Lembranças de um fracasso - IV
Pedro J. Bondaczuk
Ao começar o quadrangular decisivo, a Copa do Mundo de 1950 estava próxima de atingir o clímax. A forma de disputa, por pontos corridos, ao menos teoricamente, privilegiava a regularidade, ao contrário do sistema mata-mata atual. Afinal, quem perdesse uma partida, dependendo dos resultados dos outros jogos, ainda teria chances de recuperação, o que já não ocorre no sistema de apuração do campeão utilizado hoje em dia.
O que viria na sequência seria tão despropositado e sem lógica, que se fosse uma história inventada, um texto de ficção, enredo de algum conto, novela, romance ou mesmo peça de teatro ou roteiro de cinema, faria com que seu autor caísse em ridículo. Ninguém lhe daria crédito, nem o mais ingênuo dos ingênuos. Sua história seria ridicularizada pela inverossimilhança. Pois é, mas a realidade... Essa vive nos pregando peças. A vida real, ah, a vida real, quantas vezes não é absurda, ridícula e rigorosamente nonsense?
Claro que os detalhes desse dramalhão fantástico, que faria mexicanos e argentinos morrerem de inveja, que tive a oportunidade (diria privilégio, a despeito de tudo) não só de testemunhar, mas de ser protagonista, de viver e sentir na pele, só é possível de descrever com a ajuda dos meus arquivos.
Vocês não iriam querer que um garotinho de sete anos e meio guardasse tantas minúcias na memória, e ainda mais por sessenta anos! Todavia, a leitura das anotações dá cor, cheiro e vida às lembranças, não tão agradáveis assim, é verdade. À medida que as leio vou recordando de detalhes, de rostos, de vozes, de sensações e emoções e até do sabor do copo de toddy preparado por minha mãe, que estavam escondidos, adormecidos, em algum compartimento secreto da mente.
Hoje ouço, frequentemente, críticas aos meus contemporâneos – mais novos, da minha idade e os bem mais velhos que eu – pelo clima de “já ganhou” que então predominava, do Oiapoque ao Chuí. Contudo, duvido que os leitores mais jovens, caso vivessem naquela época, agissem de maneira diferente da nossa. Estou convicto de que não agiriam. E não agiriam mesmo.
Tudo, absolutamente tudo contribuía para o otimismo superlativo, levado ao grau máximo de intensidade que, passados sessenta anos, parece maluco e despropositado, mas que então não parecia assim.
Vejam bem, o nosso derradeiro adversário, o Uruguai, estava em crise. Quase não compareceu ao Mundial. Dias antes do seu embarque, houve uma greve dos seus jogadores e foi mandado para cá, praticamente, o time do Peñarol. Os atletas dos outros clubes recusaram-se a servir a seleção do seu país. E o time auri-negro (sua camisa é amarela e negra) havia perdido, recentemente, três jogos consecutivos para o Vasco da Gama (base da nossa seleção) um dos quais por goleada. Era, pois, um grupo desunido e revoltado com sua confederação e desmotivado.
Enquanto o Uruguai estava em crise, o Brasil estava “voando baixo”. Vinha de duas goleadas histórica, de 7 a 1 na Suécia e 6 a 1 na Espanha, em que fizera 13 gols e levara apenas dois. Um mês antes do Mundial, os uruguaios disputaram conosco a Copa Rio Branco. Foram três jogos. É verdade que no primeiro, em 6 de maio de 1950, no Pacaembu, eles venceram, por 4 a 3. Todavia, a nossa seleção venceu as duas partidas seguintes, ambas no Estádio de São Januário, no Rio, por 3 a 2 e 1 a 0, respectivamente, e ficou com o título.
Ademais, todos os jogadores do nosso último e decisivo adversário da Copa, como Máspoli, Tejera, Obdúlio Varela, Júlio Perez, Ghiggia e vai por aí afora eram conhecidíssimos dos brasileiros. Haviam participado, no ano anterior, de vários jogos da chamada Taça Rio Brasil, disputados tanto em São Paulo, quanto no Rio, e nenhum deles se destacou.
Posso dizer, sem medo de errar, baseado em dados concretos, que essa seleção do Uruguai, se disputasse cem jogos contra o Brasil, certamente perderia noventa e nove. Pensava isso aos sete anos e meio de idade e penso a mesma coisa sessenta anos depois.
Outro detalhe esquecido pelos que escrevem sobre aquela Copa é que, por pouco, o jogo final do quadrangular decisivo não se transformou num amistoso de luxo, em mero cumprimento de tabela, em exibição para a entrega de faixas de campeões aos nossos jogadores. Explico.
Se o Uruguai, em seu penúltimo compromisso, não vencesse a Suécia, isto é, perdesse ou mesmo empatasse, o Brasil seria campeão com uma rodada de antecedência. E isso estava acontecendo até os 30 minutos do segundo tempo, quando o placar era de 2 a 1 para os suecos que, além de tudo, jogavam melhor.
Começamos a perder o Mundial de 1950, porém, sem jogar, nos quinze minutos finais desse confronto entre uruguaios e suecos. A Celeste Olímpíca conseguiu uma sensacional e inesperada virada, vencendo por 3 a 2, mesmo jogando mal.
Ainda assim, o Brasil iria para o último jogo precisando, “apenas” de um simples e reles empate. Bastava não levar nenhum gol para a Jules Rimet ficar por aqui. Pergunto-lhe, meu jovem e crítico leitor: Como conter a euforia nessas circunstâncias, com tantas vantagens a nosso favor? Você conteria? Duvido!!!!
Como, então, esperar de uma criança de sete anos e meio, que ainda nem tinha noção do mundo em que estava, que carecia do mínimo e mais primitivo senso crítico, que não se empolgasse e não considerasse a vitória como favas contadas, ainda mais quando o Brasil inteirinho, e principalmente a totalidade dos meios de comunicação (rádios, jornais e revistas) consideravam?
Estavam montados, pois, o cenário e o clima para um dramalhão de fazer inveja aos mais hábeis e criativos dramaturgos da Grécia Antiga, criadores da comédia, da tragédia e, enfim, do teatro como o conhecemos.
Pedro J. Bondaczuk
Ao começar o quadrangular decisivo, a Copa do Mundo de 1950 estava próxima de atingir o clímax. A forma de disputa, por pontos corridos, ao menos teoricamente, privilegiava a regularidade, ao contrário do sistema mata-mata atual. Afinal, quem perdesse uma partida, dependendo dos resultados dos outros jogos, ainda teria chances de recuperação, o que já não ocorre no sistema de apuração do campeão utilizado hoje em dia.
O que viria na sequência seria tão despropositado e sem lógica, que se fosse uma história inventada, um texto de ficção, enredo de algum conto, novela, romance ou mesmo peça de teatro ou roteiro de cinema, faria com que seu autor caísse em ridículo. Ninguém lhe daria crédito, nem o mais ingênuo dos ingênuos. Sua história seria ridicularizada pela inverossimilhança. Pois é, mas a realidade... Essa vive nos pregando peças. A vida real, ah, a vida real, quantas vezes não é absurda, ridícula e rigorosamente nonsense?
Claro que os detalhes desse dramalhão fantástico, que faria mexicanos e argentinos morrerem de inveja, que tive a oportunidade (diria privilégio, a despeito de tudo) não só de testemunhar, mas de ser protagonista, de viver e sentir na pele, só é possível de descrever com a ajuda dos meus arquivos.
Vocês não iriam querer que um garotinho de sete anos e meio guardasse tantas minúcias na memória, e ainda mais por sessenta anos! Todavia, a leitura das anotações dá cor, cheiro e vida às lembranças, não tão agradáveis assim, é verdade. À medida que as leio vou recordando de detalhes, de rostos, de vozes, de sensações e emoções e até do sabor do copo de toddy preparado por minha mãe, que estavam escondidos, adormecidos, em algum compartimento secreto da mente.
Hoje ouço, frequentemente, críticas aos meus contemporâneos – mais novos, da minha idade e os bem mais velhos que eu – pelo clima de “já ganhou” que então predominava, do Oiapoque ao Chuí. Contudo, duvido que os leitores mais jovens, caso vivessem naquela época, agissem de maneira diferente da nossa. Estou convicto de que não agiriam. E não agiriam mesmo.
Tudo, absolutamente tudo contribuía para o otimismo superlativo, levado ao grau máximo de intensidade que, passados sessenta anos, parece maluco e despropositado, mas que então não parecia assim.
Vejam bem, o nosso derradeiro adversário, o Uruguai, estava em crise. Quase não compareceu ao Mundial. Dias antes do seu embarque, houve uma greve dos seus jogadores e foi mandado para cá, praticamente, o time do Peñarol. Os atletas dos outros clubes recusaram-se a servir a seleção do seu país. E o time auri-negro (sua camisa é amarela e negra) havia perdido, recentemente, três jogos consecutivos para o Vasco da Gama (base da nossa seleção) um dos quais por goleada. Era, pois, um grupo desunido e revoltado com sua confederação e desmotivado.
Enquanto o Uruguai estava em crise, o Brasil estava “voando baixo”. Vinha de duas goleadas histórica, de 7 a 1 na Suécia e 6 a 1 na Espanha, em que fizera 13 gols e levara apenas dois. Um mês antes do Mundial, os uruguaios disputaram conosco a Copa Rio Branco. Foram três jogos. É verdade que no primeiro, em 6 de maio de 1950, no Pacaembu, eles venceram, por 4 a 3. Todavia, a nossa seleção venceu as duas partidas seguintes, ambas no Estádio de São Januário, no Rio, por 3 a 2 e 1 a 0, respectivamente, e ficou com o título.
Ademais, todos os jogadores do nosso último e decisivo adversário da Copa, como Máspoli, Tejera, Obdúlio Varela, Júlio Perez, Ghiggia e vai por aí afora eram conhecidíssimos dos brasileiros. Haviam participado, no ano anterior, de vários jogos da chamada Taça Rio Brasil, disputados tanto em São Paulo, quanto no Rio, e nenhum deles se destacou.
Posso dizer, sem medo de errar, baseado em dados concretos, que essa seleção do Uruguai, se disputasse cem jogos contra o Brasil, certamente perderia noventa e nove. Pensava isso aos sete anos e meio de idade e penso a mesma coisa sessenta anos depois.
Outro detalhe esquecido pelos que escrevem sobre aquela Copa é que, por pouco, o jogo final do quadrangular decisivo não se transformou num amistoso de luxo, em mero cumprimento de tabela, em exibição para a entrega de faixas de campeões aos nossos jogadores. Explico.
Se o Uruguai, em seu penúltimo compromisso, não vencesse a Suécia, isto é, perdesse ou mesmo empatasse, o Brasil seria campeão com uma rodada de antecedência. E isso estava acontecendo até os 30 minutos do segundo tempo, quando o placar era de 2 a 1 para os suecos que, além de tudo, jogavam melhor.
Começamos a perder o Mundial de 1950, porém, sem jogar, nos quinze minutos finais desse confronto entre uruguaios e suecos. A Celeste Olímpíca conseguiu uma sensacional e inesperada virada, vencendo por 3 a 2, mesmo jogando mal.
Ainda assim, o Brasil iria para o último jogo precisando, “apenas” de um simples e reles empate. Bastava não levar nenhum gol para a Jules Rimet ficar por aqui. Pergunto-lhe, meu jovem e crítico leitor: Como conter a euforia nessas circunstâncias, com tantas vantagens a nosso favor? Você conteria? Duvido!!!!
Como, então, esperar de uma criança de sete anos e meio, que ainda nem tinha noção do mundo em que estava, que carecia do mínimo e mais primitivo senso crítico, que não se empolgasse e não considerasse a vitória como favas contadas, ainda mais quando o Brasil inteirinho, e principalmente a totalidade dos meios de comunicação (rádios, jornais e revistas) consideravam?
Estavam montados, pois, o cenário e o clima para um dramalhão de fazer inveja aos mais hábeis e criativos dramaturgos da Grécia Antiga, criadores da comédia, da tragédia e, enfim, do teatro como o conhecemos.
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