Friday, June 18, 2010




Lembranças de um fracasso – III

Pedro J. Bondaczuk

Ao término da fase classificatória da Copa do Mundo de 1950, a probabilidade do Brasil sagrar-se campeão, em casa, era quase absoluta. Não passava pela cabeça de ninguém o mais remoto risco de fracasso. A superioridade técnica brasileira era gritante e saltava aos olhos do mais cético e feroz dos críticos. E essa supremacia ficaria ainda mais clara nos dois primeiros jogos do quadrangular final, vencidos com duas escandalosas goleadas.
Lembro-me, nitidamente, como se fosse hoje – e torno a frisar que na época eu tinha somente sete anos e meio de idade – que os adultos ao meu redor (meu pai, meus tios, os amigos destes etc.) diziam, sem esconder o intenso entusiasmo, que só uma “hecatombe” (e essa palavra, na ocasião insólita para mim, ficou gravadíssima em minha memória), uma catástrofe monumental, nos impediria de conquistar pela primeira vez a Jules Rimet.
A forma com que o Brasil garantiu sua classificação, vencendo, categoricamente, a segunda melhor seleção daquela Copa, a Iugoslávia, que praticava um futebol ao mesmo tempo técnico e artístico, como o dos brasileiros, tirou qualquer dúvida dos mais céticos e do mais renitente dos pessimistas. “É barbada”, dizia-se por todo o canto.
A torcida não via a hora de chegar o último jogo, marcado para 16 de julho, no Maracanã, que ninguém duvidava que seria o momento da grande apoteose, da consagração, do tão sonhado título. Sucediam-se as apostas sobre o placar da última partida e os palpites eram não só exagerados, como até absurdos. Afinal, tratava-se de futebol e não de basquete.
Na fase classificatória, O Brasil caiu no Grupo 1, que junto com o 2, contava com o maior número de seleções: 4. O três tinha só três competidores (Suécia, Itália e Paraguai), e o 4, só dois (Uruguai e Bolívia). Que moleza para os uruguaios!
Bastava que vencessem a seleção andina (que então, como hoje, só tinha alguma chance de vitória quando jogava nos mais de quatro quilômetros de altitude de La Paz), para se classificarem para o quadrangular final. Ou seja, fariam (como fizeram) um único e reles jogo na fase classificatória, e contra uma notória “galinha morta”. O restante do tempo poderiam aproveitar (como aproveitaram) para treinar. E o Uruguai fez o que seria a lógica. Massacrou a seleção da Bolívia por 8 a 0. Foi um passeio!
Nem me passou pela cabeça de menino que os campeões de 1930 significassem a mais remota ameaça para o esquadrão de ouro do meu país. Entendia (como a maioria das pessoas que na época observei) que o Uruguai seria o adversário mais fraco, derrotado por antecipação, no quadrangular decisivo. Meu temor (infundado, como se verá) era a badalada Suécia.
No Grupo 2 aparecia, pela primeira vez nas Copas do Mundo, a Inglaterra. Até então, o English Team não havia disputado nenhum mundial. Ainda assim, era tido e havido como o praticante do melhor futebol do mundo, uma espécie de Hors Concours” no planeta bola. Afinal, não foram os ingleses que inventaram esse esporte? Ademais, seu campeonato era (como, aliás, é hoje), um dos mais empolgantes e, seguramente, o mais organizado de todos os que eram disputados quer nas Américas, quer na Europa.
A Seleção da Inglaterra chegou ao Brasil com pompa e arrogância. A imprensa esportiva brasileira colocava-a como uma das favoritas, se não a favorita à conquista da Copa. Na estréia, o English Team venceu, sem grandes dificuldades, quase que esnobando o adversário, o Chile, por 2 a 0. Já a Espanha derrotava os Estados Unidos por 3 a 1. E dias depois, os espanhóis também derrotavam os chilenos, igualmente por 2 a 0.
Foi quando aconteceu aquela que é considerada até hoje uma das maiores “zebras” (na época, não se usava essa expressão) de todas as Copas. A toda poderosa e tão temida Inglaterra, inventora do futebol, onde já havia profissionalismo de fato e onde havia o campeonato mais organizado do mundo, foi derrotada, em Belo Horizonte, por uma equipe amadora, ingênua e tosca (que só obteve, mesmo, essa vitória nesse Mundial).
Perdeu para os Estados Unidos por 1 a 0 e teria que derrotar a Espanha se pretendesse se classificar para o quadrangular final. Não derrotou. Perdeu, também, por 1 a 0 e regressou a Londres, quietinha e na surdina, levando na bagagem esse grande mico. Os espanhóis classificaram-se nesse grupo.
O último classificado foi o selecionado da Suécia, aquele que lhes confidenciei que era o que mais eu temia. Os suecos venceram um e empataram o outro dos dois jogos que disputaram em seu grupo. Superaram a Itália (que veio para o Brasil com um time meia boca) por 3 a 2 e empataram com o Paraguai por 2 a 2.
Das 13 seleções que iniciaram a Copa, restaram, apenas, 4. Nove voltaram para casa, eliminadas. Chegara, pois, a hora da onça beber água. O campeão mundial de 1950 sairia entre Brasil, Espanha, Suécia e... Uruguai. “Este último não conta, é carta fora do baralho”, insinuava a imprensa, sem afirmar abertamente, e garantia a torcida, não dando a mínima para os uruguaios, segundo me lembro.

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