Monday, June 07, 2010




Craque conquista a sua Copa

Pedro J. Bondaczuk

O Mundial de Futebol na África do Sul nem começou, mas um craque brasileiro já conquistou a sua Copa. Não se trata, vou logo informando, de nenhum dos selecionados por Dunga. Não joga em nenhum grande clube europeu e nem veste a camisa dos times nacionais. Aliás, nem mesmo é jogador de futebol, embora seu pai tenha sido. Se fosse, certamente seria daqueles craques polivalentes, como o Daniel Alves, por exemplo, dos tais que exercem várias funções e todas com competência e perícia.
Nosso brasileiro, que acaba de conquistar a sua Copa (e a do Brasil também, por que não) é um poeta. Nasceu no Maranhão, terra de grandes escritores (como Humberto de Campos, por exemplo, entre centenas de tantos outros). Não se trata de nenhum neófito, de algum jovem recém-saído da adolescência (pelo contrário!). Aos 80 anos, dotado daquela sabedoria que brilha muito mais intensamente com o reforço da experiência, há tempos vem dando “show de bola”, ou melhor, “show de inspiração”, no panorama literário nacional (e agora internacional).
Refiro-me a José Ribamar Ferreira. Vocês não conhecem? Claro que conhecem! E se eu disser que assina suas obras literárias como Ferreira Gullar melhora? Ah, agora sim. Duvido que haja alguém razoavelmente culto ou minimamente bem-informado que não o conheça. E doravante, com a repercussão da sua conquista, vão conhecer muito mais. Da minha parte, sou seu fã de carteirinha, desses que devoram tudo o que ele escreve e faz questão de colecionar, para reler sempre que a mesmice reinante estiver causando tédio e irritação.
E qual foi a Copa que o poeta conquistou? Foi, nada mais nada menos que o maior prêmio literário de língua portuguesa, o Camões. O anúncio da sua conquista foi feito em 31 de maio de 2010, em Lisboa, e surpreendeu muita gente (não a este Editor).
Edla von Steen, integrante do júri, justificou a escolha (como se fosse necessária alguma justificativa para uma premiação tão justa). “Ele tem um estilo moderno, muito ágil, é um poeta de um grande vigor, com originalidade”. E como é!
Outro jurado, que a exemplo de Edla também é brasileiro (os demais são portugueses, angolanos e moçambicanos), Antonio Carlos Secchin, considera que a escolha de Ferreira Gullar “vem dar maior peso ao Prêmio Camões”. Concordo plenamente, em grau, gênero e número. “É um caso raro de um poeta que agrada, simultaneamente, ao grande público e à crítica mais exigente. É um poeta insatisfeito com os rumos da poesia e que a todo momento está se reinventando”, acrescentou. Igualmente, tem minha plena e total concordância!
Ferreira Gullar torna-se, dessa maneira, o segundo brasileiro a conquistar o Prêmio Camões, em suas 22 edições. É mister que se frise que, em 2002, já havia sido indicado ao Nobel de Literatura e deve ter, certamente, balançado a cabeça dos membros da Academia Sueca responsáveis por essa premiação. Quem sabe não conquista esta máxima láurea literária ainda em 2010! Bala na agulha, para isso, o poeta maranhense tem e de sobejo.
Antes dele, apenas o pernambucano João Cabral de Melo Neto havia sido premiado com o Camões. Como se vê, está em excelente companhia. É mister que a literatura brasileira seja mais divulgada além-fronteiras. Se (ou quando) o for, vários outros dos nossos poetas e ficcionistas irão colecionar sucessivos prêmios, tenho absoluta certeza.
Nesta altura, aquele leitor chato (que gosto tanto de zoar) deve estar resmungando: “O Editor não prometeu escrever por cinqüenta dias consecutivos temas simultaneamente relacionados a literatura e ao futebol? Pois é, e o que o Prêmio Camões tem a ver com isso?”.
A premiação, concordo, não tem nada a ver, mas o premiado tem. Em sua vasta e eclética obra, volta e meia o esporte das multidões é mencionado. Às vezes, a menção é meramente incidental e às vezes específica. No primeiro caso, está este trecho do seu célebre “Poema sujo”, em que ele diz, em determinada parte: “bela bela/mais que bela//mas como era o nome dela?/Não era Helena nem Vera/nem Nara nem Gabriela/nem Tereza nem Maria./Seu nome seu nome era.../Perdeu-se na carne fria/perdeu-se na confusão de tanta noite e tanto dia/perdeu-se na profusão das coisas acontecidas/constelações de alfabeto/noites escritas a giz/pastilhas de aniversário/domingos de futebol...”.
Quanto a poema específico, destaco a composição “O gol”. E vocês querem algo mais importante do que o clímax desse apaixonante esporte? Pois é, e Ferreira Gullar explora esse momento mágico e transcendental como ele merece, com magia e transcendentalidade. Leiam e certamente concordarão comigo: “A esfera desce/do espaço/veloz/ele a apara/no peito/e a pára/no ar/depois/com o joelho/a dispõe a meia altura/onde/iluminada/a esfera/espera/o chute que/num relâmpago/a dispara/na direção/do nosso coração”. E é um gol, mais um gol, um golaço desse brasileiro que, merecidamente, já ganhou a sua Copa. Agora é a vez dos comandados de Dunga!

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