Sabedoria política
Pedro J. Bondaczuk
O fato de nenhum partido português haver obtido maioria absoluta de cadeiras no Parlamento, que lhe possibilite governar sozinho sem ter que recorrer a coligações, reflete, em certa medida, uma grande dose de sabedoria do eleitorado. E confirma uma tradição estabelecida no país desde 25 de abril de 1974, quando da vitória da "Revolução dos Cravos", que restabeleceu a democracia em Portugal, após quase meio século de ditadura salazarista. Desde então, nenhuma facção conseguiu a façanha de obter 50% mais um dos assentos na Assembléia Nacional. E dificilmente, no futuro, alguma ainda conseguirá esse feito.
Os portugueses demonstraram, dessa forma, um reconhecimento de que há pontos positivos e negativos tanto na direita, quanto na esquerda e no centro. Forçando as negociações para que os partidos se coliguem, o gabinete daí surgido passa a contar, em seu programa governamental, com postulados de diversas direções. A parte social acaba contemplada através dos ideais pregados e defendidos pela esquerda. Mas o empresariado tem seus direitos garantidos pelos conservadores. Isso, embora produza governos de curta duração, impede a ocorrência de profundas divisões de classe, tendentes a levar qualquer sociedade a situações muito perigosas e de confronto.
O europeu, na maior parte das vezes, usa dessa espécie de prudência. Geralmente não concede todo o poder a um só líder ou a uma única facção política. Isso acontece na Itália, onde o atual gabinete é originário da coalizão de cinco partidos; na Suécia, onde o socialista Olof Palme teve que buscar alianças providenciais para dar continuidade a seus programas; na Noruega, na Dinamarca e em outros países mais. Os britânicos, ao contrário, concederam uma consagradora vitória a Margaret Thatcher em 1981. E, hoje, a julgar pelas pesquisas de opinião, que situam a agremiação dessa líder (o Partido Conservador) num tímido terceiro lugar, estão arrependidos. Mas terão que se conformar com o quadro atual até 1988. A menos que ocorra alguma profunda divisão nas fileiras partidárias (o que seria um suicídio político para a facção) que possibilite a aprovação de alguma moção de desconfiança ao governo.
Essa transitoriedade dos gabinetes originados de coalizões, portanto, é saudável, principalmente quando se trata de democracias sólidas, arraigadas nas tradições desses povos, de graus de cultura e civilização dignos de inveja e, mais do que isso, de imitação. Esse países, berços de todos os sistemas políticos que hoje conhecemos, estão há muito vacinados contra aventureirismos institucionais. Nessas circunstâncias, a variedade de gabinetes impede a estagnação das idéias. Não dá campo à malversação de recursos públicos. Os atos dos governantes estão sob permanente observação do povo que os escolheu, através de seus legítimos representantes. A mínima suspeita de corrupção, de negociata, de abuso do poder e de tantas outras mazelas, às quais se faz "vistas grossas" no Terceiro Mundo, o gabinete cai. Sem golpes, sem tanques na rua e sem qualquer outra espécie de traumatismo político.
Geralmente, nessas circunstâncias, o administrador infiel e sua agremiação são punidos com o "ostracismo", cuja duração é proporcional à infração. Pode ser de alguns anos ou até para sempre. Muitos partidos europeus, outrora detentores do poder, hoje mal conseguem representação mínima nos Parlamentos para que continuem sobrevivendo. Pagaram um preço justo pela infidelidade demonstrada no exercício de mandatos mal cumpridos que lhes foram conferidos pelo eleitorado.
Quem sabe, algum dia, o Terceiro Mundo vai deixar de copiar modelos ultrapassados, ou utópicos, ou inviáveis para nossos povos para aprender a fazer política no sentido mais amplo do termo. Quem sabe saberá confiar, desconfiando. Aprenderá a conservar em suas próprias mãos as rédeas de seu destino. Construirá ele próprio as instituições que necessita, sem depender de lideranças carismáticas e nem de paternalismos institucionais. Quem sabe, ainda, venhamos a conseguir chegar a tamanho requinte de conscientização...
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 8 de outubro de 1985)
Pedro J. Bondaczuk
O fato de nenhum partido português haver obtido maioria absoluta de cadeiras no Parlamento, que lhe possibilite governar sozinho sem ter que recorrer a coligações, reflete, em certa medida, uma grande dose de sabedoria do eleitorado. E confirma uma tradição estabelecida no país desde 25 de abril de 1974, quando da vitória da "Revolução dos Cravos", que restabeleceu a democracia em Portugal, após quase meio século de ditadura salazarista. Desde então, nenhuma facção conseguiu a façanha de obter 50% mais um dos assentos na Assembléia Nacional. E dificilmente, no futuro, alguma ainda conseguirá esse feito.
Os portugueses demonstraram, dessa forma, um reconhecimento de que há pontos positivos e negativos tanto na direita, quanto na esquerda e no centro. Forçando as negociações para que os partidos se coliguem, o gabinete daí surgido passa a contar, em seu programa governamental, com postulados de diversas direções. A parte social acaba contemplada através dos ideais pregados e defendidos pela esquerda. Mas o empresariado tem seus direitos garantidos pelos conservadores. Isso, embora produza governos de curta duração, impede a ocorrência de profundas divisões de classe, tendentes a levar qualquer sociedade a situações muito perigosas e de confronto.
O europeu, na maior parte das vezes, usa dessa espécie de prudência. Geralmente não concede todo o poder a um só líder ou a uma única facção política. Isso acontece na Itália, onde o atual gabinete é originário da coalizão de cinco partidos; na Suécia, onde o socialista Olof Palme teve que buscar alianças providenciais para dar continuidade a seus programas; na Noruega, na Dinamarca e em outros países mais. Os britânicos, ao contrário, concederam uma consagradora vitória a Margaret Thatcher em 1981. E, hoje, a julgar pelas pesquisas de opinião, que situam a agremiação dessa líder (o Partido Conservador) num tímido terceiro lugar, estão arrependidos. Mas terão que se conformar com o quadro atual até 1988. A menos que ocorra alguma profunda divisão nas fileiras partidárias (o que seria um suicídio político para a facção) que possibilite a aprovação de alguma moção de desconfiança ao governo.
Essa transitoriedade dos gabinetes originados de coalizões, portanto, é saudável, principalmente quando se trata de democracias sólidas, arraigadas nas tradições desses povos, de graus de cultura e civilização dignos de inveja e, mais do que isso, de imitação. Esse países, berços de todos os sistemas políticos que hoje conhecemos, estão há muito vacinados contra aventureirismos institucionais. Nessas circunstâncias, a variedade de gabinetes impede a estagnação das idéias. Não dá campo à malversação de recursos públicos. Os atos dos governantes estão sob permanente observação do povo que os escolheu, através de seus legítimos representantes. A mínima suspeita de corrupção, de negociata, de abuso do poder e de tantas outras mazelas, às quais se faz "vistas grossas" no Terceiro Mundo, o gabinete cai. Sem golpes, sem tanques na rua e sem qualquer outra espécie de traumatismo político.
Geralmente, nessas circunstâncias, o administrador infiel e sua agremiação são punidos com o "ostracismo", cuja duração é proporcional à infração. Pode ser de alguns anos ou até para sempre. Muitos partidos europeus, outrora detentores do poder, hoje mal conseguem representação mínima nos Parlamentos para que continuem sobrevivendo. Pagaram um preço justo pela infidelidade demonstrada no exercício de mandatos mal cumpridos que lhes foram conferidos pelo eleitorado.
Quem sabe, algum dia, o Terceiro Mundo vai deixar de copiar modelos ultrapassados, ou utópicos, ou inviáveis para nossos povos para aprender a fazer política no sentido mais amplo do termo. Quem sabe saberá confiar, desconfiando. Aprenderá a conservar em suas próprias mãos as rédeas de seu destino. Construirá ele próprio as instituições que necessita, sem depender de lideranças carismáticas e nem de paternalismos institucionais. Quem sabe, ainda, venhamos a conseguir chegar a tamanho requinte de conscientização...
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 8 de outubro de 1985)
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