Tuesday, July 03, 2007

Como uma criança


Pedro J. Bondaczuk


O homem carrega dentro de si, por toda a sua vida, o menino que um dia foi. Embora seja uma constatação óbvia, uma verdade evidente e demonstrável, e até um clichê, de tanto que é citada, muitos não a entendem e até se sentem ofendidos se alguém lhes diz que estão agindo "como crianças". Deveriam se orgulhar.

Não importa que ostentemos ares de sisudez, por achar que essa postura nos confere respeitabilidade e maturidade. Aliás, o amadurecimento verdadeiro implica em não abrir mão de uma parte relevante da existência: a infância. Tenhamos a idade que tivermos, temos necessidade até física de brincar, de dar asas à imaginação, de criar e viver fantasias.

O que são os esportes senão saudáveis brinquedos para marmanjos? E no entanto, nenhum esportista é tratado como criança. Há pessoas que exageram em suas brincadeiras, tanto em sua natureza, quanto na dose e na oportunidade.

Tive um amigo, já falecido, que não levava nada a sério: nem trabalho, nem casamento, nem estudos, nem coisa alguma. Vivia aprontando travessuras para cima dos outros, amigos ou inimigos, democraticamente. Não ligava para as conseqüências. Por isso, muitas vezes metia-se em encrenca, que sempre alguém da nossa turma o salvava. Mas era simpático o danado! Todos gostávamos dele. Chamemo-lo de João, apenas para dar-lhe um nome.

Era daquele tipo que não podia ver ninguém quieto sem logo aprontar alguma malvadeza, como amarrar os cadarços dos tênis um no outro, quando algum de nós estivesse distraído, para que tropeçássemos e caíssemos ao nos levantar; ou tirar uma cadeira subitamente, quando fôssemos nos sentar; ou outra gracinha (incômoda) do gênero.

O engraçado é que ninguém ficava irritado de verdade com o brincalhão. O máximo que lhe ocorria, quando aprontava para algum de nós, era ouvir um palavrão mais áspero, um "elogio" à sua querida genitora, que ele recebia, em geral, com uma gargalhada. Às vezes mexia com estranhos e até aparecia com o olho roxo. Nem todos têm o espírito esportivo que nós tínhamos.

O máximo de brincadeira de mau-gosto que o João aprontou foi um seqüestro (ou seria um rapto?). O delito somente não adquiriu dimensões mais graves porque a vítima era um de nós (prefiro não revelar quem). Hoje, quando a turma se reúne e lembra o fato, todos riem, até com certa nostalgia, com saudade do amigo falecido. Mas na ocasião, provocou brigas entre nós. Vamos ao caso:.

Alguém de nós ía casar-se e resolveu convidar o João para padrinho de igreja. Por que não? Apesar de suas molecagens, gostávamos dele. Não nos largávamos uns dos outros. O companheirão, a princípio, não levou o convite a sério, como ademais não levava coisa alguma. Quando se convenceu que não se tratava de brincadeira, aceitou.

Como o João tivesse automóvel, ficou combinado que ele seria o encarregado de levar o noivo para a igreja, a do Liceu Nossa Senhora, na Avenida Barão de Itapura, em Campinas.

Na data marcada, nosso amigo compareceu todo engravatado, trajando um terno do último figurino, com uma elegância de fazer inveja. Nunca o víramos nessas roupas, justo ele que adotava o estilo esportivo. Na hora combinada, lá estava ele, aparentemente compenetrado do seu papel de padrinho. Parecia mais nervoso do que o próprio noivo, andando de um lado para o outro, impaciente, enquanto este acabava de se vestir.

A igreja estava lotada. Como os nubentes (eta palavrinha chata!) tivessem uma parentela muito grande, essa superlotação era de se esperar. O casamento estava marcado para as 17 horas e o padre havia recomendado que não houvesse atraso.

Às 17h30, como de costume (já é uma tradição), a noiva chegou, meia hora atrasada. Os músicos estavam a postos e os convidados na expectativa. O calor na igreja era insuportável, pois era fevereiro, época de pleno verão. Mas, cadê o noivo? Pergunta daqui, indaga dali e ninguém sabia.

O padre, impaciente, chegou por duas ou três vezes à porta, para perguntar aos outros padrinhos o que estava ocorrendo para causar tamanho atraso. Disse que tinha mais dois casamentos para fazer nesse dia e que iria esperar no máximo mais quinze minutos, não mais.

A noiva estava a ponto de desmaiar. Deram-lhe água com açúcar. Sabem o que ocorreu? Simples. O João resolveu aprontar das suas. Era o que faltava! Cismou de "seqüestrar" o noivo. Deu voltas e mais voltas pela cidade, enquanto o tempo passava e a aflição deste crescia quase ao ponto de se transformar em apoplexia. Às 18 horas, finalmente, resolveu pôr fim à brincadeira. E o casamento saiu, para alívio geral. Era ou não um pilantra, esse João? Saudoso e inesquecível companheiro, que se esqueceu de crescer!

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