Wednesday, June 16, 2010




Lembranças de um fracasso – I

Pedro J. Bondaczuk

Das quinze Copas do Mundo que acompanhei, por rádio e/ou televisão, da que me lembro com mais nitidez e maiores detalhes é, justamente, a que, pela lógica, deveria estar esquecida. Ou que, na melhor das hipóteses, poderia estar “apagada” na mente, com um ou outro detalhe, e assim mesmo incompleto. Não é, contudo, o que acontece.
A memória é, mesmo, capciosa e traiçoeira. Muitas vezes, suprime o que gostaríamos de recordar amiúde e mantém vivos acontecimentos decepcionantes ou dolorosos. A Copa da qual tenho as mais copiosas lembranças, é a de 1950, a única, até aqui, disputada no Brasil.
E por que as lembranças dela não deveriam ser tão nítidas, quanto são? Por uma série de razões. Uma delas, é a idade que eu tinha na ocasião, pouco mais do que sete anos. A outra, porque essa competição marcou uma tremenda frustração, um poderoso trauma nacional, que persistiu por um tempo enorme, que foi a sua perda, quando tudo indicava que nossa Seleção iria ganhar, e com um pé nas costas. A outra, ainda, foi sua forma de acompanhamento, bastante precária, pelo rádio.
A televisão foi inaugurada, é verdade, nesse mesmo ano, a TV Tupi-Difusora, primeiro com um canal em São Paulo e um ano depois no Rio, mas a inauguração da retransmissora pioneira se deu em setembro, e o Mundial foi disputado entre 25 de junho e 17 de julho. E mesmo que fosse ao ar em tempo, não teria condições de transmitir os jogos nem para as cidades em que eles fossem disputados, por absoluta precariedade técnica.
Ademais, quem iria assistir? Afinal, Assis Chateaubriand importou, junto com o equipamento de transmissão, somente 200 aparelhos receptores, que doou para instituições de caridade. Não houve, e por muito tempo, televisores para vender em loja alguma, nemn nas especializadas em produtos importados e, se houvesse, custaria os “olhos da cara”, como se diz popularmente.
Acompanhei, pois, os jogos num receptor de rádio enorme, na verdade um móvel, uma espécie de armário, da marca RCA Victor, grande preciosidade do meu avô materno, que acompanhava, em ondas curtas, geralmente de madrugada, notícias da União Soviética. Não porque fosse comunista (não era) ou vidrado em política (na verdade, detestava-a), mas para matar a saudade da sua pátria (era russo) e do seu idioma.
As transmissões eram razoavelmente nítidas quando feitas do Pacaembu. Mas a da final da Copa, direto do recém-inaugurado e majestoso Maracanã, na fatídica (e dolorosa) derrota para o Uruguai o som era chiado e, em certos momentos, mal dava para entender a narração do locutor.
Destaco que, apesar dos meus sete anos e meio, eu já era apaixonado por futebol. Nunca fora a um estádio, é verdade e nem vira dois times profissionais jogarem, pois não havia (ainda) a televisão, mas a várzea de São Caetano do Sul, no ABC paulista, onde então eu morava, recém-vindo do Rio Grande do Sul, tinha uma profusão de campos, uns colados nos outros, onde aos domingos poderia escolher qual “pega” assistir.
Todos meus colegas, quer os da minha idade, quer os mais velhos, só falavam de bola. Com eles aprendi as regras e o que podia ou não podia ser feito pelos jogadores, ou seja, as faltas, impedimentos etc.etc.etc.
Nessa época eu vivia assediando meus tios (para desespero dos meus pais), para me darem dinheiro, que eu gastava, todo, em figurinhas das “Balas Futebol”. Tinha álbuns e mais álbuns, alguns já completos e outros tantos por completar. Tinha na ponta da língua os nomes dos principais jogadores, seus times e as posições em que jogavam, em especial os que integravam a Seleção, comandada pelo técnico Flávio Costa.
O timão da época, no Rio, era o Vasco da Gama, q2ue cedeu oito atletas para o selecionado, a maioria titular. Em São Paulo, o tricolor paulista vinha de ganhar um tricampeonato, embora o Palmeiras contasse com um esquadrão de respeito. O São Paulo tinha quatro selecionados (Bauer, Noronha, Ruy e Friaça) e os palmeirenses eram apenas dois (Jair e Rodrigues).
Tirando os dois times paulistas citados, a seleção completa dos convocados naquele ano tinha os oito atletas do Vasco (Barbosa, campineiro de nascimento, Augusto, Danilo, Eli, Alfredo 2º, Ademir de Menezes e Maneca. O Flamengo cedeu Juvenal, Bigode e Zizinho. Do Fluminense, só Castilho integrava a Seleção. Do Sul do País, do Internacional de Porto Alegre, vieram Nena (que posteriormente defenderia a Portuguesa) e Adãozinho. Completavam a lista Nilton Santos, do Botafogo e Baltazar, do Corinthians.
Amanhã, falo mais sobre essa Copa. Ela foi importante (e dramática) demais para ser esgotada em somente um texto de reminiscência.

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