Wednesday, June 02, 2010




Na ordem do dia

Pedro J. Bondaczuk

A Seleção Brasileira, comandada pelo tão criticado (porém eficiente) Dunga, já está em Johannesburgo, na África do Sul, desde 26 de maio de 2010, à espera do início da histórica Copa do Mundo (todas são históricas, mas esta tem característica especial, por se tratar da primeira a ser disputada em solo africano). Foi a segunda delegação a chegar ao grande palco desse apaixonante espetáculo.
A primeira foi a equipe da Austrália que, ao que tudo indica, não deve passar de mera figurante da competição. Tudo bem, em futebol tudo pode acontecer. E vocês já pensaram se a seleção australiana contrariar todos os prognósticos e for a vencedora?! Barbaridade!! Será, certamente, a maior zebra de todos os mundiais.
Mas... arrisco-me a dizer que não há a menor chance disso acontecer. Ou, para fazer ligeira concessão, a probabilidade de uma surpresa de tamanho porte é a mesma de um dia eu ganhar sozinho na megassena. Ou seja, zero vírgula e uns trinta outros zeros sucedidos pelo número um por cento. É, pois, como aquela proposição da matemática, de “limites e derivadas” (que no meu tempo de escola se estudava no terceiro científico). Ou seja, “com delta tendendo a zero”.
Como se vê, o futebol está na ordem do dia. E assim estará por pelo menos os próximos cinqüenta dias. Isso, se o Brasil não ganhar a Copa. Caso vença a competição. e pela sexta vez na história... o assunto, certamente, se prolongará até o final do ano ou mais.
A exemplo do que já fiz, recentemente, quando do aniversário de Brasília, me proponho a fazer destes modestos e descompromissados editoriais diários uma espécie de painel temático sobre o assunto em evidência no momento. Claro, relacionando-o à literatura. Pretendo informar e comentar, posto que resumidamente, como nossos principais escritores trataram (e vêm tratando, obviamente) esse estranho esporte nascido na Inglaterra e que se tornou tão popular no mundo todo.
O que torna esse tipo de competição tão empolgante, e, por conseqüência, tão apaixonante? Afinal, ao contrário do basquete, do beisebol e do vôlei, um jogo de futebol prevê a possibilidade do empate. E até por 0 x 0, ou seja, oportunidade em que nenhum dos dois oponentes consegue atingir o principal objetivo do esporte, que é o gol.
Presumo que aquilo que apaixone o espectador e o torne, não raro, até enlouquecido, é justamente a dificuldade de somar pontos. Apesar da largura e da altura da meta, quando jogam duas equipes de qualidade ao menos parecida, chegar ao “goal” (ou, em sua forma aportuguesada, ao gol) é uma façanha e tanto!
Chegamos, pois, à época que, desde 1950, vem se repetindo, ininterruptamente, a cada quatro anos, em que 192 milhões de brasileiros (atualmente, claro) se transformam em técnicos de futebol. Até os que confessam não apreciar o esporte, durante as copas do mundo fazem, lá, uma concessão e se transformam em fanáticos torcedores. E mais, em “especialistas” da matéria. Estima-se que pelo menos dois bilhões de pessoas, ao redor do mundo, irão “testemunhar” os embates pela televisão. Creio que serão muitos mais.
É a época dos meios de comunicação tirarem a barriga da miséria, com a infinidade de propagandas alusivas ao evento. E das agências de publicidade fazerem seus pés de meia também. Rola muito dinheiro, copiosamente, indecentemente, com fartura, em uma copa do mundo. De uma forma ou de outra, uns mais e outros menos, todos acabam com alguma fatia desse imenso bolo financeiro. É certo que, como em tudo na vida, há quem se aproprie de um ‘pedação” dele, deixando para a maioria microscópicas migalhas.
A mídia, certamente, alçará à condição de “heróis” determinados jogadores, enquanto que outros descerão ao “inferno” da humilhação e serão tidos e havidos como “vilões”. O futebol, há muito, deixou de ser meramente um espetáculo, uma forma inocente de diversão das massas. Para uns, transformou-se em meganegócio. Para outros, numa espécie de ópio, para esquecer de fracassos e sucessivos tombos na vida. Para outros, ainda, numa espécie de “religião” dos tempos modernos, dada a tremenda necessidade humana de erigir ídolos para adorar.
Exagero meu?! Observe os torcedores, em um estádio de futebol, em dias de grandes clássicos. Alguns ficam enlouquecidos, ou de alegria, ou de ira contra o árbitro e os adversários. Ou melhor ainda, observe as próprias reações e, sobretudo, sentimentos, ao longo de um jogo que envolva o clube da sua preferência.
O seu lado racional, aquele coberto por delgadíssima camada desse verniz que chamamos de “civilização”, cochichará, cautelosamente, em seu ouvido, que a disputa que você está assistindo não é mais do que mera brincadeira de marmanjos, que não tem a mínima importância em sua vida. Claro que você tratará de calar, com um repelão irritado, essa incômoda voz do bom-senso. Porquanto o seu lado primitivo, instintivo e obscuro, haverá de prevalecer, exigindo a vitória a qualquer custo da equipe das cores que você optou algum dia por apoiar, por se apaixonar e por idolatrar.
Claro que mesmo sabendo disso tudo, não sou melhor do que ninguém nesse aspecto. Talvez seja, até, um pouquinho (ou um tantão, sei lá) pior. Quem duvidar, é só me acompanhar ao Majestoso, em Campinas, em dia de jogo da Ponte Preta, meu time do coração há já meio século. O sujeito ponderado e sereno, do cotidiano, se transforma por completo, se metamorfoseia tal como o pacato Mister Hyde vira o Doutor Jekyll, em “O médico e o monstro”, de Robert Louis Stevenson, e fico enlouquecido, apoplético, ensandecido com as peripécias (positivas ou negativas) dos que vestem o uniforme pontepretano e representam o clube mais velho em atividade no Brasil. Por que ajo assim? Como explicar o inexplicável?!

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