Wednesday, July 18, 2007

Dilúvio de versos


Pedro J. Bondaczuk

A poesia, embora seja, no meu entender, o mais nobre dos gêneros literários, padece, de uns tempos para cá, de um grande, diria enorme, problema: a crescente e crônica falta de leitores e, por conseqüência, de editores. Poetas de primeiríssima grandeza têm dificuldades cada vez maiores de publicar suas obras. As editoras argumentam que, a menos que se trate, por exemplo, de um Carlos Drummond de Andrade, para citar apenas um dos mais consagrados autores nacionais, seus livros não vendem. Encalham nas prateleiras das livrarias e dão prejuízos. Trata-se, porém, de imenso equívoco. Encalhes existem em todos os gêneros e não se devem à qualidade das obras. As causas são outras, e muitas.
Reclama-se, por exemplo, da falta de renovação dos bons poetas no cenário nacional. Como renovar, porém, se eles encontram tamanha má-vontade por parte das editoras (e de editores dos meios de comunicação)? Como toda obra, a poesia precisa de divulgação para ser conhecida e consumida. Afinal, quem não aparece, se esconde. E, para aparecer, é indispensável que haja espaço para isso. Estranho, sobretudo, essa postura de desdém de inúmeros jornalistas em relação ao gênero, já que poesia e jornalismo guardam estreita relação. Calma, amigo, me explico.
E a explicação que tenho a dar a declinei no prefácio do excelente livro “Romance do Emparedado”, do poeta pernambucano Talis Andrade, que mereceria, pelo seu talento, maior (muito maior) reconhecimento do que recebe. Afirmei, no referido texto (e reitero agora): “A poesia – sabiam bem os gregos – é um instrumento pedagógico por excelência. Pena que não venha sendo utilizada com esse fim. Era através dela que, na Grécia Antiga, conhecimentos, informações e sobretudo tradições, eram transmitidos de uma geração a outra. Ela exercia o papel que cabe, hoje, aos meios de comunicação contemporâneos”.
E prossegui: “Não havia (de início) registros escritos. Os poemas eram compostos e, posteriormente, decorados e assim difundidos através dos anos, de séculos até. E foi graças a essa forma de transmissão que nos chegaram, desse passado tão remoto, as geniais epopéias “Odisséia” e “Ilíada” de Homero, entre outras obras. Pode-se dizer, pois, que o poeta foi o jornalista primitivo, aquele que, de uma certa forma, deu origem a esse profissional tão controvertido e glamourizado dos nossos tempos”.
Concluí o citado prefácio com esta explicação: “Claro que a atuação de ambos difere tanto na linguagem quanto em suas concepções. O poeta, por exemplo, lida com o interior, com a psiquê, com a imaginação e, sobretudo, com os sentimentos, com a alma humana, com a emoção. Sua atuação é de dentro para fora. É, portanto, subjetivo por excelência. Já o jornalista tem na objetividade a sua linha de conduta. Reporta (ou pelo menos deveria fazer assim), tudo o que vê, ouve ou toma conhecimento por qualquer outro meio de informação, como a leitura, por exemplo. Tem, como matéria-prima, os fatos, nus e crus. Não lhe compete fazer juízo de valor. Seu papel é o de retratar a realidade (ou o que entende como tal), com a máxima veracidade e isenção”.
Tenho o hábito não somente de ler (e escrever) poesia, mas de pinçar, de cada poema que leio, determinada metáfora que se destaca, um verso-chave, uma visão original do autor sobre o tema que traz à baila e assim por diante. Coleciono essas maravilhas em uma volumosa pasta, até como exercício de edição. Peço licença ao leitor para reproduzir, abaixo, algumas dessas pérolas, que separei, aleatoriamente, para esse fim:


“Há sol, muito sol, há um dilúvio de sol”.
(Hermes Fontes).

“O teu rosto belo
ó palavra esplende
na curva da noite
que toda me envolve”.
(Carlos Drummond de Andrade).

“Anda sempre tão unido
o meu tormento comigo,
que eu mesmo sou meu perigo”.
(Luiz Vaz de Camões).

“Ah! Os caminhos da vida
ninguém sabe onde é que estão”.
(Augusto Meyer, versos do poema “Canção do Negrinho do Pastoreio”).

“O dia é geográfico
a noite é universal,
mas, se Deus ouvir rádio,
ouvirá o meu grito:
por que a noite nos une
e o dia nos separa?”
(Cassiano Ricardo, versos do poema “Coroa Mural”).

“E eu morrendo! E eu morrendo,
vendo-te e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo
tão bela palpitar nos teus olhos, querida,
a delícia da vida! A delícia da vida!”
(Olavo Bilac, versos do poema “In Extremis”).

“Clamo, e não gemo, avanço, e não rastejo,
e vou de olhos enxutos e alma leve
à galharda conquista do teu beijo”.
(Vicente de Carvalho, terceto final do soneto “Velho Tema-II”).

“Eu também procuro uns olhos,
que nunca me procuraram”.
(Menotti del Pichia, versos do poema “A Serenata”).

“Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem!
E de meu erro a punição cruenta
da mesma glória que elevou-me aos astros,
chorando aos pés da cruz hoje padeço”.
(Fagundes Varela, versos do poema “Cântico do Calvário”).

“Há pó de estrelas pelas estradas...
E por estradas enluaradas
eu sigo às tontas, cego de luz...”
(Raimundo Correia, versos do poema “Plenilúnio”).

“Quem ama inventa as penas em que vive;
e, em lugar de acalmar as penas, antes
busca novo pesar com que as avive.

Pois sabei que é por isso que assim ando;
que é dos loucos somente e dos amantes
na maior alegria andar chorando”.
(Olavo Bilac, tercetos do soneto “Via Láctea-VI”).

“Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro
é sentir todo o seio palpitando...
cheio de amores
e dormir solteiro!”
(Álvares de Azevedo, último terceto de “Soneto”).

“Minh’alma murcha, mas ninguém entende
que a pobrezinha só de amor precisa!”
(Casimiro de Abreu, versos do poema “Minh’alma é triste”).

“Ponte suspensa sobre o grande abismo,
dentro de mim caminho passo a passo.
Há sombras que se agitam quando cismo
em outras dimensões fora do espaço”.
(Paulo Bonfim).

“Estou pregado ao rochedo de Lyso Hora
de todos os lados águias estrangeiras me despedaçam”.
(Ondra Lisohorsky, poeta checo).

“E meu verso me agrada.
Meu verso me agrada
sempre...
Se meu verso não deu certo,
foi seu ouvido que entortou”.
(Carlos Drummond de Andrade).

Ver a vida passar
significa ver
uma vida
que não é tua
A vida vivida
escoa
em outras ruas
(Talis Andrade, poema “O rio uma rua”, do livro “Romance do emparedado).


Poetas de qualidade, que sabem juntar forma e substância, razão e emoção, paixão e inteligência, há em abundância pelo mundo afora. Do que carecem é de divulgação. Do que precisam é de pessoas que saibam não somente interpretar, mas, sobretudo, “sentir” os poemas. O que requerem é atenção e valorização por parte dos editores e, principalmente, dos leitores.
O poeta, porém, apesar de no fundo se tratar de um sonhador, é, sobretudo, pragmático e de pés no chão: é um lutador. Apela para os mais diversos e engenhosos meios para fazer chegar ao destinatário final da sua obra o fruto do seu talento e inspiração. Essa pequena amostra comprova, de sobejo, o que afirmo (e reafirmo sempre que posso), que quem não “consome” poesia fica privado do privilégio de conhecer de perto a beleza, a transcendência e a grandeza que só esses artesãos da palavra são capazes de trazer à luz. .

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