Thursday, January 21, 2010




Doentes de presunção

Pedro J. Bondaczuk


O advento e a evolução dos meios de comunicação de massa – e isso não é novidade para ninguém – se constituem, possivelmente, na maior revolução do século passado. Talvez seja, no final das contas, a única genuína. As demais...Bem, deixa pra lá! Este fantástico aparato comunicativo à disposição do homem moderno "virou o mundo pelo avesso".
Para as ondas de rádio, acessos à internet e imagens de televisão, por exemplo, não existem fronteiras. Essa possibilidade de falar instantaneamente com qualquer parte do Planeta e de emitir e receber textos e imagens, em um pequeno aparelho celular, (alguns do tamanho de um reles maço de cigarros), por exemplo, tornou mais difícil (mas, não impossível, infelizmente) a tarefa dos tiranos, dos ditadores de todos os tipos, dos charlatães que vendem a felicidade (ou a segurança, como no caso de George W. Bush) em pílulas. Daí terem sido reduzidas, em especial a partir dos anos 80, as ditaduras por todas as partes, mormente na América Latina.
Claro que esse não foi o único fator para o advento da democracia (ou de um arremedo dela, convenhamos) em Estados tradicionalmente fechados e com feudalismo disfarçado – em algumas partes, ainda muito incipiente e carregada dos vícios do caudilhismo –, havendo outros interesses em jogo, cuja menção não cabe aqui, já que o tema de que queremos tratar não é exatamente este. Apesar de todos os benefícios que a suposta era da informação total trouxe à humanidade, não posso deixar de dar razão ao desabafo do escritor norte-americano Daniel Robert, que diz: "A comunicação está doente de presunção".
Não se pode confundir jamais o meio com a mensagem. Os veículos à disposição dos povos são, de fato, revolucionários. O teor daquilo que transmitem é que merece reparos e contestações (como, aliás, inúmeros colegas demonstraram, fartamente, em artigos e comentários publicados aqui no Comunique-se). Quem utiliza esses meios de comunicação quase nunca está preparado para falar com um público tão amplo, como o que eles atingem, e sobre assuntos tão variados, envolvendo, praticamente, a totalidade do conhecimento. Claro que, como toda a regra, esta também comporta exceções. Contudo, infelizmente, não tantas quantas seriam desejáveis.
Muitos profissionais de primeira linha foram literalmente banidos das redações, a pretexto de estarem “desatualizados” no que diz respeito à apuração, hierarquização e forma de redigir as matérias. Balela. Parte considerável dos empresários de comunicação acha que juventude e genialidade são sinônimas. Nada mais estúpido e falso do que isso! O fator experiência vem sendo tolamente desprezado, em nome de um pretenso (e vazio) “modernismo”. Quem perde, claro, é o leitor (ou telespectador, ou ouvinte, ou usuário da internet).
Pegue o leitor um jornal (longe de ser o veículo mais popular e mais ágil, pelo contrário), qualquer um deles, seja de que tendência ideológica for. Leia um editorial a esmo, ou um dos artigos publicados. Leu? Deu para notar o tom arrogante, presunçoso, com ares de "dono da verdade" com que o tema escolhido por eles foi abordado pela maioria? Não se deixou, sequer, o mínimo espaço para o contraditório e nem para a dúvida. O tom, invariavelmente, é dogmático, prepotente e impositivo. “É assim, ou assado, e isso não comporta discussões”, parecem dizer nas entrelinhas.
Contudo, qual o preparo desses "fazedores de cabeças" para tentar modificar uma realidade cujo alcance não atinam? Nem sempre (ou quase nunca) o que parece de fato é. E não é apenas na área opinativa que jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão esbanjam presunção. Esse comportamento, frise-se, deve ser creditado (ou debitado?) aos responsáveis pela determinação das respectivas políticas editoriais. Os outros? Submetem-se, é claro! Afinal, quem pode, manda, e quem tem juízo, obedece. Esse pessoal, de forma arrogante, ainda acredita nessa besteira, tão difundida por aí, de que a imprensa é o Quarto Poder.
Outro escritor norte-americano, Josh Billings, fez uma observação pertinente, sobre um comportamento que todos já notamos, embora poucos tenham coragem, ou espaço nos meios de comunicação, para expressar. Afirma: "Existem pessoas tão afeitas ao exagero que não sabem dizer a verdade sem mentir". A verdade incompleta, ou a meia-verdade, destaque-se, são piores do que a mentira explícita, já que convencem com maior facilidade, dada sua verossimilhança.
Estaríamos aptos a interpretar os fatos dos quais tomamos conhecimento, a julgar as ações das pessoas que nos rodeiam, a afirmar que sabemos exatamente como é tudo o que nos cerca com neutralidade e isenção? Duvido! Somos frutos da educação que recebemos e das tendências que trazemos do berço e que nos acompanham pela vida afora. Ninguém tem a garantia de que a sua formação foi impecável, sem falhas, sem lacunas ou sem distorções. Somos homens do nosso tempo, influenciados por idéias alheias, com a cabeça repleta de conceitos, preceitos e preconceitos.
O professor norte-americano Stephen Greenblatt observou, em artigo publicado na imprensa do seu país em 1991: "Nossas palavras estão cheias de vestígios que sequer compreendemos completamente quando falamos de vozes que existiram no passado e silenciaram, estão mortas. Nossas vidas estão cheias das presenças fantasmagóricas de nossos ancestrais, de nossos pais, de nossos avós, das figuras que nos tocam e em relação às quais tentamos nos situar".
Nós, que temos a responsabilidade de decisão nos meios de comunicação – me incluo nesse meio, é claro, por ser profissional de imprensa e, sobretudo, editor – fornecemos ao público, do alto da nossa presunção, salvo raras exceções (impossíveis de distinguir da regra), "versões" em vez de "informações". Parodiando Antônio Vieira, "amamos vidros, cuidando que sejam diamantes". Não podemos nunca nos acomodar e achar que somos auto-suficientes, oniscientes, donos da verdade e/ou paladinos da justiça.
O açodamento para conseguir “furos” de reportagem, sem a devida checagem dos fatos e sem que se ouça “a outra parte”, tem feito estragos enormes. Querem um exemplo? O óbvio, o caso da Escola de Base, cujos proprietários sofreram verdadeiro “linchamento” moral sem que tivessem a mínima culpa daquilo de que foram acusados. Ao cabo das investigações, comprovou-se serem absolutamente falsas as acusações de abuso sexual a um garotinho de apenas quatro anos de idade, feitas aos dois docentes pelos pais do menino.
A denúncia (que não procedia) mereceu manchetes escancaradas, imensas, enormes, escandalosas. O desmentido...Saiu em pé de página, na maioria dos jornais que haviam feito tamanho estardalhaço em torno do assunto antes, muito antes dos fatos terem sido devidamente apurados pela polícia. O casal nunca se recuperou desse episódio. A imprensa (reitero, com exceções), arrogou-se, naquela oportunidade (e em muitos outros casos de menor repercussão) ao simultâneo papel de promotora, juiz e carrasco dos indefesos docentes, o que, convenhamos, não é e jamais deve ser o seu papel.
Nossa reflexão, reciclagem de métodos de colheita e transmissão de notícias e evolução mental e intelectual devem ser, pois, permanentes, mensais, diárias, horárias se possível. Todo o cuidado é pouco antes de expor a reputação de alguém ao repúdio público. O jornalismo existe não para isso! Afinal, o jornalista é uma pessoa como outra qualquer, sujeito a erros e paixões, que escreve sobre gente, para semelhantes lerem. Umberto Eco indaga: "É possível abstrairmos nossa condição de intérpretes, historicamente situados, e vermos a obra como um cristal?" Na teoria, sim. Na prática...Tenho minhas dúvidas!
Para tanto, seria preciso desenvolver e exercitar a cada instante da vida um aguçado espírito crítico, principalmente a autocrítica. Devemos adotar, no exercício da nossa atividade, o comportamento científico de não aceitar nenhuma idéia ou conceito “a priori”, sem questionamentos prévios, deixando sempre um saudável espaço para a dúvida. Isto tem que ser norma absoluta e imprescritível! Deve ser regra de ouro de conduta, nunca exceção. Porquanto, como observou Manuel Bandeira (e os poetas têm uma percepção mais clara da realidade pela sua própria condição), "somos duplamente prisioneiros: de nós mesmos e do tempo em que vivemos". Deixemos, portanto, de presunção!!!!

No comments: