Ao redor do Paraíso
Pedro J. Bondaczuk
A figura do poeta (não sei por qual razão) sugere-me alguém que conheça, pela simples intuição talvez, o Paraíso de eternas delícias e nenhuma dor e que esteja bem próximo da sua entrada, no afã de adentrar seus umbrais. “Suas palavras batem à porta dessa morada ideal implorando a imortalidade”.
Ou, quem sabe, ele seja protótipo de Adão, símbolo do primeiro homem, nosso absoluto ancestral (e este, certamente, existiu, caso contrário não estaríamos aqui), inconformado com a expulsão do Éden, traído pela vileza da serpente, e que se recusa a deixar seus arredores, na esperança de ser perdoado e ter a entrada franqueada outra vez.
O poeta é o sujeito dos extremos. Emoções, para ele, não podem ser as triviais, de qualquer outro mortal e muito menos moderadas. Não se satisfaz com o quente. Aspira o fervente. É um vasto oceano (muito maior do que o Pacífico) de sensibilidade.
O amor, quando correspondido, se lhe afigura como a suprema das venturas. Nessas circunstâncias, ele, que sobrevive e se manifesta através das palavras, se desespera por não encontrar aquelas que julga adequadas para expressar seu êxtase.
Esse sentimento, vulgarizado pelos mortais comuns, perde, na cabeça do poeta, seu caráter pragmático, instintivo, de mero chamariz da natureza para a perpetuação da espécie, para se transformar em algo arrebatador, absoluto, intraduzível e transcendental.
Cultivador dos extremos, como é, em contrapartida, o amor fracassado, maculado, vilipendiado, não correspondido, causa-lhe sofrimentos inauditos, igualmente de impossível tradução. Seus lamentos e ais podem ser ouvidos em mundos alhures, para além da Via Láctea e da mais distante das galáxias. Seu único consolo é voltar a amar e a ter a devida correspondência, quando então, de forma volúvel (com a qual não atina), volta a entrar em êxtase, esquecido de vez do que antes o atormentou.
De fato, o poeta é um exagerado. E se não o fosse, convenhamos, não mereceria ostentar essa condição especial, de sujeito dos extremos. Exalta as virtudes, como se estas existissem, de fato, em estado de pureza virginal, sem máculas, sem a mínima possibilidade de conviverem com os pecados e deficiências da nossa miserabilíssima condição humana. Estas, porém, não existem da maneira como entende que existam.
O instrumento de que o poeta lança mão, para descrever o indescritível, é dos mais frágeis e pobres, face à grandeza de sentimentos transcendentais: a palavra (e não importa em qual idioma). Ele está sempre inquieto e insatisfeito, frustrado por não conseguir reproduzir, em toda sua sublimidade, profundidade e integralidade, a beleza, de quem se considera mais do que perpétuo servidor, fiel e dócil escravo.
O escritor austríaco, Karl Kraus, dá um indicativo, em um dos seus tantos textos, de como o poeta procede ao operar com instrumentais tão precários: “A minha linguagem é como uma prostituta qualquer que eu transformo em virgem”.
As mesmas palavras, frise-se, utilizadas para expressar pureza, grandeza, transcendência e êxtase, são as usadas pelos mortais comuns para nomear vilezas, escárnios, taras, e o que de pior e mais vil habita no coração humano.
Mas o poeta, com sua sensibilidade de alquimista, torna chumbo em ouro. Ou seja, transforma essa prostituta, que a todos se dá, indiferentemente, bastando tão somente que seja requisitada em troca do vil metal (e às vezes nem disso), em algo virginal, impoluto, sem senões e nem máculas.
Faz da linguagem viciosa das ruas, dos lupanares e do populacho ignaro palavras dos anjos, de absoluta pureza, sublimidade e grandeza, antífonas de louvor ao Ser Supremo, criador do universo e dos homens.
O poeta enxerga a vida por um outro prisma. Vislumbra os umbrais do Paraíso, onde os outros só vêem rocha cinzenta e sem brilho. Vê estrelas e o infinito onde os mortais comuns apenas enxergam uma poça de água barrenta e infestada de germes.
Essa constatação, que certamente deve soar a exagerada e delirante, sequer é minha, mas de um desses seres especiais, acampados junto às portas do Éden, à espera que elas se escancarem e não se fechem jamais. São do sublime autor do “Fausto”, o alemão Johann Wolfgang von Goethe, que assim se expressou a propósito: “As palavras do poeta volteiam incessantemente ao redor do paraíso e batem implorando a imortalidade”. Quem sabe, algum dia, logrará conquistá-la!
Pedro J. Bondaczuk
A figura do poeta (não sei por qual razão) sugere-me alguém que conheça, pela simples intuição talvez, o Paraíso de eternas delícias e nenhuma dor e que esteja bem próximo da sua entrada, no afã de adentrar seus umbrais. “Suas palavras batem à porta dessa morada ideal implorando a imortalidade”.
Ou, quem sabe, ele seja protótipo de Adão, símbolo do primeiro homem, nosso absoluto ancestral (e este, certamente, existiu, caso contrário não estaríamos aqui), inconformado com a expulsão do Éden, traído pela vileza da serpente, e que se recusa a deixar seus arredores, na esperança de ser perdoado e ter a entrada franqueada outra vez.
O poeta é o sujeito dos extremos. Emoções, para ele, não podem ser as triviais, de qualquer outro mortal e muito menos moderadas. Não se satisfaz com o quente. Aspira o fervente. É um vasto oceano (muito maior do que o Pacífico) de sensibilidade.
O amor, quando correspondido, se lhe afigura como a suprema das venturas. Nessas circunstâncias, ele, que sobrevive e se manifesta através das palavras, se desespera por não encontrar aquelas que julga adequadas para expressar seu êxtase.
Esse sentimento, vulgarizado pelos mortais comuns, perde, na cabeça do poeta, seu caráter pragmático, instintivo, de mero chamariz da natureza para a perpetuação da espécie, para se transformar em algo arrebatador, absoluto, intraduzível e transcendental.
Cultivador dos extremos, como é, em contrapartida, o amor fracassado, maculado, vilipendiado, não correspondido, causa-lhe sofrimentos inauditos, igualmente de impossível tradução. Seus lamentos e ais podem ser ouvidos em mundos alhures, para além da Via Láctea e da mais distante das galáxias. Seu único consolo é voltar a amar e a ter a devida correspondência, quando então, de forma volúvel (com a qual não atina), volta a entrar em êxtase, esquecido de vez do que antes o atormentou.
De fato, o poeta é um exagerado. E se não o fosse, convenhamos, não mereceria ostentar essa condição especial, de sujeito dos extremos. Exalta as virtudes, como se estas existissem, de fato, em estado de pureza virginal, sem máculas, sem a mínima possibilidade de conviverem com os pecados e deficiências da nossa miserabilíssima condição humana. Estas, porém, não existem da maneira como entende que existam.
O instrumento de que o poeta lança mão, para descrever o indescritível, é dos mais frágeis e pobres, face à grandeza de sentimentos transcendentais: a palavra (e não importa em qual idioma). Ele está sempre inquieto e insatisfeito, frustrado por não conseguir reproduzir, em toda sua sublimidade, profundidade e integralidade, a beleza, de quem se considera mais do que perpétuo servidor, fiel e dócil escravo.
O escritor austríaco, Karl Kraus, dá um indicativo, em um dos seus tantos textos, de como o poeta procede ao operar com instrumentais tão precários: “A minha linguagem é como uma prostituta qualquer que eu transformo em virgem”.
As mesmas palavras, frise-se, utilizadas para expressar pureza, grandeza, transcendência e êxtase, são as usadas pelos mortais comuns para nomear vilezas, escárnios, taras, e o que de pior e mais vil habita no coração humano.
Mas o poeta, com sua sensibilidade de alquimista, torna chumbo em ouro. Ou seja, transforma essa prostituta, que a todos se dá, indiferentemente, bastando tão somente que seja requisitada em troca do vil metal (e às vezes nem disso), em algo virginal, impoluto, sem senões e nem máculas.
Faz da linguagem viciosa das ruas, dos lupanares e do populacho ignaro palavras dos anjos, de absoluta pureza, sublimidade e grandeza, antífonas de louvor ao Ser Supremo, criador do universo e dos homens.
O poeta enxerga a vida por um outro prisma. Vislumbra os umbrais do Paraíso, onde os outros só vêem rocha cinzenta e sem brilho. Vê estrelas e o infinito onde os mortais comuns apenas enxergam uma poça de água barrenta e infestada de germes.
Essa constatação, que certamente deve soar a exagerada e delirante, sequer é minha, mas de um desses seres especiais, acampados junto às portas do Éden, à espera que elas se escancarem e não se fechem jamais. São do sublime autor do “Fausto”, o alemão Johann Wolfgang von Goethe, que assim se expressou a propósito: “As palavras do poeta volteiam incessantemente ao redor do paraíso e batem implorando a imortalidade”. Quem sabe, algum dia, logrará conquistá-la!
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