Friday, January 15, 2010




O que dizer?

Pedro J. Bondaczuk

Há momentos em que até o profissional da palavra – seja radialista, jornalista ou escritor – fica sem ter o que dizer diante de determinadas tragédias. É o meu caso (que exerço, simultaneamente, as três funções) e, no entanto... não consigo expressar, com mínimo de racionalidade, o que estou sentindo agora em relação à catástrofe que se abateu sobre o Haiti, disparado o país mais pobre das Américas e entre os três primeiros no lamentável ranking mundial da miséria.
O terremoto de 7 graus na Escala Richter que sacudiu essa pequena, populosa e paupérrima república insular (divide a Ilha Hispaniola com a República Dominicana), na tarde da terça-feira, pode ter matado de cem mil a um milhão de pessoas. Por enquanto, tudo por lá é confuso, traumático e aterrador.
A infraestrutura haitiana, de per si sumamente precária, foi reduzida (literalmente) a pó. Se até o palácio do governo em Porto Príncipe ruiu, imaginem os barracos mambembes da cidade (a maioria das habitações). Milhares de pessoas permanecem presas sob os escombros e isso só na capital. Imaginem no interior. Ali, creio, as equipes de resgate sequer ainda chegaram. O país está sem comida, sem água, sem eletricidade (a não ser a dos geradores) e, ao que tudo indica, sem esperanças.
A ajuda internacional, é verdade, começa a chegar. Centenas de pessoas de boa vontade se mobilizam para atuarem como voluntárias. Dezenas de governos já prometeram ajuda (desconfio que, apenas, por se tratar de decisão politicamente correta, mas não importa, o que conta é o socorro a um país destroçado, ferido, atônito e aturdido).
Para aumentar ainda mais minha desolação e tristeza, diversos brasileiros foram afetados. Ainda não se sabe o número exato de conterrâneos mortos. Mas sabe-se que nosso País perdeu, nessa ilha paupérrima das Antilhas, uma de suas “joias” mais preciosas e raras.
Perdeu figura ímpar, que conseguiu a dificílima façanha de reunir em torno de si um raro consenso de aprovação. Refiro-me à médica pediatra Dra. Zilda Arns, soterrada em uma igreja de Porto Príncipe, quando proferia palestra sobre cuidados que se deve ter para reduzir a mortalidade infantil.
Esta arauta da vida, responsável por toda uma geração de brasileiros estar viva e saudável hoje, graças aos seus métodos de cuidar de crianças subnutridas e em risco, acabou colhida pela morte em sua trincheira. Mas não de armas nas mãos para matar semelhantes. Morreu, isto sim, na luta pela sobrevivência das pessoas frágeis, que só seres humanos especialíssimos, que denomino de “gigantes da espécie”, sabem e costumam empreender (e empreendem), de forma desinteressada e altruísta. Que grande perda para o Brasil! Que imensa perda para o mundo! Que irreparável perda para a humanidade!
Há quem diga, com arrogância e empáfia, sem sequer refletir no que diz: “ninguém é insubstituível”. Em boa parte dos casos, sim. Ninguém é mesmo. Mas neste, impõe-se a exceção e a generalização se torna ridícula. Gostaria, apenas, que estes metidos a sabe-tudo dissessem: quem irá substituir a Dra. Zilda Arns? Serão eles? Serão seus parentes? Serão seus amigos? Digam quem a substituirá?
Em relação a esta brasileira – única pessoa do País a há ser indicada para o Prêmio Nobel da Paz (não ganhou porque a atribuição dessa premiação é nitidamente política e não humanitária) – cabe, a caráter, esta citação de Bertholt Brecht, devidamente adaptada: “Há pessoas que lutam um dia e são boas; há outras que lutam um ano e são melhores; há as que lutam muitos anos e são muito boas; mas há as que lutam toda a vida e estas são imprescindíveis”.
É nestas horas que me rebelo contra o tempo e a decrepitude. Gostaria de ter o vigor e o idealismo dos dezoito anos. Certamente me ofereceria como voluntário para tentar, de alguma maneira, ajudar os milhões de haitianos, que lutam agora, desesperadamente, e mais do que nunca, pela sobrevivência.
Este país, agora castigado pela mãe natureza, vem sendo ferido há quase dois séculos pelo homem. Como a comunidade internacional deixou que mergulhasse tão fundo no abismo da miséria e da ignorância, assistindo o drama haitiano como se esse não passasse de mero espetáculo teatral?
Como permitiu que tiranos sanguinários, que ditadores cínicos, caricatos e oportunistas, se aproveitassem tanto tempo desse humilde e indefeso povo? Basta que se recorde a sucessão de atrocidades cometidas pela polícia secreta de François Duvalier (Papa Doc) e de seu rebento, Jean Claude Duvalier (Baby Doc), os temidos “Tonton Macoutes”. Chego, pois, à mesma conclusão que um repórter de televisão (não me lembro qual e de qual emissora), que disse, no encerramento da sua matéria, ontem, sobre o Haiti: “os homens são mais perversos do que a natureza em ferir outros homens”. E não são? Mas continuo sem ter o que dizer a propósito desse drama.

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