A batalha de Berna
Pedro J. Bondaczuk
Que a Hungria, em 1954, tinha o melhor futebol do mundo, era quase consensual. Todavia, não concordo e nunca concordei com isso. Não há parâmetro infalível para esse tipo de conclusão. Mas admitamos essa opinião generalizada. Afinal, seus grandes craques, que desertaram para o Ocidente após a invasão das tropas soviéticas, em 1956, ao seu país, fizeram esfuziantes carreiras nos principais times europeus. Isso ocorreu, por exemplo, com Ferenc Puskas, sua maior estrela, que brilhou no todo poderoso Real Madri.
O mesmo ocorreu com Kocsis e Czibor, no Barcelona. Com Hidegutti, que foi jogar na Alemanha Ocidental. E com Warkdorf, que se consagrou no futebol suíço, entre outros. A Seleção Brasileira, em termos técnicos, porém, não ficava nada a dever aos húngaros. É verdade que não contava com disciplina tática. Mas compensava isso com muita habilidade. Carecia, como ainda hoje, de organização. Mas o que faltava era, sobretudo, reconhecimento internacional de suas qualidades e virtudes, que apenas viria em 1962, com o bicampeonato mundial.
Nossos jogadores cometeram um “pecado mortal” no jogo contra a Hungria, de 27 de junho de 1954, disputado no Estádio Wankdorff, em Berna: entraram em campo excessivamente nervosos, sentindo o peso da responsabilidade de tentar apagar o fiasco de 1950.
O público daquele sensacional confronto foi excelente para aquela Copa, de 63.200 pessoas. A arbitragem coube ao inglês Mister Arthur Ellis, que quatro anos antes havia apitado o Mundial do Brasil e havia se saído até que bem. Mas nesse jogo... Foi a figura decisiva, por suas inúmeras lambanças.
Acompanhei a transmissão dessa partida pela Rádio Bandeirantes de São Paulo, na narração meticulosa, brilhante e detalhada de Edson Leite, que então ostentava a sua melhor forma. Sua descrição dos lances era tão perfeita, que podíamos, sem muito esforço, visualizar as jogadas narradas.
Uma de suas características era a de informar o tempo de jogo utilizando este bordão: “O tempo passa, o meu cronômetro Eska marca tantos minutos”. Engraçado é que nunca mais vi ou ouvi qualquer referência a essa marca de relógio.
Embora atualmente tenhamos excelentes narradores esportivos, eles que me perdoem, mas nenhum chega sequer próximo ao Edson Leite de 1954. Dava gosto ouvir suas narrações de jogos. Claro que eu também gostava de Fiori Gigliotti e Pedro Luís. Mas nessa Copa, não tinha pra ninguém.
Mas, como eu ia dizendo, a Seleção Brasileira estava excessivamente nervosa nesse jogo contra a Hungria pelas quartas-de-final. Tanto que, com apenas sete minutos do primeiro tempo, já estava 2 a 0 para os húngaros, que tiveram um início fulminante, com gols de Hidegutti (aos 4) e Kocsis (aos 7).
O Brasil começou, apenas, a reação, aos 18 minutos, com o gol de pênalti, de Djalma Santos. Nessa altura, nossos jogadores conseguiram controlar os nervos e partiram em busca da reação. O jogo ficou tenso, duro, pegado como se diz hoje em dia na gíria dos boleiros, mas, sobretudo, violento. Houve um outro pênalti sobre o ponta-direita Julinho, que sua senhoria preferiu ignorar.
Na volta dos vestiários, para o segundo tempo, Mister Ellis resolveu “operar” nossa equipe sem anestesia. Trocava faltas, deixava os húngaros baterem e irritava o mais calmo e pacato dos nossos atletas com seus erros infantis. O cúmulo veio aos 16 minutos da segunda etapa. O árbitro marcou um pênalti absurdo contra o Brasil, jogando um tonel de água gelada na fervura. Nesse dia, nossa Seleção poderia jogar um futebol perfeito, que jamais venceria aquele jogo. O sujeito de preto e com o apito na boca não deixaria.
Lantos converteu o pênalti, ampliando a vantagem húngara para 3 a 1. No começo deste ano, pude assistir a um filme desse jogo e esse lance polêmico e decisivo ocorreu exatamente como Edson Leite narrou há 56 anos. A falta, de fato, aconteceu, mas a quase dois metros de distância da risca da grande área.
Julinho ainda pôs lenha na fogueira, aos 20 minutos, ao marcar o segundo gol brasileiro. Mas Mister Ellis, que já havia expulsado o lateral esquerdo Nilton Santos, expulsou também o meia Humberto, deixando nossa equipe com apenas nove atletas. Os húngaros perderam, também, um jogador, Bozsik, expulso por jogo violento. Aliás, a tão decantada máquina de jogar futebol apelou para a violência, sob o olhar complacente do árbitro inglês, para parar a habilidade brasileira.
Embora a história não lhe faça justiça, a equipe do Brasil foi valente. Buscou o tempo todo o empate, mesmo com nove contra dez. Até que, aos 42 minutos, Kocsis deu números definitivos ao placar, fazendo 4 a 2.
A violência não se limitou ao campo de jogo. No túnel que levava aos vestiários, húngaros e brasileiros trocaram sopapos. Mas a imprensa, tanto a nossa, quanto a internacional, atribuiu toda a culpa desses lamentáveis incidentes aos nossos atletas, chamando-os de selvagens, de atrasados, de incivilizados e outras tantas coisas mais, eivadas de um rançoso preconceito.
Eu, na oportunidade, a despeito dos meus parcos onze anos e meio, fiquei revoltadíssimo com esse tratamento e me senti impotente para fazer o que quer que fosse. Minha revolta maior foi com muitos brasileiros, que não sabem (e não querem) valorizar o que é seu, que preferiram engolir a versão estrangeira e execrar, por consequ8ência, os nossos atletas.
Até hoje, não li em nenhum texto referente a essa Copa o que Edson Leite narrou, com tanto detalhe e tanta verdade, nesse dia, cuja veracidade pude comprovar nas imagens a que tive acesso desse jogo ao qual faltou a isenção de um árbitro ou muito safado, ou muito ruim, ou ambas as coisas (que é no que acredito). O complexo de vira-latas é fogo!!!!
Que a Hungria, em 1954, tinha o melhor futebol do mundo, era quase consensual. Todavia, não concordo e nunca concordei com isso. Não há parâmetro infalível para esse tipo de conclusão. Mas admitamos essa opinião generalizada. Afinal, seus grandes craques, que desertaram para o Ocidente após a invasão das tropas soviéticas, em 1956, ao seu país, fizeram esfuziantes carreiras nos principais times europeus. Isso ocorreu, por exemplo, com Ferenc Puskas, sua maior estrela, que brilhou no todo poderoso Real Madri.
O mesmo ocorreu com Kocsis e Czibor, no Barcelona. Com Hidegutti, que foi jogar na Alemanha Ocidental. E com Warkdorf, que se consagrou no futebol suíço, entre outros. A Seleção Brasileira, em termos técnicos, porém, não ficava nada a dever aos húngaros. É verdade que não contava com disciplina tática. Mas compensava isso com muita habilidade. Carecia, como ainda hoje, de organização. Mas o que faltava era, sobretudo, reconhecimento internacional de suas qualidades e virtudes, que apenas viria em 1962, com o bicampeonato mundial.
Nossos jogadores cometeram um “pecado mortal” no jogo contra a Hungria, de 27 de junho de 1954, disputado no Estádio Wankdorff, em Berna: entraram em campo excessivamente nervosos, sentindo o peso da responsabilidade de tentar apagar o fiasco de 1950.
O público daquele sensacional confronto foi excelente para aquela Copa, de 63.200 pessoas. A arbitragem coube ao inglês Mister Arthur Ellis, que quatro anos antes havia apitado o Mundial do Brasil e havia se saído até que bem. Mas nesse jogo... Foi a figura decisiva, por suas inúmeras lambanças.
Acompanhei a transmissão dessa partida pela Rádio Bandeirantes de São Paulo, na narração meticulosa, brilhante e detalhada de Edson Leite, que então ostentava a sua melhor forma. Sua descrição dos lances era tão perfeita, que podíamos, sem muito esforço, visualizar as jogadas narradas.
Uma de suas características era a de informar o tempo de jogo utilizando este bordão: “O tempo passa, o meu cronômetro Eska marca tantos minutos”. Engraçado é que nunca mais vi ou ouvi qualquer referência a essa marca de relógio.
Embora atualmente tenhamos excelentes narradores esportivos, eles que me perdoem, mas nenhum chega sequer próximo ao Edson Leite de 1954. Dava gosto ouvir suas narrações de jogos. Claro que eu também gostava de Fiori Gigliotti e Pedro Luís. Mas nessa Copa, não tinha pra ninguém.
Mas, como eu ia dizendo, a Seleção Brasileira estava excessivamente nervosa nesse jogo contra a Hungria pelas quartas-de-final. Tanto que, com apenas sete minutos do primeiro tempo, já estava 2 a 0 para os húngaros, que tiveram um início fulminante, com gols de Hidegutti (aos 4) e Kocsis (aos 7).
O Brasil começou, apenas, a reação, aos 18 minutos, com o gol de pênalti, de Djalma Santos. Nessa altura, nossos jogadores conseguiram controlar os nervos e partiram em busca da reação. O jogo ficou tenso, duro, pegado como se diz hoje em dia na gíria dos boleiros, mas, sobretudo, violento. Houve um outro pênalti sobre o ponta-direita Julinho, que sua senhoria preferiu ignorar.
Na volta dos vestiários, para o segundo tempo, Mister Ellis resolveu “operar” nossa equipe sem anestesia. Trocava faltas, deixava os húngaros baterem e irritava o mais calmo e pacato dos nossos atletas com seus erros infantis. O cúmulo veio aos 16 minutos da segunda etapa. O árbitro marcou um pênalti absurdo contra o Brasil, jogando um tonel de água gelada na fervura. Nesse dia, nossa Seleção poderia jogar um futebol perfeito, que jamais venceria aquele jogo. O sujeito de preto e com o apito na boca não deixaria.
Lantos converteu o pênalti, ampliando a vantagem húngara para 3 a 1. No começo deste ano, pude assistir a um filme desse jogo e esse lance polêmico e decisivo ocorreu exatamente como Edson Leite narrou há 56 anos. A falta, de fato, aconteceu, mas a quase dois metros de distância da risca da grande área.
Julinho ainda pôs lenha na fogueira, aos 20 minutos, ao marcar o segundo gol brasileiro. Mas Mister Ellis, que já havia expulsado o lateral esquerdo Nilton Santos, expulsou também o meia Humberto, deixando nossa equipe com apenas nove atletas. Os húngaros perderam, também, um jogador, Bozsik, expulso por jogo violento. Aliás, a tão decantada máquina de jogar futebol apelou para a violência, sob o olhar complacente do árbitro inglês, para parar a habilidade brasileira.
Embora a história não lhe faça justiça, a equipe do Brasil foi valente. Buscou o tempo todo o empate, mesmo com nove contra dez. Até que, aos 42 minutos, Kocsis deu números definitivos ao placar, fazendo 4 a 2.
A violência não se limitou ao campo de jogo. No túnel que levava aos vestiários, húngaros e brasileiros trocaram sopapos. Mas a imprensa, tanto a nossa, quanto a internacional, atribuiu toda a culpa desses lamentáveis incidentes aos nossos atletas, chamando-os de selvagens, de atrasados, de incivilizados e outras tantas coisas mais, eivadas de um rançoso preconceito.
Eu, na oportunidade, a despeito dos meus parcos onze anos e meio, fiquei revoltadíssimo com esse tratamento e me senti impotente para fazer o que quer que fosse. Minha revolta maior foi com muitos brasileiros, que não sabem (e não querem) valorizar o que é seu, que preferiram engolir a versão estrangeira e execrar, por consequ8ência, os nossos atletas.
Até hoje, não li em nenhum texto referente a essa Copa o que Edson Leite narrou, com tanto detalhe e tanta verdade, nesse dia, cuja veracidade pude comprovar nas imagens a que tive acesso desse jogo ao qual faltou a isenção de um árbitro ou muito safado, ou muito ruim, ou ambas as coisas (que é no que acredito). O complexo de vira-latas é fogo!!!!
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