Apartheid, podre na base, desmorona
Pedro J. Bondaczuk
O presidente sul-africano, Frederik de Klerk, é um desses raros políticos que surgem, de quando em quando, para tirar suas respectivas sociedades nacionais do buraco. Embora tenha desenvolvido toda a sua carreira de homem público dentro das regras do apartheid, teve a lucidez suficiente para perceber que a tirania, por mais força que possua, não consegue prevalecer eternamente.
Por isso, desde quando se candidatou à presidência, em agosto de 1989, colocou, como principal objetivo, como uma questão de honra, o fim do vergonhoso regime de segregação racial em seu país. Pouca gente, na ocasião, deu importância às suas promessas. Afinal, todo político, seja de que parte do mundo for, costuma prometer céus e terras, principalmente quando em campanha.
De Klerk assumiu a presidência em setembro de 1989, portanto há 21 meses. Nesse relativamente curto espaço de tempo, fez mais pela democracia de seu país do que todos seus antecessores juntos. Libertou, por exemplo, Nelson Mandela, que estava preso há 27 anos --- depois de um arremedo vergonhoso de julgamento --- em 20 de fevereiro de 1990.
Dali por diante, a sucessão de atos tendentes a pôr fim ao racismo institucionalizado foi de tal sorte rápida, que surpreendeu o mais ferrenho dos militantes dos grupos anti-apartheid, tanto internos, quanto no Exterior.
Não é difícil de se prever, contudo, que suas ações não deverão ficar sem reação. Grupos de extrema direita mobilizam-se, pregando abertamente a guerra civil para manter um sistema apodrecido nas bases, moralmente condenável até pelo mais pervertido dos homens, um absoluto anacronismo num tempo em que a humanidade se prepara para ingressar no terceiro milênio da Era Cristã. Certamente, qualquer atitude violenta dos racistas não ficará sem a devida resposta.
O próprio Nelson Mandela, na histórica coletiva de imprensa que concedeu em 10 de fevereiro de 1990, horas depois de libertado, deixou isso bastante claro. O líder nacionalista afirmou, na ocasião: "Nossa marcha para a liberdade é irreversível. Eu lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra. Acalentei o ideal de uma sociedade livre e democrática, na qual todas as pessoas pudessem viver em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal pelo qual eu pretendo viver e que pretendo conquistar. Mas se preciso for, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer".
É incrível que 46 anos após a derrota de Hitler, gente que pensa como ele ainda tenha espaço na vida pública. Ressalte-se que de Klerk, pelo que tem dito e feito, não aprecia e nem deprecia os negros. Trata-se de um homem pragmático e íntegro que percebeu o absurdo que é o sistema racista. Por isso, parece seguir o conselho do bispo anglicano sul-africano, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1984, Desmond Tutu, que sentenciou: "Não se pode reformar o regime do apartheid. É preciso eliminá-lo".
(Artigo publicado na página 44, Especial de contracapa, do Correio Popular, em 20 de junho de 1991).
Pedro J. Bondaczuk
O presidente sul-africano, Frederik de Klerk, é um desses raros políticos que surgem, de quando em quando, para tirar suas respectivas sociedades nacionais do buraco. Embora tenha desenvolvido toda a sua carreira de homem público dentro das regras do apartheid, teve a lucidez suficiente para perceber que a tirania, por mais força que possua, não consegue prevalecer eternamente.
Por isso, desde quando se candidatou à presidência, em agosto de 1989, colocou, como principal objetivo, como uma questão de honra, o fim do vergonhoso regime de segregação racial em seu país. Pouca gente, na ocasião, deu importância às suas promessas. Afinal, todo político, seja de que parte do mundo for, costuma prometer céus e terras, principalmente quando em campanha.
De Klerk assumiu a presidência em setembro de 1989, portanto há 21 meses. Nesse relativamente curto espaço de tempo, fez mais pela democracia de seu país do que todos seus antecessores juntos. Libertou, por exemplo, Nelson Mandela, que estava preso há 27 anos --- depois de um arremedo vergonhoso de julgamento --- em 20 de fevereiro de 1990.
Dali por diante, a sucessão de atos tendentes a pôr fim ao racismo institucionalizado foi de tal sorte rápida, que surpreendeu o mais ferrenho dos militantes dos grupos anti-apartheid, tanto internos, quanto no Exterior.
Não é difícil de se prever, contudo, que suas ações não deverão ficar sem reação. Grupos de extrema direita mobilizam-se, pregando abertamente a guerra civil para manter um sistema apodrecido nas bases, moralmente condenável até pelo mais pervertido dos homens, um absoluto anacronismo num tempo em que a humanidade se prepara para ingressar no terceiro milênio da Era Cristã. Certamente, qualquer atitude violenta dos racistas não ficará sem a devida resposta.
O próprio Nelson Mandela, na histórica coletiva de imprensa que concedeu em 10 de fevereiro de 1990, horas depois de libertado, deixou isso bastante claro. O líder nacionalista afirmou, na ocasião: "Nossa marcha para a liberdade é irreversível. Eu lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra. Acalentei o ideal de uma sociedade livre e democrática, na qual todas as pessoas pudessem viver em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal pelo qual eu pretendo viver e que pretendo conquistar. Mas se preciso for, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer".
É incrível que 46 anos após a derrota de Hitler, gente que pensa como ele ainda tenha espaço na vida pública. Ressalte-se que de Klerk, pelo que tem dito e feito, não aprecia e nem deprecia os negros. Trata-se de um homem pragmático e íntegro que percebeu o absurdo que é o sistema racista. Por isso, parece seguir o conselho do bispo anglicano sul-africano, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1984, Desmond Tutu, que sentenciou: "Não se pode reformar o regime do apartheid. É preciso eliminá-lo".
(Artigo publicado na página 44, Especial de contracapa, do Correio Popular, em 20 de junho de 1991).
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