Tuesday, June 22, 2010




Lembranças de um fracasso – V

Pedro J. Bondaczuk

Acompanhei o jogo decisivo da Copa do Mundo de 1950 pelo rádio, na casa do meu melhor amigo de então (cuja amizade já persiste por 60 anos, apesar da distância e da falta de contato), o José Fernandes, que todos chamávamos de Zé Gordo, embora fosse magrinho e não justificasse o apelido. Torno a lembrar que, na oportunidade, eu só tinha sete anos e meio (meu aniversário é no começo do ano, em janeiro, no dia 20).
Por pouco fiquei privado de ouvir a transmissão desse momento que então acreditava que seria o mais feliz da minha vida de torcedor, que recém começava a se apaixonar pelo futebol. E que paixão! Meus pais não queriam que eu “perturbasse” os vizinhos. Mas em casa, proibiram que eu convidasse os amigos, principalmente depois da algazarra que nós aprontamos antes, durante e depois dos dois jogos anteriores, contra a Suécia e a Espanha, respectivamente.
O que eles queriam? Que ouvíssemos as transmissões dessas exibições fantásticas do Brasil caladinhos, como as pessoas adultas acompanham uma ópera? E, afinal de contas, éramos todos crianças, entre os sete e os doze anos. Tínhamos saúde, energia e muito, muito entusiasmo mesmo.
Depois de tanta birra, manha e choro, reprimidos com ameaças de boas chineladas, finalmente fui autorizado a ir à casa do Zé, onde a família dele preparara uma festa de arromba, principalmente com muitos doces e refrigerantes para nós, meninos. Os adultos – e havia mais de vinte deles reunidos na sala em torno de um potente rádio da marca Philco – se viravam com vários tipos de salgadinhos e cerveja, muita cerveja.
Uma semana antes, como já disse, eu e minha turminha havíamos acompanhado a transmissão das goleadas contra a Suécia e a Espanha. O grande destaque do Brasil, nos 7 a 1 impingidos à boa equipe sueca, num Maracanã lotado, com 138.386 pagantes, foi Ademir de Menezes. Fez quatro gols nesse jogo, façanha que só seria superada 44 anos depois, na Copa de 1994, nos Estados Unidos, por um atacante russo (cujo nome não me recordo), que balançou as redes adversárias por cinco vezes numa só partida.
Foi uma atuação soberba dos comandados de Flávio Costa – que tinha, então, no banco, como auxiliar técnico, alguém que oito anos depois conquistaria, contra essa mesma Suécia, e na casa dela, o primeiro título mundial do Brasil: o paulista Vicente Feola.
Além do centroavante do Vasco, Chico marcou duas vezes e Maneca completou o placar. Embora não tenha feito nenhum gol, Zizinho, o Mestre Ziza, fez um partidaço. Abriu verdadeiras avenidas na defesa sueca com seus dribles geniais e desconcertantes.
Esse jogo foi apitado pelo árbitro inglês Mister Arthur Ellis. No mesmo dia, no Pacaembu, o Uruguai livrou-se, por pouco, de uma derrota para a Espanha, empatando por 2 a 2. Os uruguaios terminaram o primeiro tempo perdendo por 2 a 1. Livraram-se da derrota, na segunda etapa, graças a um gol salvador de Obdúlio Varela.
Foi também num Maracanã lotado, com 152.772 pessoas, que o Brasil disputou seu segundo jogo no quadrangular final, e quatro dias após haver goleado a Suécia. O adversário era a perigosa Espanha. Perigosa? Que nada! Nossos craques humilharam os espanhóis, sapecando outra goleada histórica, desta vez por 6 a 1, com direito até a olé.
O Brasil fez 3 a 0 logo na primeira etapa, com um gol de Ademir (sempre ele!) e dois de Chico. E repetiu a dose na segunda etapa, com tentos de Jair, Zizinho e outro do centroavante do Vasco e artilheiro da Copa. O baile foi dos mais animados, com a torcida cantando, em coro, a marchinha carnavalesca de Alberto Reis e Braguinha, “Touradas de Madri”.
Creio que foi ali (mas não tenho certeza) que a Espanha recebeu o apelido que ostenta até hoje, de “A Fúria”. Certamente, era uma referência ao touro, o papel que representou naquela oportunidade, já que o de toureiro coube ao Brasil.
Quando o árbitro inglês, Mister Reginald Leafe soou o apito, terminando a partida, duvido que houvesse em todo o País alguém ainda cético, que duvidasse que a seleção brasileira já era a campeão da Copa de 1950 e que o jogo com o Uruguai não passaria de mera formalidade. Eu e minha turminha brava, com certeza, não tínhamos a menor dúvida disso!

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