Monday, January 11, 2010




A fonte da criação

Pedro J. Bondaczuk

A criação seja lá do que for (concreto ou abstrato, não importa) tem alguma fonte, algum ponto de origem, algo que nos impulsione a concretizá-la? Entendo que sim. E qual seria essa origem, essa varinha mágica que nos dê essa possibilidade? Respondo: a imaginação.
Claro que apenas ela não basta. Trata-se de mero “start”, de largada, de tiro de partida para uma corrida que pode ser curta ou longa, dependendo do que imaginarmos. Além do que, há uma série de condições para que se crie o que foi imaginado.
A primeira é que seja factível. Podemos imaginar algo que extrapole, em muito, nossas forças e nossa capacidade e se isso ocorrer, tudo se limitará, somente, à mera imaginação e nada mais. Se agir dessa maneira, ou seja, se imaginar o irrealizável, você pode ser até o sujeito mais criativo da face da Terra que não conseguirá a façanha de tornar o imaginado concreto. Essa imaginação ultrapassará a sua real capacidade.
Outra condição para as coisas darem certo é contar com os meios necessários para concretizar o que for imaginado. Se não contarmos com eles, nada feito. Afinal, nada surge do nada, num piscar de olhos, à simples enunciação, por exemplo, de palavras mágicas, como “abracadabra”. Não é assim que as coisas funcionam na vida real.
Uma terceira condição para criar o imaginado é desejar esse objeto. Não me refiro, porém, àquele desejo difuso, abstrato, na base do “tanto faz se conseguir ou não”. Temos que querer obsessivamente e, além disso, lutar com todas nossas forças e capacidade pelo que queremos. Para tanto, são necessárias diversas virtudes, como competência, preparo, informação, disciplina, empenho e vai por aí afora.
Quando criança, lá por volta dos meus cinco anos de idade, não sei explicar por qual razão, imaginei que era escritor. Achava bonito um sujeito alinhavar letras numa página em branco, formando palavras, sentenças, períodos, capítulos, livros enfim, preenchendo todo um volume. Não tinha, claro, na ocasião, noção da necessidade de conteúdo no que escrevesse. Imaginava que escrevendo qualquer coisa que me viesse na veneta, por mais estapafúrdia que fosse, faria de mim um escritor.
Em minha imaginação, eu me via escrevendo livros e mais livros. Visualizava livrarias repletas de volumes produzidos por mim e multidões disputando a tapa o que havia escrito. Era um sonho recorrente, ao qual, volta e meia, eu retornava.
Claro que, como toda criança, eu imaginava várias outras atividades que exerceria quando crescesse. Houve tempo, por exemplo, que gostaria de ser músico, executar algum complexo instrumento (era fascinado, talvez pelo seu tamanho, pelo contrabaixo). Via-me integrando alguma orquestra e o público delirando com minhas execuções.
Volúvel, como todo menino daquela idade, logo passei a imaginar que era um cientista. Via-me cercado por tubos de ensaio, por cadinhos e pipetas, por um bico de Bunsen e observando, ao microscópio, o que era impossível ver a olho nu. Nessa fase, achava que viria a me tornar benfeitor da humanidade e descobrir a cura de alguma das tantas doenças ainda incuráveis, o câncer, por exemplo. Essa fase durou mais, bem mais do que a de músico.
Embora alternando carreiras, sempre voltava a me imaginar escritor, ou isoladamente, ou em dobradinha com outras atividades. A esta altura, já aprendera a ler e passava horas e mais horas com livros nas mãos, causando alarme em meus pais, que me queriam ver brincando e correndo como as demais crianças da minha idade.
Da leitura para a elaboração dos primeiros textos, foi um pulo. A princípio, eram versinhos ingênuos, com as rimas mais óbvias que poderiam existir, sem preocupação, nem mesmo, com o conteúdo. Sentia, após perpetrar algumas quadrinhas piegas, um Drummond, um Quintana ou mesmo um Vinícius de Moraes.
É verdade que voltei a ser infiel – e muitas vezes, por sinal – com o que era minha verdadeira vocação, embora não me desse conta de tanta infidelidade. Ao iniciar, por exemplo, o então curso científico, eu queria porque queria ser médico. Fiz cursinho, prestei três vestibulares para Medicina, rodei nos dois primeiros e, finalmente, fui bem-sucedido na terceira tentativa. Na faculdade, porém, descobri que essa não era “a minha praia”.
Voltei-me para o jornalismo. Adotei-o como profissão. Afinal, era uma atividade bastante próxima da que imaginara aos cinco anos, imaginação que já se transformara em desejo, sem que sequer me apercebesse. Fiz carreira como jornalista. Sustentei-me e sustentei a família com ele. Mas lá no fundo do subconsciente, incomodando, incomodando e incomodando, restava uma pontinha de frustração. “Isso é bem próximo do que sempre quis, mas não é exatamente o que quero de verdade”.
Foi somente beirando os sessenta anos que resgatei o verdadeiro desejo, fruto da imaginação infantil. Avaliei, então, minhas possibilidades de concretizar meu sonho recorrente e descobri que eram, se não totais, bastante razoáveis.
Dispus-me, pois, a escrever meu primeiro livro, até como uma espécie de teste da minha aptidão. Para minha surpresa, quando me dei conta, a primeira, de tantas obras que viriam na seqüência, estava prontinha. Daí para sua publicação foi só mais um passo.
Quando me dei conta... havia “criado” o que mais queria, do fundo da alma, sem admitir, contudo que o quisesse com tamanha intensidade ou sequer seriedade. Recorde-se, porém, que este querer teve origem em algo tão abstrato, volúvel e frágil quanto a imaginação infantil. E, por persistir nessa obsessão...: afinal, era escritor!!!






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