Tuesday, January 19, 2010




Crise de criatividade

Pedro J. Bondaczuk

As crises, dependendo da maneira como as encaramos, podem tanto nos fortalecer, quanto nos destruir. Todos passamos, em alguma fase de nossas vidas, por esses momentos de perigo, em que tudo o que somos, temos ou fazemos fica ameaçado. Tais situações tendem inicialmente a fazer soar, no fundo do nosso cérebro, um discreto sinal de alarme, seguido da predisposição para lutar ou correr.
Subitamente, o medo toma conta de nós. E se não soubermos controlar esse sentimento, logo ele se transforma em pânico. Se atendermos ao apelo do instinto e corrermos, certamente jamais voltaremos a "nos encontrar". Passada a fase do risco, virá o arrependimento por havermos sido pusilânimes. Dependendo da forma e do que fugirmos, nunca mais haveremos de recuperar a auto-estima.
Por outro lado, lutar simplesmente, mas sem método, cegamente, é sintoma de desespero, uma das formas de covardia. Costumo repetir para mim mesmo, ou para auditórios lotados quando de minhas palestras, a citação de John Kennedy, talvez tomada de empréstimo de alguém (de seu assessor de imprensa ou algo que o valha), que diz: "Grafada em chinês, a palavra crise é formada por dois ideogramas: um significa perigo e o outro, oportunidade".
Mesmo que custemos a acreditar, é nos momentos críticos, enfrentados com disciplina, coragem e método, que nos engrandecemos. Trata-se de uma luta solitária, onde a ajuda alheia pouco conta. Na maioria das vezes – quando conseguimos esse "reforço" – ele mais atrapalha do que auxilia. Se a crise é de criatividade, como artistas, escritores e (por que não?), jornalistas enfrentam em suas atividades, aí é que os outros não podem fazer nada mesmo.
Enfrentei, ao longo da minha já longa carreira, várias situações desse tipo. A mente, via de regra ágil e cheia de idéias criativas, parecia entorpecida nessas ocasiões. Até textos corriqueiros, que exigem apenas técnica, por serem praticamente mecânicos, custavam a sair. Sentia soar, de maneira estridente, a campainha indicando alarme bem no fundo do cérebro. Seria estresse? Às vezes era. Mas, e se não fosse?
Meu medo nunca se transformou em pânico, mas esteve, em determinadas oportunidades, bastante próximo disso. A angústia era enorme, mas precisava ser disfarçada, para sustentar a imagem de "durão" que criei. A mínima manifestação de fraqueza iria aterrorizar meus filhos, que sempre viram em mim o pilar da família. Insensatamente, assumi esse estereótipo, que sempre tive dificuldades em manter.
Tentava escrever um poema e saíam apenas símbolos sem nexo, como se se tratasse de conversa de doido. Os contos que escrevia então tinham que ser reescritos dezenas de vezes, com resultados desastrosos. Rasguei a maioria dos originais produzidos nessas épocas de crise.
As crônicas perdiam a fluência e ficavam descaracterizadas, pela ausência do indispensável humor. Até textos jornalísticos, balizados pelos "leads", saíam pesados, insossos, sem graça, ou, pelo menos assim me parecia. Tudo o que falava, mesmo na conversa mais informal, me soava como algo idiota. Será que “desaprendi” tudo, principalmente de raciocinar e verbalizar o raciocínio?, me indagava, perplexo, quando passava por esses momentos de ofuscação mental. Não há jornalista, escritor ou quem precisa de criatividade no que faz (e quem não precisa?), que nunca tenha passado por isso.
Meu consolo era que se tratava de situação passageira e que não era a primeira e nem seria a última vez que isso me ocorreria. E não era mesmo! Trago isso à baila por ter absoluta certeza de que muitos colegas passam, ou já passaram, ou ainda vão passar, por fases semelhantes. Artistas, muito melhores do que eu, enfrentaram (e superaram) crises de criatividade antes de elaborar suas obras definitivas, aquelas que os consagraram. Repórteres magníficos também já experimentaram essa espécie de pane mental, mas deram a volta por cima.
Era a certeza de que, mesmo andando na corda-bamba (eram o meu nome e o prestígio que conquistei a tão duras penas que estavam em jogo) iria superar esses momentos críticos e emergir enriquecido, que me levava a insistir, a ler ainda mais e a praticar, exaustiva e incansavelmente, todo o tipo de texto, embora a maioria fosse “deletada”, tão logo concluída, da memória do computador. E, felizmente, sempre me safei dessas situações. E, certamente, mais humilde e mais cônscio das minhas fraquezas e das lacunas culturais que tenho na minha formação.
William Faulkner fez uma observação, que li por acaso hoje, que vem bem a calhar para crises dessa espécie. Diz: "O fracasso faz bem à gente. Se somos bem sucedidos durante muito tempo, alguma coisa morre, seca e sucumbimos sob nosso próprio peso, como aconteceu a tantos impérios e dinastias". Sei, por experiência própria, que o romancista está coberto de razão!
O sucesso (ou o que entendemos como tal) nos submete ao risco, sobretudo, daquilo que popularmente se chama de "máscara". Julgamo-nos, quando isso acontece, auto-suficientes, e passamos a não dar ouvidos às críticas, que encaramos como "mesquinhas agressões", quando de fato não são. A partir do momento em que passamos a agir dessa forma, resvalamos, fatalmente, para o ridículo e a anulação.
O sucesso deve vir naturalmente, como decorrência de um talento autêntico e de um trabalho bem elaborado. Se não vier...paciência. Pelo menos teremos tentado. Meu consolo é o de que estas cíclicas crises que atravessei – e, certamente, as que ainda virão – sempre foram e provavelmente serão maiúsculas oportunidade que tive e terei para amadurecer. Determinação para transformá-las nisso nunca faltou e, espero, jamais virá a faltar!

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