Thursday, July 05, 2007

Patético e dramático


Pedro J. Bondaczuk


O escritor russo Fedor Dostoiewski afirmou, num de seus romances, que a ficção jamais consegue superar a realidade em termos de situações absurdas e quanto à dramaticidade. O assassinato, ocorrido há 14 anos, da jovem atriz Daniela Perez, por parte de seu colega de trabalho, Guilherme de Pádua e da esposa deste, Paula Thomaz, é uma comprovação da exatidão do que o mencionado romancista afirmou.

Ficou comprovado, durante o rumoroso julgamento do casal responsável pela morte da estrela global, que o motivo do crime foi uma fulminante paixão sentida pelo matador por sua vítima e um literalmente mortal ciúme de Paula Thomaz, a co-autora do delito. Os sentimentos e reações humanos são, em geral, estranhos e incompreensíveis. Muitas vezes descambam para o patético e o absurdo.

Há quem brinque permanentemente com o perigo e escape incólume. Existem outros, todavia, que cedem diante de uma única e qualquer situação um pouco diferente da habitual. Ao que se recorde, esse foi o primeiro caso, envolvendo atores famosos, seja de televisão ou de cinema, no Brasil ou no mundo, em que um colega mata outro por se deixar envolver por um papel de ficção. Pádua, mesmo que não o percebesse, vinha deixando claro para seus companheiros de trabalho, para a autora da novela "De Corpo e Alma", Glória Perez, mãe da atriz assassinada e para milhões de telespectadores, que estava apaixonado pela atriz.

Seus olhos, gestos e palavras mostravam isso. Tais paixões, aliás, não são incomuns. São muitos os casos em que protagonistas de episódios de amor nas telas e nos palcos acabam assumindo essa emoção na vida real. Casamentos são desfeitos por essa razão. Outros são concretizados, e a vida continua.

Nada, todavia, justifica a eliminação de uma vida. O Código Penal prevê apenas uma situação em que a lei permite isso: a legítima defesa (que não foi, evidentemente, o que ocorreu neste caso). E mesmo aí, há condições a serem preenchidas, como perigo iminente e uso de reação moderada, embora enérgica.

Já dizia o padre Antonio Vieira que "amor e ódio são os dois poderosos afetos da vontade humana". E, para complicar, ambos costumam andar de mãos dadas. Amores muito intensos, quando contrariados, invariavelmente se transformam em rancores avassaladores.

Por ambos serem figuras públicas, o caso prestou-se a sensacionalismos e explorações. Passados, porém, catorze anos da ocorrência, tendo os autores do crime cumprido (bem ou mal não importa) a sentença que a Justiça lhes impôs, o episódio caiu no completo esquecimento. Ninguém mais, a não ser os diretamente envolvidos, se lembra do que aconteceu.

Essa exploração de escândalos e de delitos funciona assim mesmo. Os meios de comunicação dão uma OVERDOSE de informações (e especulações) ao público, faturam alto com a venda de jornais e revistas; as emissoras de rádio e de televisão multiplicam sua audiência, o que é fundamental para obter polpudos contratos de publicidade, e depois o assunto de lado, como se nunca tivesse ocorrido, substituindo-o por outro drama do cotidiano (que é fartíssimo deles).

Tal comportamento, portanto, é corriqueiro e sumamente usual. Pitigrilli acentuou, num de seus contos: "O homem explora no seu semelhante todo o explorável; a calvície, a piorréia, a obesidade, a estupidez, a ilusão, a esperança, a vaidade; especula com o delito, com a doença, com a imoralidade e a moralidade; inventa novos vícios para vender novas drogas, inventa novas inquietações para vender novas consolações".

Na sociedade atual, tudo se resume a consumo. Mesmo que o objeto consumido sejam vidas. O lamentável caso, em que uma jovem de 22 anos, bonita, talentosa e bem casada acabou vítima das circunstâncias, das suas próprias virtudes, me faz recordar um poema de T. S. Eliot, que diz: "Três condições freqüentemente se assemelham:/flores que são da mesma sebe, embora/sejam completamente diferentes;/o apego a coisas, a pessoas e a si próprio,/o desapego a si, a coisas e pessoas – e/entre ambos a indiferença crescendo como urtigas/que a ambas se parece quanto a morte e vida/o estar entre a vida e a morte/entre a sensitiva morta e viva". O poeta tem ou não tem razão? Claro que sim!

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