Monday, June 14, 2010




Na marca do pênalti

Pedro J. Bondaczuk
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O pênalti, no futebol, é um dos momentos mais dramáticos e emocionantes de uma partida. Equivale, guardadas as proporções, ao nascimento, batizado, namoro, casamento, paternidade ou morte na vida. Tende a ser decisivo, para o bem ou para o mal. É, antes de tudo, o pior dos castigos previstos pelas regras para o time que cometer faltas na grande área, nas imediações do gol.
Por mais clara que seja a infração, porém, o time que é punido nunca se conforma, se julga injustiçado o até mesmo roubado e sempre enxerga, portanto, parcialidade na decisão do árbitro, por mais correta e imparcial que ela de fato seja.
Por tratar-se de “penalidade máxima”, até para justificar essa designação, na sua cobrança tudo está contra o goleiro da equipe infratora. É permitido que ele se movimente (só faltava não permitir nem isso!), mas somente sobre a linha fatal. Qualquer avanço antes do chute do batedor pode redundar em repetição do lance, principalmente se for feita a defesa, se a bola bater na trave ou se for para fora da meta. O castigo tem que ser completo.
Nem todo árbitro determina a repetição da cobrança (principalmente nos campeonatos europeus), o que, quando faz, gera um sem-número de reclamações. Só que, em caso contrário, o lado que se considera prejudicado também reclama.
Até recentemente era permitido ao cobrador dar a tal da “paradinha” antes do chute, para ludibriar o goleiro. Isso era interpretado como uma “finta”, uma espécie de drible. Agora, esse tipo de estratagema foi proibido. Ufa! Até que enfim foi dada uma colher de chá para o responsável em evitar o gol!
Mas, reitero, a penalidade máxima faz jus ao nome também em dramaticidade. Paradoxalmente, o lance é menos dramático para o goleiro. A expectativa dos dois times e respectivos torcedores é que a bola entre na meta. Se o pênalti, pois, for convertido, não surpreenderá ninguém e não se reclamará do encarregado de defendê-lo, porquanto a conversão é considerada probabilíssima. E caso o goleiro faça a defesa (como Rogério Ceni fez em recente partida da Libertadores da América), se tornará o herói, principalmente se o seu time estiver vencendo pela diferença mínima ou empatando. E a defesa, óbvio, será muito mais valorizada se ocorrer em decisão de campeonato.
O pênalti é tão importante, que Nenê Prancha, folclórico torcedor carioca, dizia que deveria ser batido pelo presidente do clube. A Seleção Brasileira, vocês se recordam, conquistou seu quarto título mundial, em 1994, nos Estados Unidos, em cobranças de tiros livres da marca fatal. Imaginem a frustração do italiano Roberto Baggio ao chutar aquela bola, que poderia fazer da Itália campeã, por cima do travessão da meta defendida por Taffarel!
Por outro lado, nem dá para imaginar (a não ser que se esteja em situação semelhante), a emoção, o alívio e a euforia de Dunga ao converter a penalidade que lhe coube cobrar e assegurar mais um título para o Brasil.
Nossa Seleção, é verdade, oito anos antes, em 1986, havia sido eliminada pela França, na Copa do México, da mesma forma com que ganhou da Itália. A diferença entre o zagueiro Júlio César (ex-Guarani) e Roberto Baggio foi só quanto ao destino da bola. Enquanto o chute do primeiro acertou a trave, o do segundo foi para o alto.
Não por acaso, os milésimos gols de Pelé e de Romário foram feitos de pênaltis (e, em ambos casos, os goleiros quase estragaram as respectivas festas). Pensem quantas histórias, verídicas ou fictícias, um pênalti enseja. Por exemplo, um árbitro subornado não encontrará dificuldades em se valer de um lance duvidoso para marcá-lo e assim “pagar” o suborno.
Um goleiro vivendo algum drama pessoal, financeiro ou afetivo, pode defendê-lo e dessa forma se redimir, recobrar ou conquistar confiança e até se consagrar. Um cobrador poderá reviver bons ou maus momentos, da carreira ou da vida, e convertê-lo (ou desperdiçá-lo).
Há sempre drama, puro drama, muito drama ao redor de um pênalti, quer para quem o assinala, quer para o batedor, quer para o encarregado de neutralizá-lo, fazendo a defesa. Quantas histórias esse único lance enseja! Como é grande a agonia de quem se vê cara a cara diante do goleiro e da responsabilidade de não desperdiçar uma preciosa chance! Como deve ter sido duro o fracasso para Baggio e Júlio César! Como o êxito deve ter sido delicioso para o Dunga!
Por isso, não estranho, nem um pouco, ao constatar que a maioria (ou quase) dos contos da antologia “22 Contistas em Campo”, coordenada por Flávio Moreira da Costa, se inspira em penalidades máximas. O coração vai parar na boca – do árbitro, de quem cometeu a infração, do goleiro, do batedor e das duas torcidas – quando a bola é colocada na marca da cal e todos aguardam, somente, o apito para saber no que o lance resultou.

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