Monday, July 30, 2007

Exercício de bom-senso


Pedro J. Bondaczuk


O tema e a técnica são indissociáveis para a elaboração de um bom texto, destinado a perdurar e não ser simplesmente consumido, como um produto "prêt-à-porter", que se usa e joga fora. Um sem o outro não se realiza plenamente. De nada vale ter um bom assunto, passar mensagens consistentes, mas de forma atabalhoada e incompetente, com linguagem empolada e pedante. Ou eivada de erros gramaticais. Antes de tudo, é preciso o domínio da gramática. O mínimo que se exige de um redator é que ele grafe corretamente as palavras, que seja exímio na concordância, que aplique corretamente a regência verbal, as regras de pontuação, acentuação e todas as normas existentes no idioma. O outro pressuposto básico é que seja claro. Que se faça entendido tanto pelo erudito, quanto pelo cidadão comum das ruas que, embora saiba ler, não tenha preparo intelectual ou disposição para fazer algumas "ginásticas mentais". A regra de ouro de quem vive de escrever (e ademais para qualquer coisa que se faça) é o bom-senso.

E precisa ter o que dizer. É necessário transmitir alguma coisa que valha a pena preservar, que seja uma dessas verdades eternas, incorruptíveis, que não sofram nunca a ação do tempo, mesmo que estritamente pessoais. Faço esse questionamento, comigo mesmo, todos os dias. Indago-me o que tenho a ensinar aos outros que eles não possam aprender com uma pessoa mais apta, ou melhor preparada, ou com mais talento ou mais experiente. Procuro colocar meus textos sempre em forma coloquial, como em uma conversa entre amigos, de maneira fluente e natural, embora muitas vezes não resista à tentação e descambe para o discursivo, o retórico, o bombástico, quando não o dogmático. Raros são os ensaios, crônicas, poemas ou contos que escrevo que me agradam. Procuro manter em dia a autocrítica e só divulgo aquilo que passa antes pelo crivo alheio, em geral de pessoas que me não são ligadas por laços de amizade.

Não basta, contudo, contar com um bom tema e dominar a técnica para se tornar um bom escritor. É necessário contar com um canal de divulgação, que faça chegar ao destinatário, ao consumidor, ao público-alvo, ao leitor, aquilo que é escrito. Trata-se do meio para completar a obra. Este também é necessário para a própria elaboração do que se está escrevendo. O escritor (ou redator de jornal) precisa dispor de fontes de informação e pesquisa acessíveis, confiáveis e seguras, já que é inconcebível que saiba tudo de tudo. Ninguém sabe!!!

A propósito desses recursos, que permitem a elaboração de trabalhos consistentes, com possibilidades de perdurar, Mário de Andrade observou: "O artista de mais nobres intenções sociais, o poeta mais deslumbrado ante o mistério da vida, o romancista mais piedoso ante o drama da sociedade poderão perder até noventa por cento do seu valor próprio se não tiverem meios de realizar suas intenções, suas dores e deslumbramentos. Ou então qualquer contista de semanário religioso seria melhor que Machado de Assis! E os meios de realizar intenções e deslumbramentos só podem vir da técnica e da criação da forma".

Daí minha contestação em relação a certas "estrepolias literárias" cometidas por muitos escritores contemporâneos, que tornam seus textos ininteligíveis. Seus livros até atraem pelos títulos. Quando os adquirimos, nos sentimos roubados. Sequer entendemos o que pretenderam transmitir. Alguns desperdiçam temas excepcionais com a ostensiva falta de perícia no domínio da técnica. Outros, esbanjam tanto tecnicismo, que ofuscam a verdadeira razão do texto, que é a mensagem. Há, por exemplo, os que se auto-rotulam de "pós-modernistas" que devem escrever para malucos, tamanha é a confusão que fazem. O que escrevem, embora em língua portuguesa, acaba por não fazer o mínimo sentido. Há, igualmente, os "desconstrutivistas", que "desconstroem", ou seja, arruinam a linguagem. E por que? Para que? Com que finalidade? Para comunicar idéias, deslumbramentos, dores ou emoções certamente não é.

Quando inseguro, recorro ao bom-senso. Busco seguir o conselho de André Gide, citado no livro "Vozes da França", de André Maurois, que recomenda: "O que qualquer outro poderia fazer tão bem como tu, não o faças; o que qualquer outro poderia dizer tão bem como tu, não o digas, o que poderia escrever tão bem, não escrevas. Só te deixes seduzir em ti pelo que sentires não existir em parte alguma, a não ser dentro de ti mesmo. E faze de ti mesmo, paciente ou impacientemente, o mais insubstituível dos seres".

O que procuro passar para os leitores? Sabedoria? Técnica? Não! Busco transmitir minhas experiências pessoais, patrimônios únicos, pois ninguém é como eu. Procuro registrar em texto minha forma de encarar o mundo e essa experiência fascinante e perigosa, que é a vida. Sou original. Sou único. Há uma infinidade de pessoas melhores. Há outra alguns degraus abaixo. Iguais, certamente, não existem. Este é o bom-senso que aplico em meus textos.

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