Sunday, January 31, 2010




A maior parte do meu sofrimento advém das aflições alheias. É proveniente da miséria, da violência, da exclusão social e da desagregação familiar de centenas de pessoas ao meu redor, de milhares um pouco mais distantes, de milhões por todo o País e de bilhões através do mundo. Não se trata de querer parecer "bonzinho". É uma questão de berço, de formação, de educação para a solidariedade. Não são minhas dores físicas, felizmente raras, que me incomodam. Não são minhas carências financeiras, não tão agudas, que preocupam. Não são meus desacertos emocionais que me tiram o sono. São os sofrimentos alheios que me consomem a alegria e o otimismo. O pior nessa história é a impotência em ajudar esses outros que sofrem, dada a sua enorme quantidade. Qualquer ação nesse sentido que eu tome desaparece, se torna irrisória e invisível, é uma ínfima gota de água num oceano de carências.



A Saúde enferma

Pedro J. Bondaczuk

O sistema de saúde pública no Brasil está muito “doente”. Padece de uma série de moléstias, entre as quais a falta de dinheiro, o subaproveitamento das escassas verbas existentes e a inexistência de uma política consistente, que priorize a prevenção, para não precisar remediar os males orgânicos dos brasileiros. Tudo isso tendo como pano de fundo trágico a corrupção e as falcatruas que se registraram durante anos no extinto Inamps, cujos autores ou ficaram impunes ou, quando presos, puderam contar com privilégios e regalias que não mereciam.
Como conseqüência, a população assiste, estarrecida, a cenas dignas de filmes de terror. Hospitais fecham quase que diariamente por todo o País por falta de recursos. Outros, desativam unidades inteiras na tentativa de sobreviver.
As instituições públicas lembram muito as descrições existentes das “casas de saúde” (ou seriam de doenças?) medievais. Centenas de pessoas espalham-se em macas, nos corredores, vítimas de uma guerra que o Brasil está perdendo: contra a miséria que assola o povo. E tudo isso ocorre numa época em que os brasileiros, empobrecidos por uma crise interminável, ditada, sobretudo, pela incompetência e pelo cinismo dos eternos “salvadores da pátria”, mais precisam de assistência médica.
É lamentável! Não se pode deixar de reiterar, pela milionésima vez, a advertência do economista escocês, Adam Smith: “Não existe país forte com povo fraco”. A situação da saúde pública é tão dramática, que o próprio ministro Jamil Haddad veio a público, em cadeia de rádio e de televisão, para apelar aos empresários que estão deixando de recolher a Cofins (antigo PIS), ou que sustentam demandas na Justiça acerca da inconstitucionalidade desse tributo, que o recolham.
O imposto é a principal (quando não única) fonte de recursos para esse importante setor cujo colapso afeta, de uma maneira ou de outra, todos, indistintamente. É imprescindível, neste período em que se fala tanto em reforma das estruturas do Estado e em modernização, que se tenha (e sobretudo se coloque em prática) uma política sanitária consistente, lógica, honesta e que não sofra solução de continuidade.
O senador Roberto Campos constatou que “o governo brasileiro tem postos de gasolina de mais e postos de saúde de menos”. E não somente isso. Possui tantas outras coisas supérfluas e perniciosas em demasia. Porém, deixa de lado as tarefas específicas de que deveria cuidar, como saúde, educação e segurança.
Por isso não se pode deixar de dar razão ao poeta, jornalista e compositor Torquato Neto, nos versos de “Marginalia II”, quando escreveu: “Eu, brasileiro, confesso/minha culpa meu pecado,/meu sonho desesperado,/meu bem guardado segredo,/minha aflição./Eu, brasileiro, confesso/minha culpa, meu degredo,/pão seco de cada dia./Tropical melancolia,/negra solidão:/aqui é o fim do mundo/ou lá./Aqui o Terceiro Mundo/pede a bênção e vai dormir,/entre cascatas, palmeiras,/araçás e bananeiras,/ao canto da juriti.//Aqui meu pânico e glória/aqui meu laço e cadeia,/conheço bem minha história,/começa na lua cheia/e termina antes do fim./Aqui é o fim do mundo/ou lá.//Minha terra tem palmeiras/onde sopra o vento forte/da fome, do medo e muito/principalmente, da morte,/o-lelê, lalá./A bomba explode lá fora,/e agora, o que vou temer?/Yes: nós temos banana/até pra dar/e vender”. Mas temos, também, talento, resistência e muita capacidade de reação. Falta, apenas, mostrar tudo isso.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 9 de julho de 1993)

Saturday, January 30, 2010




O pensador japonês, Tsunessaburo Makiguti, escreveu: “No mundo existem basicamente três tipos de pessoas: 1.) Aquelas cuja presença desejamos; 2.) Aquelas cuja presença ou ausência nos é indiferente e 3.) Aquelas cuja presença é prejudicial, problemática ou indesejável”. É possível que não haja explicação racional para isso. Não, pelo menos, uma que seja absoluta, conclusiva e lógica. Há quem nos agrade, como amigo, logo ao primeiro olhar. E existe, em contrapartida, o pólo oposto. Alguns indivíduos enchem-nos de satisfação com a simples presença, sem que precisem dizer ou fazer qualquer coisa, sejam parentes ou não. E nem sempre são os que têm afinidades conosco. Muitas vezes agem e pensam de forma muito diferente de nós. E, no entanto, nos são caros. Essa “simpatia” é algo imediato, instintivo, inexplicável, talvez espiritual. Dela nascem e se consolidam as grandes amizades, que duram a vida toda.



Soneto à doce amada – LV

Pedro J. Bondaczuk


Por que, só em vê-la, tremo tanto
e quase não consigo falar,
todo atrapalhado, a gaguejar,
como que enleado num encanto?

Por que ela não sai da lembrança,
e fico inquieto se não a vejo,
quase a me consumir de desejo,
oscilando entre dor e esperança?

Por que me sinto tão dependente
dos seus sorrisos tão cativantes
e dos seus olhares fascinantes?

Por que ocorreram, de repente,
tantas reações interessantes?
Seria, acaso, outro amor nascente?

(Soneto composto em Campinas, em 7 de outubro de 1965).

Friday, January 29, 2010




O arquiteto Paulo Archias Mendes da Rocha, em seu livro "Memórias", faz uma observação, que nós, moradores das grandes cidades, deveríamos levar muito a sério: "A cidade é uma idéia, ela não existe. É uma invenção do homem. Se não gostamos dela, temos de fazer uma outra. A esperança é essa. Saber que sabemos fazer desta uma outra". Compete-nos, portanto, fazer uma "outra" cidade, que de fato nos pertença, e não aos violentos, aos bandidos, aos marginais, aos ladrões e aos seqüestradores. Desta, que está aí, perigosa e violenta, certamente não gostamos! Como seria bom podermos voltar a caminhar tranqüilos pelas ruas da nossa cidade, a qualquer hora do dia ou da noite, como em passado ainda relativamente recente, sem riscos de assaltos ou de atropelamentos! Ou pelo menos sem aborrecimentos. Como seria bom poder apreciar o céu, as nuvens, as árvores, os monumentos, os tipos humanos... Enfim...



Custoso aprendizado

Pedro J. Bondaczuk

A leitura não consiste, como muito tolo desavisado ainda pensa, em meramente juntar letras para formar sílabas, palavras, sentenças, orações, períodos, capítulos e livros enfim. É um processo muito mais complexo do que isso, que implica no pleno entendimento do que se lê. O Brasil convive com essa tragédia (para nós, que sobrevivemos da produção de textos e, claro, para as próprias pessoas que estão nessas condições) que é o chamado “analfabetismo funcional”.
A porcentagem de analfabetos puros, que já chegou a ser de 98%, felizmente foi reduzida para 7%. Não é o ideal, óbvio, que seria a alfabetização universal, ou seja, que não houvesse um único brasileiro que não soubesse ler e nem escrever, mas é inegável que a situação melhorou muito nesse aspecto. Agora, é preciso atacar este outro problema que é de mais difícil solução.
Afinal de contas, o que vem a ser o “analfabeto funcional”? Esclareça-se que o conceito varia de país para país. Na Polônia e no Canadá, por exemplo, são classificadas como tal as pessoas que têm escolaridade inferior a oito anos. No Brasil, está nesta condição quem não completou o ensino fundamental, ou seja, os quatro primeiros anos de estudo formal.
E são muitos? Muitíssimos!!! Chegam (pasmem) a 75% das pessoas entre os 15 e os 64 anos. Ou seja, apenas 1 em cada 4 brasileiros consegue ler, escrever e utilizar essas habilidades para continuar estudando. É muito pouco, pouquíssimo, não é verdade? O mais grave é que nesse contingente estão incluídas muitas pessoas com diploma. E estas não admitem, e se você lhes disser corre o risco até de ser agredido, que são analfabetas, posto que funcionais. Mas são!
Como fazer com que alguém evolua se sequer admite a necessidade desse tipo de evolução? Para que fique claro o conceito, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) define analfabeto funcional como toda pessoa que sabe escrever o próprio nome, assim como lê e escreve frases simples, efetua cálculos básicos, mas é incapaz de interpretar (e de entender, portanto) o que lê.
Determinada escola particular paulista (que prefiro não identificar, por não haver sido autorizado a tal), constatou que oitenta por cento dos alunos que haviam se matriculado na 1ª série do colegial eram incapazes de entender sequer as instruções contidas num desses tantos manuais que acompanham os vários aparelhos eletrônicos vendidos no comércio. É verdade que os textos destes não são nenhum primor de clareza. Mas a cifra é elevadíssima para quem estudou nove anos (isso se não repetiu nenhuma vez) e, pelo visto, não aprendeu praticamente nada.
Como esperar que essas pessoas entendam complexos conceitos expostos pelos grandes pensadores? Certamente, não entendem. O pior é quando se metem a opinar sobre questões das quais não têm a menor noção. E são inúmeros os que opinam, sem nenhum fundamento.
Infelizmente, muita gente que passa por erudita, com vários títulos acadêmicos e diplomas de pós-graduação, têm nível baixíssimo de compreensão do que lê. Muitos (muitíssimos) não conseguem redigir um texto simples, de apenas uma página, em que se expressem pelo menos com coerência. Não estou considerando, sequer, a correção da linguagem.
Não raro, passamos uma vida toda lendo compulsivamente e, no entanto, não aprendemos a ler. Somos incapazes, por exemplo, de captar sutilezas nos textos dos bons autores. Não interpretamos, como eles pretendiam, a fina ironia que utilizaram. Não captamos o que ficou, apenas, inteligentemente nas entrelinhas.
Um dos maiores gênios da literatura mundial, o alemão Johann Wolfgang von Goethe, escreveu a esse respeito: “Muitos não sabem quanto tempo e fadiga custa a aprender a ler. Trabalhei nisso 80 anos e não posso dizer que o tenha conseguido”. E isso foi escrito por um dos escritores mais completos, mais sábios e mais argutos que já existiram.
Ler, apenas por ler, não basta. É indispensável que a leitura seja acompanhada de estudo, de reflexão, de comparações e de extrapolações. “Mas isso dá muito trabalho”, dirão os acomodados. Todavia, se não agirmos assim, poderemos viver uma centena de anos, dedicar oitenta deles à leitura, ler dez mil livros ou mais e, ainda assim, seremos, no fundo, no fundo, analfabetos funcionais, posto que eruditos.





Thursday, January 28, 2010




Santo Agostinho deixou registrada uma reflexão muito sensata, e exata, sobre o tempo. Escreveu: "Se nada passasse, não haveria passado, se nada adviesse, não haveria futuro e, se não fosse, não haveria presente. Nem o passado nem o futuro são, daí ser impróprio se falar em três tempos. A rigor o correto seria falar no presente do passado, no presente do presente e no presente do futuro. Os três modos estão em nosso espírito. O presente das coisas passadas é a memória, o presente das coisas presentes é a visão direta, o presente das coisas futuras é a espera". Daí a conclusão lógica de que o mais racional e inteligente é viver cada momento com a máxima intensidade, já que pode ser o último. É aproveitar cada oportunidade que surgir para acrescentar algum episódio marcante à nossa biografia e, principalmente, para fazer com que ela seja digna de ser escrita.



Sempre discreta

Pedro J. Bondaczuk

A felicidade é sempre discreta. Chega-nos de mansinho, silenciosa, quase imperceptível, instala-se em nós sem qualquer alarde e sua discrição é tamanha que só tomamos consciência do quanto éramos felizes (sem que nem ao menos soubéssemos) quando deixamos de sê-lo. Ela é, portanto, rigorosamente o oposto da desgraça. E não apenas nos efeitos, mas na própria maneira de se manifestar. A infelicidade sim é ruidosa, avassaladora, impositiva e, pior, contagiosa.
Há quem confunda a felicidade com a euforia. Esta, porém, é passageira, tão rápida quanto um raio que corta o céu em noite tempestuosa. Esgota todo seu combustível em brevíssimo instante e, quando se esvai, deixa-nos uma sensação de vazio, de insatisfação, de frustração.
A felicidade pode ser contínua, posto que discreta, ou “picotada”, ou seja, caracterizada por momentos de variável duração. Uma mesma pessoa, por exemplo, pode sentir-se feliz no início do dia e não mais experimentar essa mesma sensação ao seu término. Isso, caso se deixe levar pelas circunstâncias negativas do cotidiano, que vivem a nos espreitar e nos atingem sem qualquer aviso, à traição.
Há os que nunca se sentem infelizes. São os que têm desejos mínimos, somente do tamanho do que podem alcançar, e que sabem valorizar o que têm de bom e o que de positivo e de agradável lhes acontece a cada momento.
Em contrapartida, há os que sempre se sentem “sacaneados” pela vida, julgando-se injustiçados pelos que os rodeiam, pelos conhecidos e desconhecidos, pelo mundo, pelo universo, pelas potesdades enfim. Esse tipo de sentimento é uma espécie de tranca na porta da alma, impossível de ser arrombada ou aberta por meios normais. E a felicidade, dessa forma, passa batida de quem cultiva esse sentimento, pelo simples fato de não ter a entrada franqueada.
Já escrevi, inúmeras vezes, e faço questão de reiterar quantas vezes se fizer necessário, que a felicidade não é algo concreto, visível, palpável, mas um estado de espírito, uma predisposição favorável, um sentimento difuso e de difícil identificação. Não depende de pessoas, da posse de coisas e nem de nada externo. Só seremos felizes se nos sentirmos assim.
Dependesse de coisas, os multimilionários seriam proprietários cativos da felicidade. Deteriam seu perpétuo monopólio. Ninguém os superaria nesse mister. Todavia... o que se observa, é que raros dos afortunados se consideram minimamente felizes. E não o são.
Dependesse, por outro lado, de pessoas, não haveria tantos amores infelizes, inspirando poemas e mais poemas de suma tristeza, canções e mais canções de dor-de-cotovelo e tantos contos, romances e novelas lacrimosos. Não é nesses píeres tão frágeis que você pode amarrar a barca da sua felicidade e impedir que ela seja levada pelas correntezas dos acontecimentos ou pelas marés das circunstâncias.
Face à minha realidade pessoal, sinto-me uma pessoa feliz. Não o tempo todo, evidentemente, já que, como todo mundo, não estou a salvo de chateações e aborrecimentos de toda a sorte e tamanho. Mas sinto-me dessa forma na maior parte do tempo, o que não deixa de ser um ganho e um privilégio.
Sinto-me feliz, por exemplo, quando consigo redigir um texto exatamente como o planejei, sem me preocupar com o que os leitores irão achar dele. O que conta é a minha satisfação pessoal. É a certeza de que dei o melhor de mim e me saí bem.
Sinto-me feliz com o sorriso da minha amada e com o brilho em seu olhar, que reflete sua correspondência ao amor que lhe dedico. Isso, para mim, não tem preço e a vida me proporciona essa satisfação absolutamente de graça. Sinto-me feliz com o sucesso dos filhos e com a certeza de que cumpri bem meu papel em transmitir-lhes princípios essenciais para um bom relacionamento. A sensação de dever cumprido é uma das mais fartas fontes de felicidade.
Sinto-me feliz com a alegria inocente dos meus netos. Com meu jardim florido, com as plantas retribuindo-me os cuidados que lhes dedico. Com o nascer e o findar de um novo dia, cuja “travessia” empreendi com saúde e segurança. Com o fato de existir, estar vivo, ser útil e ter o que considero suficiente para uma vida digna, posto que sóbria, senão “espartana”.
É um sentimento sereno, discreto, quase imperceptível, mas permanentemente presente através de dias, semanas e anos a fio. Afinal, como Aldous Huxley constatou, em seu livro “Contraponto”: A felicidade nunca é grandiosa”. Jamais esperei que o fosse!







Wednesday, January 27, 2010




A bomba de Hiroshima já parou de explodir? É óbvio que a detonação em si se esgotou às 8h15 da manhã de 6 de agosto de 1945, há mais de 60 anos, e em questão de segundos. Em curtíssima fração de tempo, a chamada “pika” arrasou prédios, pontes, monumentos e avenidas e trucidou, quase que instantaneamente, 100 mil pessoas. Outras cem mil sofreram conseqüências terríveis, condenadas a uma morte lenta, dolorosa, cheia de agonia. Mas os efeitos dessa terrível arma, psicológicos, econômicos, ambientais e políticos seguem tão devastadores quanto naquele trágico dia de verão na Ásia. “Hiroshima nunca mais”, é o que dizem, a toda a hora, os pacifistas. “Faremos do Planeta uma gigantesca Hiroshima”, parecem retrucar as potências nucleares, nas entrelinhas de seus atos e declarações. E é a vontade delas que conta, para a nossa desgraça...



Gosto por algarismos

Pedro J. Bondaczuk

Os números sempre me fascinaram, não sei bem por qual razão. Aliás, não sabia, pois não faz muito descobri o por quê. Mas isso explico depois. Como ia dizendo, sempre tive facilidade (diria que inata) para cifras, cálculos, contas as mais complexas e variadas. Na escola, por exemplo, essa minha aptidão tornou-me popular entre os colegas. Afinal, nove entre dez estudantes se queixam da matemática. Talvez essa minha estimativa seja um tanto exagerada, mas a maioria dos alunos não gosta mesmo de raciocinar.
O pitoresco é que, embora tenha enveredado para profissões caracterizadas pelo uso das letras (jornalista e, posteriormente, escritor), quando cursava o primário eram os números que salvavam minha média, no boletim escolar, para indisfarçável orgulho do meu pai.
Quando a professora colocava na lousa algum problema, por exemplo, era até covardia. Cheguei a ser advertido em várias ocasiões por minha afoiteza. Mal ela completava a questão, eu já estava de mão erguida, com a solução na pontinha da língua. Isso atrapalhava a aula, ela dizia.
Foi um fascínio quando aprendi o conceito de frações. Calcular o máximo divisor comum e o mínimo múltiplo comum tornou-se, para mim, grande diversão. Claro que os colegas me olhavam como se eu fosse uma aberração, um ET que eventualmente houvesse caído na Terra. Mas essa aptidão fez com que meu cartaz com as menininhas (e estudei com algumas lindas, lindas) fosse às nuvens, o que se tornou vantagem sobressalente e inesperada.
E quando fui “apresentado” à álgebra?! Foi a glória! Virou mania para mim. Mais para a frente, já no antigo curso científico, diverti-me com fatoração, cálculo diferencial e integral e, sobretudo, com a trigonometria. Estranhamente, não me saí tão bem, pelo menos não como com a álgebra, em geometria. Mas deu para o gasto.
Quando fazia cursinho para prestar vestibular de Medicina, cheguei a ganhar um bom dinheiro dando aulas particulares de Matemática. Tive, então, alunos que já estavam bem mais adiantados do que eu nos estudos, que eram universitários, mas sempre me saí bem. Trago no meu currículo o fato de nunca alguém que tenha aprendido comigo haver sido reprovado. Foi aproveitamento de cem por cento.
Nessa época, eu morava em uma república, no distrito de Barão Geraldo, aqui em Campinas. Não tínhamos televisão em casa e, por isso, os domingos e feriados, em que não podia por algum motivo me encontrar com a namorada, tendiam a ser chatíssimos, principalmente quando chovia. Sabem o que eu fazia para me distrair? Resolvia problemas matemáticos. Tinha livros e mais livros com as questões que haviam caído nos principais vestibulares do País. Resolvê-las tornou-se, para mim, a coisa mais divertida do mundo. Claro que os colegas me consideravam um “maluco de pedra”.
Professores, parentes e amigos recomendavam-me que escolhesse alguma carreira em que os números fossem fundamentais, como engenharia, arquitetura ou, até mesmo, a física. Nenhuma dessas profissões, contudo, me fascinava. Eu queria porque queria ser médico. Quando tive que desistir da Medicina, já no segundo ano, por circunstâncias absolutamente alheias à minha vontade, poderia ter optado por alguma dessas atividades. Seria o mais lógico a fazer. Não optei.
Enveredei pelo jornalismo, fui tomando gosto pela coisa e produzindo, à margem, meus furtivos textos literários, que mantive, por muito tempo em segredo, na gaveta, longe dos olhares (críticos e indiscretos) alheios, até que assumi de vez o primitivo e quase esquecido sonho de menino: ser escritor.
Como ia dizendo no início dessas recordações, um dia desses descobri a razão de tamanho fascínio pelos números. E quem me abriu os olhos foi alguém dos mais ilustres (e põe ilustre nisso!). Foi ninguém menos do que Machado de Assis.
Lendo a série de crônicas que ele publicou em sua coluna “História de quinze dias”, no jornal “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro, na datada de 1° de junho de 1876 deparei-me com este trecho revelador: “Gosto dos algarismos, porque não são de meias medidas nem de metáforas. Eles dizem as coisas pelo seu nome, às vezes um nome feio, mas não havendo outro, não o escolhem. São sinceros, francos, ingênuos. As letras fizeram-se para frases; o algarismo não tem frases, nem retórica”.
Eureka! Bateu instantaneamente no cocuruto um relâmpago de compreensão! É isso aí! Como o mais genial escritor brasileiro, também descobri que gosto dos algarismos por eles não serem de meias medidas. Caracterizam-se pelo rigor, pela exatidão, pela certeza. São o oposto da vida, embora eu a encare como intrincadíssimo problema matemático que me desafia a solucioná-la. Estou tentando.
Ademais, gostaria que as pessoas (todas elas, inclusive eu) fossem como Machado de Assis diz que são os algarismos: sinceros, francos, ingênuos. São três características francamente em falta nos relacionamentos cotidianos, não importa sua natureza, se afetivos, profissionais, sociais etc.etc.etc. Mas isso já é querer demais, não é mesmo?



Tuesday, January 26, 2010




Muitos confundem otimismo com alienação. Crêem que podem se encerrar numa redoma de vidro, na qual ficariam imunes aos efeitos dos horrores e das patifarias que os cercam. Claro que não podem. Essas pessoas agem como se os fatos negativos que ocorrem ao seu redor não lhes digam respeito. Dizem. Os formadores de opinião precisam, sobretudo, de equilíbrio, para refletirem com exatidão a realidade, sem aumentar ou diminuir os episódios negativos. Como jornalista, a matéria-prima do meu trabalho é o que há de melhor (raramente) e de pior na natureza humana. O fato de trazer à baila os crimes, a imoralidade, a corrupção e a devastação do meio ambiente, entre outras coisas, não implica em me classificar, necessariamente, como um pessimista, um derrotista ou um catastrofista. Pelo contrário. Se abordo estes problemas é porque creio que eles têm solução. Afinal, a cura de qualquer doença depende da precisão do diagnóstico.



Como os ébrios

Pedro J. Bondaczuk

O estilo – no falar, amar, trajar, brigar... em suma, viver – é a nossa cara, o nosso retrato de corpo inteiro, o nosso “crachá” no mundo. Reflete nossa personalidade, virtudes, defeitos, enfim, nosso modo de ser e de se comportar. Somos assim e dificilmente mudaremos. Talvez façamos um reparo aqui, outro ali, mas no essencial, mantemo-lo praticamente intacto.
No escrever, não poderia ser diferente. Meu estilo é bastante peculiar e revelador de como sou. Não sei se é bom, não sei se é ruim, mas é meu. Qualquer pessoa que venha a ler meus textos os identifica de imediato, mesmo à distância de “mil anos-luz”. Escrevo do jeitinho que falo, por isso, policio o tempo todo meu linguajar.
Essa história de conjugar verbos de forma errada, de misturar os pronomes tu e você no mesmo período, às vezes na mesma oração, de se equivocar na concordância, de engolir os “s” nos plurais e outras tantas mancadas, é altamente contagiosa. É como uma doença. Em três tempos, passa do falar para o escrever.
No primeiro caso ainda temos o consolo dos erros não serem muito notados. Afinal, o que se fala (a menos que esteja sendo gravado), entra por um ouvido do interlocutor, sai pelo outro e perde-se no ar. Se alguém nos contestar dizendo que falamos algo errado, podemos argumentar que ele não ouviu direito. Mas erros de redação... Estes são capciosos e comprometedores. Ficam piscando, piscando e piscando no texto, como escandalosas luzes de néon e, por consequência, temos que dar a mão à palmatória: erramos. Se der para corrigir, muito que bem. Mas nem sempre dá.
Tenho um estilo errático, às vezes evasivo, outras, sumamente subjetivo. Algumas coisas afirmo peremptoriamente, em tom que soa a muitos como dogmático (embora não seja esta a minha intenção). Diversas outras, porém, limito-me a sugerir ideias, a deixar implícita alguma conclusão, como que num desafio à perspicácia e argúcia do leitor.
Reitero que não tenho a menor noção se a minha maneira de escrever é boa ou má. Posso assegurar, porém, que não vou mudar essa forma de abordagem, adjetivada (para desespero dos estilistas e dos que Nelson Rodrigues classificava de “idiotas da objetividade”), repleta de idas e vindas, de meias voltas sucessivas, de dança e contradança no palco da página em branco (ou, para ser moderno, na telinha do computador).
A propósito de estilo, vem-me à mente citação de Machado de Assis, logo no início do romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, em que o Bruxo do Cosme Velho acentua: “Tu amas a narração direta e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, erram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem”. Pois é, mestre, meu modo de escrever também é assim.
Uma das tantas manias que tenho é a de não repetir palavras. Houve tempos em que meu estilo era gongórico, cheio de repetições, a pretexto de dar ênfase ao que afirmava. Contudo, senti que, com isso, meus textos soavam a discursos, desses que políticos chatos fazem em comícios, em vésperas de eleições. Dei, pois, uma volta de 180 graus e substitui as enjoativas “reiterações” (vamos chamá-las assim que ficam mais elegantes) por sinônimos.
Não sei se foi impressão minha, mas achei que os textos ganharam fluência, naturalidade, espontaneidade. É verdade que, como um ébrio, “guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, erram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem”.
Ocorre que escrevo sempre embriagado. Calma lá, leitor, explico. Não vá fazer mau juízo a meu respeito. Não me tome por alcoólatra, que não sou. Nesse aspecto, sou absoluto abstêmio. Prezo demais minha lucidez para recorrer, em qualquer circunstância, ao álcool.
A embriaguez a que me refiro é a espiritual. É a de luz. É a de beleza, que afeta, de tal sorte, meus sentidos, que não consigo descrevê-la em sua plenitude. Meu estilo, e vocês certamente já notaram, é mesmo como um ébrio. E, como tal, balança nas pernas, tropeça aqui, dá um encontrão ali, lasca às vezes um palavrão desses de fazer corar até estátuas de bronze, mas, para a minha felicidade, dá conta do recado. Pelo menos é o que acho...





Monday, January 25, 2010




Algumas pessoas muito especiais conseguem realizar em vida aquilo a que se propuseram, porque se empenharam, buscaram as oportunidades e as aproveitaram. Outras, limitam-se a sonhar e sequer tentam fazer o mínimo esforço para que seus sonhos se façam concretos e se transformem em atos. Jamais se tornam concretos. Tudo o que fazem é procurar a mera satisfação dos sentidos, e mesmo assim de forma desregrada e imprudente. Há um outro grupo ainda, que é o daqueles que obtêm a cumplicidade alheia para suas idéias e projetos. E realizam seus propósitos através de terceiros. São os gênios da espécie, os líderes, os condutores de povos, os grandes semeadores.



Desenho sem borracha

Pedro J. Bondaczuk

A nossa vida é balizada por determinados acontecimentos externos, que nada têm a ver diretamente conosco e isso ocorre, principalmente, quando eles coincidem com momentos pessoais, positivos ou negativos, que se fixam em nossa lembrança. À nossa revelia, incorporam-se, de vez, a nossas biografias, mesmo que estas jamais venham a ser escritas. Caso o sejam, tais fatos são, invariavelmente, lembrados por nossos biógrafos e associados àqueles episódios que nos dizem respeito diretamente.
Por exemplo, não consigo dissociar a destruição das torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, ocorrida em 11 de setembro de 2001, de uma ocorrência pessoal muito sofrida e angustiante. Uma semana antes desse incrível atentado, eu havia sofrido um acidente doméstico dos mais bestas. Tive uma queda, que resultou na “trinca” da cabeça do fêmur da perna esquerda.
Como, na oportunidade, eu já não era tão novinho assim, a aflição (minha e da família) era imensa. Permaneci dois dias internado em um hospital aqui de Campinas. Os médicos queriam fazer uma operação, para colocar parafusos no osso fraturado e assim garantir sua consolidação. Contudo, eu havia tido acesso às radiografias. E estas mostravam que a trinca era muito discreta, quase que apenas um imperceptível “risquinho” na cabeça do fêmur. Opus-me, portanto, veementemente, a tal cirurgia.
Fizeram-me assinar um termo de responsabilidade (o que fiz, sem susto ou hesitação) e liberaram-me para voltar para casa. Eu teria que permanecer por algumas semanas com peso no pé, para que o osso ficasse no lugar correto e pudesse se consolidar sem problemas.
Avesso a medicamentos, suportei a dor “a seco”. E garanto que não era das mais pequenas. No dia do atentado, eu estava com a TV a cabo ligada, logo de manhã (embora não costume, e nem possa, assistir televisão nesse período), pois na noite anterior, o então prefeito de Campinas, Antonio da Costa Santos, havia sido assassinado, num caso que até hoje carece de explicações plausíveis.
A todo o momento a TV trazia flashes do velório e das investigações policiais. De repente, surgiu na telinha a imagem de um avião de passageiros chocando-se, espetacularmente, contra uma das torres gêmeas do World Trade Center. Pensei, distraído, que se tratasse de trailler de um desses tantos filmes de catástrofe, dos quais a imaginação dos produtores de Hollywood é fartíssima. Não tardou, porém, para que percebesse que a ocorrência era real.
Minutos depois, um segundo avião chocou-se com a torre que havia ficado intacta no primeiro choque. O coração veio parar na minha boca. Fui tomado de horror com o que estava acontecendo e com as notícias complementares dando conta de que o Pentágono também havia sido parcialmente destruído e de que uma nova aeronave se dirigia a Washington, provavelmente para arrasar a Casa Branca.
O trauma completou-se quando as duas torres gêmeas vieram abaixo, num turbilhão de poeira e de fumaça, como se fossem frágil castelo de cartas. Desde então, associo, em meu subconsciente, até automaticamente, os dois fatos: a dor que sentia no momento em decorrência da fratura e o desmoronamento do World Trade Center.
Recuperei-me por completo do acidente sem que ficasse nenhuma seqüela. Mas sempre que penso num desses dois fatos, o outro vem, imediatamente, à memória. Embora sem a mínima relação um com o outro, ambos ficaram, para sempre, associados um ao outro em minha lembrança.
Felizmente, esse tipo de associação também ocorre com eventos positivos. Por exemplo, recebi o sim, da minha primeira namorada (oficial), à minha proposta de namoro, no dia exato da inauguração de Brasília, ou seja, em 21 de abril de 1960. O fato (para mim, na época, dos mais auspiciosos), ocorreu na Fonte Sônia, em Valinhos, onde a escola em que estudava fazia piquenique nesse tão aprazível local. A declaração (e o conseqüente sim) ocorreram no interior de um barco, no qual ambos navegávamos, numa espécie de lago artificial ali existente. Romântico, não é mesmo?
O evento vai completar, em 2010, meio século, assim como este momento marcante em minha vida. Ambas as ocorrências estão indelevelmente associadas em minhas lembranças, sem ter, contudo, a mínima relação uma com a outra.
Brasília, aliás, tem importância muito especial para mim. Meu saudoso pai, que era mestre de obras, participou da epopéia que foi a sua construção. Há, pois, muito da participação dos Bondaczuk na sua existência. Sinto que a cidade é um pouco minha também (embora, claro, não o seja).
Pensando em tudo isso, concluo, como fez Millôr Fernandes (êta sujeitinho inteligente!): “Viver é desenhar sem borracha”. E não é?!! É verdade que não podemos apagar os erros que cometemos, os sofrimentos que tivemos, os fracassos que nos abateram etc. Em contrapartida, porém, ninguém pode, igualmente, suprimir, como num passe de maligna mágica, as experiências gratificantes e inesquecíveis pelas quais passamos, que se tornam nosso mais precioso patrimônio pessoal enquanto tivermos um sopro que seja de vida.



Sunday, January 24, 2010




Cada gesto de amor ou de ódio, cada atitude de solidariedade ou de egoísmo, cada ato de construção ou de destruição, contam muito. Compõem a nossa biografia e justificam (ou não) a nossa trajetória na vida. Ninguém veio a este mundo por acaso. Mas nossa finalidade não nos é revelada por ninguém. Compete-nos descobri-la e realizá-la. Podemos ser lembrados num futuro distante como santos ou como demônios; como sábios ou como tolos ou então ser esquecidos para sempre, como se jamais tivéssemos existido. Isto vai depender, em grande medida, de nós e das circunstâncias que tivermos (que alguns chamam de destino e outros de acaso). Temos sempre o direito de escolha. Para isso, Deus nos deu o livre-arbítrio. Contudo, temos que arcar com as conseqüências das opções que fizermos e assumir sozinhos nossos erros e acertos. Por isso, o mais sábio é sempre apostar no amor, na justiça, na compreensão e na solidariedade.



Roleta russa

Pedro J. Bondaczuk

O interesse pelas eleições presidenciais de ontem, na Rússia, extrapola as fronteiras nacionais. O que os eleitores locais decidiram nas urnas é muito mais do que quem irá comandar seus destinos pelos próximos cinco anos. Está em jogo a própria estabilidade mundial. O eleito --- que vai ser, certamente, ou o atual presidente Bóris Yeltsin, ou o comunista Gennady Zyugannov --- terá em suas mãos o controle do segundo maior arsenal nuclear do mundo. E isto pesa. Mais do que uma eleição, esta é uma "roleta russa".

Vai decidir, em última instância, o ressurgimento ou não do comunismo – agora reciclado e modernizado, aproveitando a experiência do colapso da União Soviética – em uma região das mais sensíveis do mundo, com imensas reservas minerais e vegetais.

Para conservar o atual "status" da Rússia, o Ocidente aposta em um populista, que adora aparecer perante as câmeras de televisão, que se exibiu durante a campanha dançando rock, apresentando frases de efeito e prometendo o que não pode cumprir e que tem contra si a idade (65 anos contra 51 de Zyugannov), a saúde frágil (já teve três ataques cardíacos) e a suspeita de, digamos, "abusar um pouquinho" no consumo de vodca.

Yeltsin conta com o apoio do Ocidente não por ser o ideal, mas o menos ruim dos candidatos reformistas. Sua atual gestão foi desastrosa para os russos, conforme todos os dados estatísticos existentes. Daí não ser nenhuma surpresa se Zyugannov vencer, provavelmente com segundo turno. Recorde-se que nas eleições legislativas de dezembro passado, os comunistas tiveram estrondosa vitória.

E o panorama político-social da Rússia não se alterou para melhor desde então. A guerra na Chechênia continua, os salários nas empresas estatais estão atrasados em alguns casos em até 4 meses e a inflação e o desemprego seguem galopantes. A maioria dos russos vive muito pior hoje do que há cinco anos. É preciso ser pitonisa para prever uma vitória comunista nestas circunstâncias?

(Artigo publicado no Correio Popular em 6 de junho de 1996).

Saturday, January 23, 2010




O tempo é o maior capital de que dispomos, embora poucos se dêem conta dessa verdade e o desperdicem de maneira tola e insensata, como se tivessem diante de si a eternidade. Desconhecemos sua quantidade e ainda assim gastamos perdulariamente, indevidamente, estupidamente esse precioso e irrecuperável recurso. Tanto podemos ter à nossa frente um dia, algumas horas, alguns escassos minutos ou segundos, quanto uma centena de anos, ou mais, antes que deixemos a vida e mergulhemos no desconhecido e no mistério. Somos, sobretudo, testemunhas de uma era, aquela em que nos foi dada a chance de viver, sobre a qual (pelo menos teoricamente), reunimos condições de influir e com a qual tudo o que nos diga respeito será associado.



Soneto à doce amada – LIV

Pedro J. Bondaczuk


Senti que havia nuvens de tristeza
e uma profunda sombra de desgosto
riscando cicatrizes em seu rosto,
tentando deformar sua beleza.

Senti que não havia vibração,
muito embora tentando, com esmero,
você lograsse ocultar desespero,
conseguisse esconder a emoção,

nos seus beijos e nos seus dedos lassos,
que tentavam recolher estilhaços,
de rotos, fragmentados sentimentos.

Todavia, coroei meus intentos
de extinguir, de vez, os seus tormentos,
estreitando-a, com amor, em meus braços.

(Soneto composto em Campinas, em 2 de outubro de 1965).

Friday, January 22, 2010




O intelectual francês André Malraux observou que "o homem é o único animal que sabe que vai morrer". Blaisé Pascal, antes disso, tinha chegado à mesma conclusão, óbvia, mas que nem todos têm em mente, ao observar: "O homem é o único animal que sabe que não é eterno". Já o excelente poeta dinamarquês, Piet Hein, escreveu, num poema curto, porém marcante e repleto de sabedoria, intitulado "Uma Máxima para Vikings": "Eis aqui um fato, um bom motivo/para você lutar enquanto vivo:/as coisas que não causam logo a morte/tornam você mais forte". Por isso, não devemos nunca nos desesperar com as adversidades, mas extrair as lições que elas possam nos deixar.



Alegria de escrever

Pedro J. Bondaczuk

O computador, em certo sentido, tem servido para aproximar pessoas, que de outra forma jamais teriam a oportunidade de se relacionar. Não são raros, por exemplo, os chamados “amores virtuais”, embora alguns desemboquem, às vezes, em tremendos equívocos e não raro até em crimes, como o recente caso de sedução de uma garota norte-americana de 12 anos, por parte de um fuzileiro naval de 31, que redundou na fuga de casa da iludida menininha. Essa, porém, é uma exceção. Pilantras existem em todo o lugar, e se utilizam de todos os meios para praticar suas pilantragens, e não somente do computador. Não é o veículo, nesses casos, evidentemente, que deve ser condenado.
Gosto de escrever. Aprecio as amizades, desde que sinceras. E valorizo a “epistolografia”, ou seja, a troca de correspondência, mesmo que seja com pessoas que não conheço pessoalmente e que, dada a distância que nos separa, dificilmente conseguirei conhecer. Quando dependia apenas dos Correios, um pouco por preguiça, um pouco por economia (ou pãodurismo), minha troca de cartas era um tanto restrita. Limitava-me a me corresponder com parentes, ou com quem conhecia há anos e que as circunstâncias da vida haviam separado.
Com o advento dos e-mails, contudo, isso já não acontece. Sou redator compulsivo de mensagens eletrônicas. Claro, elas são enviadas apenas a quem as queira receber, a quem deseje saber de mim, das minhas idéias, dos meus gostos, dos meus desgostos e até das minhas idiossincrasias. E, creia-me, esclarecido leitor, há muita gente (felizmente) que quer. Mantenho ativíssima correspondência, com dezenas de fiéis amigos virtuais, com os quais troco, há já bom tempo, informações, confidências e, sobretudo, “causos”, notadamente os engraçados. E eles filtram os artigos e crônicas, que encaminho aos jornais e sites da internet que os divulgam.
Concordo com Celso Furtado, que no Tomo I do seu livro “Obra Autobiográfica” (em cinco volumes), constata: “Rir deve ser uma forma sutil de reconciliar-se consigo mesmo, de assumir uma superioridade momentânea que nos alivia e revigora”. E é mesmo. A vida já tem tragédias demais, e dores em profusão, para que fiquemos remoendo picuinhas, aquelas pequenas coisas que nos incomodam e que, em vez de as remediarmos (e se possível, as eliminarmos), ficamos cultivando indefinidamente, de forma até maníaca, embora raramente nos damos conta disso. E não importa se esses conflitos são reais ou imaginários (a maioria cai nesta última classificação). Esse procedimento, contudo, é doentio. É neurótico, É auto-destrutivo.
Comunicar-se é fundamental. E, com amigos virtuais, a comunicação se torna mais livre, mais solta, mais espontânea e mais natural. Por que? Por não haver a interferência da questão subjetiva da aparência, que tanto pode nos levar a paixões fulminantes, quanto nos conduzir a antipatias profundas e gratuitas (e à primeira vista) por alguém de quem nada sabemos, e que mal acabamos de encontrar.
Trata-se de um contato apenas de intelectos. Ou seja, do que há de mais nobre e sofisticado nos seres humanos, que dessa forma exercitam o grande diferencial que o homem tem em relação aos demais animais: a inteligência e a capacidade de comunicar pensamentos, sentimentos e desejos.
Albert Einstein, no livro “Como Vejo o Mundo”, escreveu: “O que sei e o que penso, eu o devo ao homem. E para comunicá-los utilizo a linguagem criada pelo homem”. É o meu caso. Gosto de abrir o meu coração com franqueza e de ler, com complacência, e não raro com compaixão, mesmo opiniões que me sejam desfavoráveis, ou com as quais não compactue. E, salvo quando se trata de alguma mensagem chula, ou de alguma dessas brincadeiras estúpidas e de péssimo gosto que determinados desocupados costumam fazer, nunca deleto as mensagens recebidas. Arquivo-as, criteriosamente, com a data e o horário do recebimento, preservando-as para a posteridade. Esses e-mails, aparentemente fúteis e inocentes, incorporam-se, a partir do momento em que caem na minha caixa postal, ao meu acervo de experiências. E para sempre. .
Inutilidade? Bobagem? Perda de tempo? Quem sabe?! Certamente seria esta a classificação dada à correspondência virtual que sustento pelos derrotistas, pelos amargurados, pelos frustrados, pelos carentes de inteligência, enfim, por aqueles que estão sempre de mal com a vida e com o mundo, ou pelos que se auto-rotulam de “objetivos”, mas que os designo com uma expressão emprestada do poeta Affonso Romano de Sant’Ana: “idiotas da objetividade”. Porque, como assegura o mestre Roque Schneider: “Viver é comunicar-se. Nossa felicidade, nossa alegria de viver e nossa realização humana dependem fundamentalmente da nossa capacidade de comunicação”. E não dependem?

Thursday, January 21, 2010




O ensaísta francês do século XVI, Michel Eyquem, conhecido como Montaigne, entre as preciosas lições que nos legou em seu livro "Os Ensaios", deixou registrada esta verdade: "Toda sabedoria e todos os discursos do mundo se resumem nisso: ensinar o homem a não temer a morte". Nós acrescentaríamos que os seres humanos têm dois tipos de extinção. O primeiro é o físico, cuja ocasião exata desconhecemos, mas que sabemos ser inexorável. O segundo é o da memória, da lembrança, da marca da nossa passagem pela vida. Este é mais cruel. A grande maioria das pessoas, consciente ou inconscientemente, procura vencer de todas as formas a sua efemeridade. Busca deixar no mundo algo que as lembre por todos os tempos. Esta é a imortalidade que o ser humano mais aspira e a única que lhe é acessível.



Doentes de presunção

Pedro J. Bondaczuk


O advento e a evolução dos meios de comunicação de massa – e isso não é novidade para ninguém – se constituem, possivelmente, na maior revolução do século passado. Talvez seja, no final das contas, a única genuína. As demais...Bem, deixa pra lá! Este fantástico aparato comunicativo à disposição do homem moderno "virou o mundo pelo avesso".
Para as ondas de rádio, acessos à internet e imagens de televisão, por exemplo, não existem fronteiras. Essa possibilidade de falar instantaneamente com qualquer parte do Planeta e de emitir e receber textos e imagens, em um pequeno aparelho celular, (alguns do tamanho de um reles maço de cigarros), por exemplo, tornou mais difícil (mas, não impossível, infelizmente) a tarefa dos tiranos, dos ditadores de todos os tipos, dos charlatães que vendem a felicidade (ou a segurança, como no caso de George W. Bush) em pílulas. Daí terem sido reduzidas, em especial a partir dos anos 80, as ditaduras por todas as partes, mormente na América Latina.
Claro que esse não foi o único fator para o advento da democracia (ou de um arremedo dela, convenhamos) em Estados tradicionalmente fechados e com feudalismo disfarçado – em algumas partes, ainda muito incipiente e carregada dos vícios do caudilhismo –, havendo outros interesses em jogo, cuja menção não cabe aqui, já que o tema de que queremos tratar não é exatamente este. Apesar de todos os benefícios que a suposta era da informação total trouxe à humanidade, não posso deixar de dar razão ao desabafo do escritor norte-americano Daniel Robert, que diz: "A comunicação está doente de presunção".
Não se pode confundir jamais o meio com a mensagem. Os veículos à disposição dos povos são, de fato, revolucionários. O teor daquilo que transmitem é que merece reparos e contestações (como, aliás, inúmeros colegas demonstraram, fartamente, em artigos e comentários publicados aqui no Comunique-se). Quem utiliza esses meios de comunicação quase nunca está preparado para falar com um público tão amplo, como o que eles atingem, e sobre assuntos tão variados, envolvendo, praticamente, a totalidade do conhecimento. Claro que, como toda a regra, esta também comporta exceções. Contudo, infelizmente, não tantas quantas seriam desejáveis.
Muitos profissionais de primeira linha foram literalmente banidos das redações, a pretexto de estarem “desatualizados” no que diz respeito à apuração, hierarquização e forma de redigir as matérias. Balela. Parte considerável dos empresários de comunicação acha que juventude e genialidade são sinônimas. Nada mais estúpido e falso do que isso! O fator experiência vem sendo tolamente desprezado, em nome de um pretenso (e vazio) “modernismo”. Quem perde, claro, é o leitor (ou telespectador, ou ouvinte, ou usuário da internet).
Pegue o leitor um jornal (longe de ser o veículo mais popular e mais ágil, pelo contrário), qualquer um deles, seja de que tendência ideológica for. Leia um editorial a esmo, ou um dos artigos publicados. Leu? Deu para notar o tom arrogante, presunçoso, com ares de "dono da verdade" com que o tema escolhido por eles foi abordado pela maioria? Não se deixou, sequer, o mínimo espaço para o contraditório e nem para a dúvida. O tom, invariavelmente, é dogmático, prepotente e impositivo. “É assim, ou assado, e isso não comporta discussões”, parecem dizer nas entrelinhas.
Contudo, qual o preparo desses "fazedores de cabeças" para tentar modificar uma realidade cujo alcance não atinam? Nem sempre (ou quase nunca) o que parece de fato é. E não é apenas na área opinativa que jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão esbanjam presunção. Esse comportamento, frise-se, deve ser creditado (ou debitado?) aos responsáveis pela determinação das respectivas políticas editoriais. Os outros? Submetem-se, é claro! Afinal, quem pode, manda, e quem tem juízo, obedece. Esse pessoal, de forma arrogante, ainda acredita nessa besteira, tão difundida por aí, de que a imprensa é o Quarto Poder.
Outro escritor norte-americano, Josh Billings, fez uma observação pertinente, sobre um comportamento que todos já notamos, embora poucos tenham coragem, ou espaço nos meios de comunicação, para expressar. Afirma: "Existem pessoas tão afeitas ao exagero que não sabem dizer a verdade sem mentir". A verdade incompleta, ou a meia-verdade, destaque-se, são piores do que a mentira explícita, já que convencem com maior facilidade, dada sua verossimilhança.
Estaríamos aptos a interpretar os fatos dos quais tomamos conhecimento, a julgar as ações das pessoas que nos rodeiam, a afirmar que sabemos exatamente como é tudo o que nos cerca com neutralidade e isenção? Duvido! Somos frutos da educação que recebemos e das tendências que trazemos do berço e que nos acompanham pela vida afora. Ninguém tem a garantia de que a sua formação foi impecável, sem falhas, sem lacunas ou sem distorções. Somos homens do nosso tempo, influenciados por idéias alheias, com a cabeça repleta de conceitos, preceitos e preconceitos.
O professor norte-americano Stephen Greenblatt observou, em artigo publicado na imprensa do seu país em 1991: "Nossas palavras estão cheias de vestígios que sequer compreendemos completamente quando falamos de vozes que existiram no passado e silenciaram, estão mortas. Nossas vidas estão cheias das presenças fantasmagóricas de nossos ancestrais, de nossos pais, de nossos avós, das figuras que nos tocam e em relação às quais tentamos nos situar".
Nós, que temos a responsabilidade de decisão nos meios de comunicação – me incluo nesse meio, é claro, por ser profissional de imprensa e, sobretudo, editor – fornecemos ao público, do alto da nossa presunção, salvo raras exceções (impossíveis de distinguir da regra), "versões" em vez de "informações". Parodiando Antônio Vieira, "amamos vidros, cuidando que sejam diamantes". Não podemos nunca nos acomodar e achar que somos auto-suficientes, oniscientes, donos da verdade e/ou paladinos da justiça.
O açodamento para conseguir “furos” de reportagem, sem a devida checagem dos fatos e sem que se ouça “a outra parte”, tem feito estragos enormes. Querem um exemplo? O óbvio, o caso da Escola de Base, cujos proprietários sofreram verdadeiro “linchamento” moral sem que tivessem a mínima culpa daquilo de que foram acusados. Ao cabo das investigações, comprovou-se serem absolutamente falsas as acusações de abuso sexual a um garotinho de apenas quatro anos de idade, feitas aos dois docentes pelos pais do menino.
A denúncia (que não procedia) mereceu manchetes escancaradas, imensas, enormes, escandalosas. O desmentido...Saiu em pé de página, na maioria dos jornais que haviam feito tamanho estardalhaço em torno do assunto antes, muito antes dos fatos terem sido devidamente apurados pela polícia. O casal nunca se recuperou desse episódio. A imprensa (reitero, com exceções), arrogou-se, naquela oportunidade (e em muitos outros casos de menor repercussão) ao simultâneo papel de promotora, juiz e carrasco dos indefesos docentes, o que, convenhamos, não é e jamais deve ser o seu papel.
Nossa reflexão, reciclagem de métodos de colheita e transmissão de notícias e evolução mental e intelectual devem ser, pois, permanentes, mensais, diárias, horárias se possível. Todo o cuidado é pouco antes de expor a reputação de alguém ao repúdio público. O jornalismo existe não para isso! Afinal, o jornalista é uma pessoa como outra qualquer, sujeito a erros e paixões, que escreve sobre gente, para semelhantes lerem. Umberto Eco indaga: "É possível abstrairmos nossa condição de intérpretes, historicamente situados, e vermos a obra como um cristal?" Na teoria, sim. Na prática...Tenho minhas dúvidas!
Para tanto, seria preciso desenvolver e exercitar a cada instante da vida um aguçado espírito crítico, principalmente a autocrítica. Devemos adotar, no exercício da nossa atividade, o comportamento científico de não aceitar nenhuma idéia ou conceito “a priori”, sem questionamentos prévios, deixando sempre um saudável espaço para a dúvida. Isto tem que ser norma absoluta e imprescritível! Deve ser regra de ouro de conduta, nunca exceção. Porquanto, como observou Manuel Bandeira (e os poetas têm uma percepção mais clara da realidade pela sua própria condição), "somos duplamente prisioneiros: de nós mesmos e do tempo em que vivemos". Deixemos, portanto, de presunção!!!!

Wednesday, January 20, 2010




Que sonhos sirvam de tema para poesias, é compreensível, já que são, em si, verdadeiras metáforas. Mas compará-los a um poema é heresia. Essa pintura de um quadro, essa projeção de uma visão, essa reprodução de um desejo, esse registro de um estado emocional feito apenas com palavras, são atos, sobretudo, inteligentes. Mais do que isso: sublimes. Para praticá-los é necessário contar com um talento, com um dom, com uma aptidão divina, ao contrário das divagações de um cérebro sem o controle do consciente. Nesse aspecto, estou com Fernando Pessoa, que afirma: "Não pondero sonhos; não me sinto inspirado: deliro". A poesia é isso: delírio. E os sonhos? Mistério!



Como escrever?

Pedro J. Bondaczuk

O ato de escrever, principalmente quando seu objetivo não é o de se limitar a produzir textos perecíveis, que fiquem “velhos” praticamente no dia seguinte ao da sua produção, mas que se conservem sempre atuais, como se fossem escritos no dia em que você o ler (mesmo que o leia décadas depois de escritos), requer uma série de aptidões. Uma delas, talvez a principal, é a capacidade de despertar empatia no leitor, de torná-lo seu cúmplice, de fazê-lo sentir-se seu parceiro, embora sem o ser, por você ter redigido exatamente o que ele gostaria de redigir.
A isso, classifico de “astúcia”. Claro que a correção, quer (e principalmente) a gramatical, é condição sine qua non. Textos eivados de erros tendem a expô-lo ao ridículo, mesmo que seu conteúdo seja dos mais ricos e originais.
Você tem que criar um estilo próprio, todo seu, de escrever, de sorte que quem vier a ler suas produções literárias as identifiquem de imediato como suas, mesmo que seu nome não apareça sob o título. Embora não pareça, isso é muito mais difícil do que o leigo possa supor.
Bom ou mau (não me cabe julgar minha própria produção, até porque não teria a necessária isenção para fazê-lo), tenho a minha forma peculiar de redigir. Não temo, por exemplo, assumir minhas colocações sempre e invariavelmente na primeira pessoa. Há quem condene essa prática, acusando quem a adota de arrogante, imodesto, convencido e outros quetais. Bobagem. Entendo que se trate de manifestação de personalidade, de autoconfiança, de certeza quanto ao que escreve.
Meus textos (que caracterizo como crônicas, mas que os críticos juram que são ensaios), têm, todos, no aspecto formal, o mesmíssimo desenho. São como teoremas de geometria: começam com uma hipótese, da qual emerge determinada tese, seguida da respectiva demonstração. São, sobretudo, didáticos (vezo de um professor que, por “n” razões, conhecidas de todos, se recusou a abraçar o magistério).
Sou uma pessoa sumamente intuitiva e confio sem restrições na minha intuição. E esta me sugere que, mais dia, menos dia, haverei de me tornar, se não unanimidade, um escritor bastante requisitado, pelas idéias que veiculo. Convencimento? Não! Longe disso. É algo parecido, todavia positivo: é convicção.
Caso não estivesse convicto do meu valor, sequer me aventuraria neste complicado e não raro frustrante mundo das letras. É provável que sequer tenha a ventura de testemunhar meu sucesso. Não faz mal.
A probabilidade maior é que ele seja póstumo e aconteça muitos anos depois da minha partida deste mundo. Tudo bem, submeto-me a mais esta sacanagem das circunstâncias, se for preciso. Mas quando o sucesso vier... este texto, que hoje causa espanto em muitos e irritação nos hipócritas, irá testemunhar o quanto estou convicto do que faço e dos resultados que hão de advir disso.
O exercício do texto é solitário. Requer isolamento, silêncio e o que James Joyce classificava de “exílio”. É incompatível, portanto, com a exposição pessoal continuada, com os aplausos efêmeros, com a “glorícola” dos incompetentes, mas que se julgam os tais (há uma infinidade deles por aí). A obra, para se perpetuar, precisa ter um sem-número de características, entre as quais, conteúdo sólido e inteligente, passando pela clareza, concisão, exatidão do que é exposto e originalidade.
Posso, é verdade, ser original pisando as pegadas de outros escritores. Para isso, porém, preciso descobrir ângulos novos, inusitados, inexplorados no que já foi cansativamente explorado. Aí é que está o grande desafio de quem é, verdadeiramente, criativo. A originalidade, pois, não está no tema a abordar, mas na forma com que o abordamos.
O meu relativo sucesso de hoje, quando, graças à bendita internet, já sou lido em pelo menos dez países (conforme pude constatar pelo Google), será pífio, irrisório, medíocre face ao que pressinto que possa conseguir num futuro que não sei se será remoto, remotíssimo ou próximo.
Só peço a Deus a ventura de poder testemunhar pelo menos o início desse processo, cheio de idas e vindas, de quedas e recuperações sucessivas, de surpresas maravilhosas e decepções inesperadas. Para isso, porém, terei que manter autodisciplina, personalidade, convicção, além de contar com o fator sorte.
É pouco? É muito? Está além da minha capacidade? Não sei! O que sei é que o essencial, para que minha intuição seja verdadeira e não mero engodo da vontade e da imaginação (ou seria megalomania?) é jamais perder a “astúcia”, na hora solitária, dolorida e tensa em que estiver escrevendo.



Tuesday, January 19, 2010




Em vários períodos da história, povos perderam o "freio" que mantém as comunidades ordenadas e sadias, chamado "moral" e pagaram altíssimo preço por isso. Foi o caso dos romanos quando da invasão dos bárbaros. É o que vem acontecendo agora, com as insensatas tentativas de dissolução de uma das mais antigas e eficientes instituições humanas, a família. Isso resulta numa irresponsável liberação de instintos cegos, por uma maioria despreparada para a vida.. Essa perda de autocontrole faz com que a humanidade tenha, como contraponto da evolução tecnológica, um perigosíssimo retrocesso ético. Surge uma "subespécie" humana, faminta, miserável, obscura e selvagem. É o anticlímax do progresso. É preciso que valores duramente conquistados ao longo de milênios – como respeito, lealdade, honra, fidelidade, amor e solidariedade – sejam resgatados e ampliados e não se transformem em meras palavras, despidas de conteúdo, despojadas de significado.