Fonte inesgotável
Pedro J. Bondaczuk
A crônica é o gênero mais utilizado em livros que versam sobre futebol. Não me refiro, óbvio, aos tantos almanaques que as editoras se apressam em lançar em anos de Copa do Mundo. Claro que não subestimo a importância desse tipo de publicação.
Ele tem, sim, utilidade, e muita, sobretudo como material de pesquisa para repórteres, colunistas, locutores esportivos (de rádio e TV), comentaristas etc. São importantes registros históricos da maior competição da modalidade – e que, em termos de interesse do público, supera o despertado por Olimpíadas – que fundamentam e conferem exatidão a outros textos sobre futebol, literários ou não.
E por que a crônica é o gênero predileto quando se pretende uma abordagem mais livre, menos específica e menos técnica sobre o assunto? Porque, embora contando com inequívocas características da Literatura, esses livros acerca do esporte das multidões são, via de regra, escritos por jornalistas. Alguns, até mesmo, aproveitam suas melhores colunas publicadas em jornais, selecionam as que mantenham nexo entre si, e as encaminham às editoras. Pronto, está composto um bom livro sobre o tema.
Outros (poucos, é verdade), redigem textos exclusivos e inéditos. Mas raros se aventuram a explorar o assunto de forma ficcional. Acham mais fácil recorrer a crônicas. Daí a predominância desse gênero quando se trata de escrever sobre futebol.
Isso não quer dizer, claro, que não haja contos sobre este apaixonante esporte. E muito menos que não haja escritores que não passaram sequer nos arredores de uma redação de jornal escrevendo a respeito. Há, e muitos, e bons. Mas a desproporção em relação aos que se utilizam de crônicas para tratar do assunto é avassaladora.
Um dos casos que se constituem quase que em exceção a essa regra, por exemplo, é o dessa antologia – relançada em época de Copa do Mundo pela terceira vez consecutiva – intitulada “22 Contistas em Campo”, organizada e coordenada por Flávio Moreira da Costa.
O futebol (quer envolva seus principais personagens, jogadores, técnicos e árbitros; quer quando se enfoca os que orbitam ao seu redor, como torcedores, cartolas, empresários etc.), é riquíssimo e inesgotável filão de histórias. Conta com uma carga dramática como poucas atividades têm. Exemplo?
Tomemos esse personagem do esporte, catalisador das iras das várias torcidas (creio que reúna unanimidade negativa ao seu redor) figura das mais odiadas e execradas por muitos, mas indispensável para a realização de um jogo de futebol (e não me refiro às peladas, claro): o árbitro. A maioria prefere chamá-lo, impropriamente, de “juiz”.
Imaginem as pressões (e tentações) que o sujeito que assume essa tarefa sofre antes, durante e depois de uma partida! Se for decisiva, então, como uma Copa do Mundo (e nem precisa ser a final), a coisa se multiplica exponencialmente.
No futebol profissional, trata-se do único personagem não profissionalizado. Não tem, nem mesmo, salário fixo. Depende de cotas de arbitragem e para recebê-las, tem, antes, que ser escalado. Nenhum árbitro se escala. Se passar, digamos, um mês sem apitar, não receberá um único centavo do futebol, ao contrário de jogadores e de técnicos.
Além da preparação técnica, do necessário pleno domínio das 17 regras do esporte, tem que se manter em “cima dos cascos”, como se diz na gíria. Contudo, não conta com a assistência de nenhum fisicultor que lhe facilite a obtenção (e manutenção) do bom preparo físico que lhe é indispensável. Contudo, é o sujeito que mais precisa correr em campo.
Os jogadores têm uma trégua (na verdade, inúmeras), dependendo do andamento do jogo. O árbitro, não. Tem que correr o tempo todo. Ademais, é o personagem de futebol mais exposto às várias discriminações, notadamente a racial. Mas ao contrário dos atletas, que quando vítimas de preconceito contam com legiões de adeptos que saem em sua defesa, esse sujeito, que não pode errar, não conta com ninguém. Esse aspecto, aliás, é enfocado muito bem pelo escritor João Antonio, no conto “O Juiz”, que integra o livro “22 Contistas em Campo”.
Bruno Dorigatti observou o seguinte sobre este texto específico: “O Juiz, de João Antonio, sofre com o racismo dos paranaenses em Londrina, num convincente retrato das idiossincrasias que cercam um árbitro de futebol, a violência verbal, que por vezes chega às vias de fato, a pressão de apitar um jogo decisivo e tentar se mostrar equânime, a pilha errada que a imprensa enlatada (para se apropriar do termo que João Saldanha utilizava) costuma colocar para incendiar a torcida contra o dono do apito”.
Esse é apenas um dos milhares de exemplos que mostram o quanto de carga dramática cerca e envolve os personagens de um jogo de futebol. Só sobre o juiz, é possível escrever romances e mais romances, contos e mais contos, todos atrativos e originais, dependendo, claro, da criatividade do escritor. Que tal tentar?
Pedro J. Bondaczuk
A crônica é o gênero mais utilizado em livros que versam sobre futebol. Não me refiro, óbvio, aos tantos almanaques que as editoras se apressam em lançar em anos de Copa do Mundo. Claro que não subestimo a importância desse tipo de publicação.
Ele tem, sim, utilidade, e muita, sobretudo como material de pesquisa para repórteres, colunistas, locutores esportivos (de rádio e TV), comentaristas etc. São importantes registros históricos da maior competição da modalidade – e que, em termos de interesse do público, supera o despertado por Olimpíadas – que fundamentam e conferem exatidão a outros textos sobre futebol, literários ou não.
E por que a crônica é o gênero predileto quando se pretende uma abordagem mais livre, menos específica e menos técnica sobre o assunto? Porque, embora contando com inequívocas características da Literatura, esses livros acerca do esporte das multidões são, via de regra, escritos por jornalistas. Alguns, até mesmo, aproveitam suas melhores colunas publicadas em jornais, selecionam as que mantenham nexo entre si, e as encaminham às editoras. Pronto, está composto um bom livro sobre o tema.
Outros (poucos, é verdade), redigem textos exclusivos e inéditos. Mas raros se aventuram a explorar o assunto de forma ficcional. Acham mais fácil recorrer a crônicas. Daí a predominância desse gênero quando se trata de escrever sobre futebol.
Isso não quer dizer, claro, que não haja contos sobre este apaixonante esporte. E muito menos que não haja escritores que não passaram sequer nos arredores de uma redação de jornal escrevendo a respeito. Há, e muitos, e bons. Mas a desproporção em relação aos que se utilizam de crônicas para tratar do assunto é avassaladora.
Um dos casos que se constituem quase que em exceção a essa regra, por exemplo, é o dessa antologia – relançada em época de Copa do Mundo pela terceira vez consecutiva – intitulada “22 Contistas em Campo”, organizada e coordenada por Flávio Moreira da Costa.
O futebol (quer envolva seus principais personagens, jogadores, técnicos e árbitros; quer quando se enfoca os que orbitam ao seu redor, como torcedores, cartolas, empresários etc.), é riquíssimo e inesgotável filão de histórias. Conta com uma carga dramática como poucas atividades têm. Exemplo?
Tomemos esse personagem do esporte, catalisador das iras das várias torcidas (creio que reúna unanimidade negativa ao seu redor) figura das mais odiadas e execradas por muitos, mas indispensável para a realização de um jogo de futebol (e não me refiro às peladas, claro): o árbitro. A maioria prefere chamá-lo, impropriamente, de “juiz”.
Imaginem as pressões (e tentações) que o sujeito que assume essa tarefa sofre antes, durante e depois de uma partida! Se for decisiva, então, como uma Copa do Mundo (e nem precisa ser a final), a coisa se multiplica exponencialmente.
No futebol profissional, trata-se do único personagem não profissionalizado. Não tem, nem mesmo, salário fixo. Depende de cotas de arbitragem e para recebê-las, tem, antes, que ser escalado. Nenhum árbitro se escala. Se passar, digamos, um mês sem apitar, não receberá um único centavo do futebol, ao contrário de jogadores e de técnicos.
Além da preparação técnica, do necessário pleno domínio das 17 regras do esporte, tem que se manter em “cima dos cascos”, como se diz na gíria. Contudo, não conta com a assistência de nenhum fisicultor que lhe facilite a obtenção (e manutenção) do bom preparo físico que lhe é indispensável. Contudo, é o sujeito que mais precisa correr em campo.
Os jogadores têm uma trégua (na verdade, inúmeras), dependendo do andamento do jogo. O árbitro, não. Tem que correr o tempo todo. Ademais, é o personagem de futebol mais exposto às várias discriminações, notadamente a racial. Mas ao contrário dos atletas, que quando vítimas de preconceito contam com legiões de adeptos que saem em sua defesa, esse sujeito, que não pode errar, não conta com ninguém. Esse aspecto, aliás, é enfocado muito bem pelo escritor João Antonio, no conto “O Juiz”, que integra o livro “22 Contistas em Campo”.
Bruno Dorigatti observou o seguinte sobre este texto específico: “O Juiz, de João Antonio, sofre com o racismo dos paranaenses em Londrina, num convincente retrato das idiossincrasias que cercam um árbitro de futebol, a violência verbal, que por vezes chega às vias de fato, a pressão de apitar um jogo decisivo e tentar se mostrar equânime, a pilha errada que a imprensa enlatada (para se apropriar do termo que João Saldanha utilizava) costuma colocar para incendiar a torcida contra o dono do apito”.
Esse é apenas um dos milhares de exemplos que mostram o quanto de carga dramática cerca e envolve os personagens de um jogo de futebol. Só sobre o juiz, é possível escrever romances e mais romances, contos e mais contos, todos atrativos e originais, dependendo, claro, da criatividade do escritor. Que tal tentar?
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