Sunday, January 03, 2010




Cargo espinhoso, mas de grande procura

Pedro J. Bondaczuk


O vencedor das eleições de hoje, na República Dominicana, irá assumir, junto com a presidência, uma soma de problemas capaz de transtornar qualquer mortal. Eles são de tal dimensão, que levaram um presidente, Antônio Guzman, ao suicídio, em 4 de julho de 1982. Inflação elevada, brutal dose de recessão, desemprego e subemprego atingindo a cifra assustadora de 59% de toda a mão de obra do país e queda acentuada nos principais produtos de exportação dominicanos, compõem os pratos especiais desse "indigesto cardápio". Apesar de tudo isso, seis políticos ainda mostraram disposição para postular esse espinhoso cargo.

O pleito vai opor, além de dois tradicionais adversários, também dois ex-aliados. No primeiro caso, estarão competindo, palmo a palmo, urna a urna, pelos preciosos votos, os ex-presidentes Joaquin Balaguer e Juan Bosch.

O primeiro, governou a República Dominicana por 12 anos, desde a intervenção que o país sofreu, por parte da Força Interamericana de Paz (da qual o Brasil fez parte). Quando seu candidato perdeu as eleições de 16 de maio de 1978, chegou a ensaiar um golpe de Estado, alegando fraude na votação. As Forças Armadas movimentaram-se nesse sentido, mas uma advertência do então presidente norte-americano, Jimmy Carter, devolveu Balaguer à razão. Embora a contragosto, admitiu a vitória da Antônio Guzman, na oportunidade, e deu posse ao sucessor. Antes não desse.

Juan Bosch, um marxista confesso, nem chegou a esquentar a cadeira presidencial em 1963. Governou o país, recém saído da ditadura de Leônidas Trujillo (de 31 anos de duração) somente sete meses. Frise-se que sua eleição foi a primeira livre que ocorreu na República Dominicana desde 1914. Bosch foi derrubado pelos militares e esse golpe deu origem à guerra civil de 1965 e à posterior intervenção estrangeira.

Os dois ex-aliados que estão hoje em campos opostos são o atual vice-presidente, Jacobo Majluta e o próprio Balaguer. Para o pleito de 1982, este último indicou o primeiro para ser seu candidato presidencial. Não obteve sucesso, pois ele foi repudiado pelo partido. Acabou indicado para ser o vice.

Majluta chegou, inclusive, a assumir a presidência dominicana por um mês, quando do suicídio de Guzman, até a posse de Salvador Jorge Blanco, que havia vencido o pleito de 16 de maio daquele ano, no qual ele também havia saído vitorioso pela segunda vez.

Hoje os dois estão em campos opostos e parece que o pupilo leva nítida vantagem sobre o mestre. Isso, pelo menos, é o que indicam as pesquisas de opinião mais confiáveis. Majluta revela-se mais simpático ao eleitorado e tem a seu favor 25 anos a menos de idade do que o seu ex-protetor.

A República Dominicana vem vivendo um período muito atribulado, especialmente desde 1984, quando o atual presidente recorreu ao Fundo Monetário Internacional e aceitou a sua "fórmula mágica". Procedeu à maxidesvalorização do peso dominicano, elevou os preços dos combustíveis e dos gêneros alimentícios em 200% e achatou os salários, bem de acordo com o figurino recessionista do FMI.

Conseguiu, com isso, apenas despertar a ira popular. Durante o mês de abril daquele ano, San Domingos e as principais cidades dessa porção da Ilha Hispaniola (que esse país divide com o Haiti) protagonizaram sangrentos distúrbios, que deixaram, em seu final, 59 mortos, 20 feridos, mais de 4 mil presos e prejuízos materiais quase tão elevados quanto os causados pelo furacão David, em 1979, que foram de US$ 1 bilhão.

Aliás, desde a ocorrência dessa devastadora tormenta, a economia dominicana jamais se aprumou. E a dívida externa nacional continua crescendo, ultrapassado, atualmente, os US$ 3,5 bilhões.

Com todas essas desvantagens, seis políticos querem passar para a história como um dos raros que conseguiram presidir esse violento e problemático país mediante a escolha do povo. Não têm varinhas de condão, não tiram coelhos da cartola e nem fazem milagres, embora apregoem, compreensivelmente, isso nos palanques. A qual deles caberá o desafio de tentar essa inglória tarefa de pôr ordem na casa? A voz soberana do eleitor é que irá dizer isso hoje. E "vox populi, vox Dei".

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 16 de maio de 1986)

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