o céu em noite tempestuosa. Esgota todo seu combustível em brevíssimo instante e, quando se esvai, deixa-nos uma sensação de vazio, de insatisfação, de frustração.
A felicidade pode ser contínua, posto que discreta, ou “picotada”, ou seja, caracterizada por momentos de variável duração. Uma mesma pessoa, por exemplo, pode sentir-se feliz no início do dia e não mais experimentar essa mesma sensação ao seu término. Isso, caso se deixe levar pelas circunstâncias negativas do cotidiano, que vivem a nos espreitar e nos atingem sem qualquer aviso, à traição.
Há os que nunca se sentem infelizes. São os que têm desejos mínimos, somente do tamanho do que podem alcançar, e que sabem valorizar o que têm de bom e o que de positivo e de agradável lhes acontece a cada momento.
Em contrapartida, há os que sempre se sentem “sacaneados” pela vida, julgando-se injustiçados pelos que os rodeiam, pelos conhecidos e desconhecidos, pelo mundo, pelo universo, pelas potesdades enfim. Esse tipo de sentimento é uma espécie de tranca na porta da alma, impossível de ser arrombada ou aberta por meios normais. E a felicidade, dessa forma, passa batida de quem cultiva esse sentimento, pelo simples fato de não ter a entrada franqueada.
Já escrevi, inúmeras vezes, e faço questão de reiterar quantas vezes se fizer necessário, que a felicidade não é algo concreto, visível, palpável, mas um estado de espírito, uma predisposição favorável, um sentimento difuso e de difícil identificação. Não depende de pessoas, da posse de coisas e nem de nada externo. Só seremos felizes se nos sentirmos assim.
Dependesse de coisas, os multimilionários seriam proprietários cativos da felicidade. Deteriam seu perpétuo monopólio. Ninguém os superaria nesse mister. Todavia... o que se observa, é que raros dos afortunados se consideram minimamente felizes. E não o são.
Dependesse, por outro lado, de pessoas, não haveria tantos amores infelizes, inspirando poemas e mais poemas de suma tristeza, canções e mais canções de dor-de-cotovelo e tantos contos, romances e novelas lacrimosos. Não é nesses píeres tão frágeis que você pode amarrar a barca da sua felicidade e impedir que ela seja levada pelas correntezas dos acontecimentos ou pelas marés das circunstâncias.
Face à minha realidade pessoal, sinto-me uma pessoa feliz. Não o tempo todo, evidentemente, já que, como todo mundo, não estou a salvo de chateações e aborrecimentos de toda a sorte e tamanho. Mas sinto-me dessa forma na maior parte do tempo, o que não deixa de ser um ganho e um privilégio.
Sinto-me feliz, por exemplo, quando consigo redigir um texto exatamente como o planejei, sem me preocupar com o que os leitores irão achar dele. O que conta é a minha satisfação pessoal. É a certeza de que dei o melhor de mim e me saí bem.
Sinto-me feliz com o sorriso da minha amada e com o brilho em seu olhar, que reflete sua correspondência ao amor que lhe dedico. Isso, para mim, não tem preço e a vida me proporciona essa satisfação absolutamente de graça. Sinto-me feliz com o sucesso dos filhos e com a certeza de que cumpri bem meu papel em transmitir-lhes princípios essenciais para um bom relacionamento. A sensação de dever cumprido é uma das mais fartas fontes de felicidade.
Sinto-me feliz com a alegria inocente dos meus netos. Com meu jardim florido, com as plantas retribuindo-me os cuidados que lhes dedico. Com o nascer e o findar de um novo dia, cuja “travessia” empreendi com saúde e segurança. Com o fato de existir, estar vivo, ser útil e ter o que considero suficiente para uma vida digna, posto que sóbria, senão “espartana”.
É um sentimento sereno, discreto, quase imperceptível, mas permanentemente presente através de dias, semanas e anos a fio. Afinal, como Aldous Huxley constatou, em seu livro “Contraponto”: A felicidade nunca é grandiosa”. Jamais esperei que o fosse!







1 comment:

Heidi said...

Não podia estar mais de acordo! A felecidade é discreta.
Quem faz muita publicidade sobre o facto de ser feliz, se calhar quer convencer alguém..