Thursday, June 24, 2010




Lembranças de um fracasso – VII

Pedro J. Bondaczuk

A decisão da Copa do Mundo de 1950, a primeira das quinze que acompanhei em minha vida (acompanho, agora, a décima sexta), e tinha então, sempre é oportuno lembrar, apenas sete anos e meio de idade, suscitou-me, na época (e suscita ainda hoje), uma série de reflexões.
Naquela oportunidade, saí chorando da casa do Zé Gordo, onde acompanhei pelo rádio, com um bando de gente (creio que, entre crianças e adultos, éramos umas quarenta pessoas) a transmissão do jogo, tão logo este terminou, com a surpreendente vitória uruguaia por 2 a 1.
Aliás, meu choro quase provoca confusão em casa. Meu pai queria saber quem havia me batido, para tirar satisfação. “Ninguém me bateu”, murmurei, entre soluços. E seria difícil alguém fazê-lo, porquanto eu era bom de briga. “Então por que você está chorando?”, perguntou, asperamente. “Por que o Brasil perdeu”, respondi, fazendo acompanhar minhas palavras com outra crise de choro, ainda mais intensa.
Na verdade, eu não era o único a chorar. Na rua, a caminho de casa, pude observar vários adultos se desmanchando em lágrimas, enquanto outros deblateravam contra o goleiro Barbosa, chamado de “frangueiro”, ou acusando os jogadores de “covardes” por, supostamente, haverem “afinado” face à propalada “raça” dos adversários. Tudo isso era bobagem!
O Brasil havia dominado o jogo e perdido um caminhão de gols. Barbosa quase não foi exigido. O time correu, lutou, batalhou, buscou a vitória. Não se limitou à defesa, o que poderia ter feito, já que jogava pelo empate. Mas o acaso e as circunstâncias jogaram contra nós. Em mil novas tentativas, Ghiggia erraria todas, jamais faria o gol que fez e que deu a vitória, e o título, à sua seleção. Insisto neste ponto, mesmo remando contra a maré.
Obdúlio Varela, tempos depois, em entrevista que deu, alertou: “Que ninguém se iluda. Se jogássemos mais cem vezes contra o Brasil, perderíamos 99. O melhor futebol era jogado pelos brasileiros”. Pois se era, por que eles não venceram aquele jogo, que estavam ganhando até os 22 minutos do segundo tempo, com a vantagem do empate para serem campeões? Há coisas que não têm explicação, e esta é uma delas.
“Sim, por que o Brasil não ganhou?”, era a pergunta que, molequinho, atarantado, abobalhado, pasmo e não acostumado a perder nem em jogo de futebol de botão, eu fazia para mim mesmo, sem achar a resposta.
Juro que não atribuí o fracasso ao clima de “já ganhou”, que estava insuportável, pelo exagero, aliás criado pela imprensa (que hoje aposta no mais condenável ainda “já perdeu”), que contaminou torcida e jogadores. Juro que não culpei Barbosa (creio que fui dos raros que não o fizeram) por não ter defendido as duas bolas que entraram e nem o zagueiro Bigode, vencido nos lances dos dois gols. Juro que não culpei o técnico Flávio Costa pelo excesso de confiança que, mesmo quando o Brasil estava vencendo a partida, nem pensou em garantir o resultado, mandando o time para o ataque, acreditando numa goleada.
A posteridade foi (e continua sendo) sumamente injusta com a Seleção de 1950, tratando-a como um grupo de perebas, de pernas de pau, que houvesse perdido todos os jogos e sido desclassificada ainda na primeira fase, que não foi o que aconteceu. Embora o brasileiro não valorize, aquela equipe foi vice-campeã mundial!
Aquela Copa contou, é verdade, com apenas 13 participantes, enquanto que as atuais têm 32. E daí? Os desavisados podem pensar que o Brasil, por esse motivo, enfrentou moleza. Nada disso! Na África do Sul, o time, para ser campeão, fará sete jogos. Pois bem, e quantos a nossa seleção fez em 1950? Fez seis! Marcou 21 gols, com média de quase quatro por partida e sofreu seis. É como se vencesse todos seus jogos por 4 a 1. Além disso, teve o artilheiro da Copa, Ademir de Menezes, com nove gols. Em resumo, venceu quatro jogos, empatou um e perdeu apenas um. Mas justo o que não poderia perder.
E o Uruguai, o que fez para ser campeão? Jogou quatro vezes. Venceu três e empatou uma. Marcou 15 gols (oito só contra a Bolívia) e sofreu cinco. E foi campeão.
A principal lição que a Copa de 1950 me deixou é óbvia: é a de que, nem sempre, tanto no futebol quanto na vida, o melhor vence. Lembro-me que meu pai, para acalmar o desconsolado menininho de sete anos e meio, disse, antes de dar um forte, carinhoso e protetor abraço: “Filho, a perda de uma batalha não significa, necessariamente, a derrota na guerra. O sábio extrai lições dos fracassos para construir sólidos e múltiplos sucessos à frente”.
E como o meu querido velho, meu guru, meu herói estava certo (quanta saudade sinto dele!). Oito anos depois, o Brasil iniciaria um ciclo de conquistas que o tornaria o maior vencedor de Copas de todos os tempos, calando a boca dos pessimistas e dos que adoravam seu complexo de vira-latas. Tornar-se-ia, de lambuja, o único país a participar, por seus méritos e sua competência, de todas, absolutamente todas as Copas do Mundo.
E o Uruguai, o que aconteceu com ele? Foi vítima da “maldição do Maracanã”. Desde que ganhou aquele mundial em cima de nós, não voltou a conquistar mais coisíssima alguma. E a nossa tristeza, na oportunidade, foi tamanha que chegou a contaminar a alegria deles, tão profunda e patética que foi.
Orlando Duarte, em sua excelente “Enciclopédia dos Mundiais de Futebol”, registra esta declaração de Obdúlio Varela: “Não gostei de ver aqueles 200 mil torcedores tristes; não gostei de ver o Rio às escuras e sem carnaval. É a vida. Era campeão e no hotel em que estávamos, eu não sentia uma total alegria pelo feito”. Que, aliás, nunca mais se repetiu. Nossa tristeza foi passageira. Já a deles... Dura sessenta anos!

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