Wednesday, November 25, 2009




Conquista do que é negado

Pedro J. Bondaczuk

A vida nos enche de promessas, ao nascermos, mas na hora de cumprir o prometido... Salvo raras exceções, nos frustra, deprime, decepciona e nos deixa na mão. Quantos jovens brilhantes, que se destacam na escola pela facilidade de aprender, pela sociabilidade e popularidade, por habilidades esportivas, que tinham tudo para vencer nas profissões que escolheram, não ficam pelo caminho?!
Encontramo-los anos depois da formatura esperando ver profissionais realizados e bem-sucedidos, mas o que vemos, de fato, são indivíduos vazios, fracassados, deprimidos, quando não vítimas do alcoolismo e das drogas. Inúmeras, milhares, milhões, provavelmente bilhões de pessoas enquadram-se nesse perfil.. É, a vida tem mesmo o hábito de não cumprir as promessas que faz. Os fracassados enredam-se em suas circunstâncias e se mostram inábeis em, se não modificá-las, pelo menos contorná-las.
Nós mesmos, aos nascermos, nos constituímos em promessas para nossas famílias. É verdade que alguns mais e outro menos. Depende de onde nascemos e das circunstâncias desse nascimento. A maioria, porém, ao cabo dos anos, decepciona os que esperavam muito dela e a si própria, principalmente.
Mesmo os filhos indesejados, que ao nascerem – às vezes acidentalmente, frutos de uma relação fortuita e que são encarados como “pesos” pelo casal, como uma boca a mais para alimentar – se constituem em alguma parcela, mesmo que ínfima, de esperança. Ou seja, a de se tornarem, de alguma maneira, tábuas de salvação para pais desesperados e miseráveis. Mesmo que eles não admitam, e até manifestem o contrário, no fundo, no fundo, os encaram, no mínimo, como boas promessas da vida.
Todavia, com o passar dos anos, a maioria, reitero, frustra as expectativas. Pessoas que os pais esperavam que fossem médicos, advogados, engenheiros etc., por exemplo, não revelam pendor para os estudos, ou não sabem aproveitar as raras oportunidades que lhes surgem, e fracassam fragorosamente. Não raro, não dão em nada, quando não se transformam em pesos mortos para a família e a sociedade, ou se marginalizam e se tornam bandidos, inimigos inconciliáveis da própria espécie.
Mas a vida nos outorga uma varinha mágica, que opera milagres e realiza (ou pelo menos traz a ilusão de realizar) o irrealizável. Compete-nos encontrá-la, a tempo, e utilizá-la ou não. A escolha é nossa. Qual é ela? Como é? Onde está?
O poeta alemão, Johann Wolfgang von Goethe, nos revela qual é esta varinha mágica, que nos propicia certa satisfação pessoal, posto que sempre ilusória: “Só a arte permite a realização de tudo o que na realidade a vida recusa ao homem”.
Todos temos algum pendor artístico, mesmo que sequer desconfiemos. Uns, têm o talento de pintar, outros de esculpir, outros de compor música, outros ainda de executá-la, outros de escrever e vai por aí afora. Compete-nos descobrir nossa aptidão, desenvolvê-la, aperfeiçoá-la e, claro, utilizá-la. Talento algum se impõe por si só e muito menos nos vem completo e acabado.
A arte permite, por exemplo, que o doente transforme a doença em saúde e vigor; que o fracassado no amor torne esse fracasso no êxtase e delírio do sucesso e que o humilhado e ofendido tenha a ilusão da glória e do poder. Todos eles realizam-se nas obras que produzem que, dependendo da qualidade e das circunstâncias, os imortalizam e até os glorificam.
Não raro pintores (ou escultores) doentes, ou portadores de graves deficiências físicas, sublimam essas características limitantes e pintam (ou esculpem) figuras que recendem a fortaleza e vigor, protótipos da perfeição orgânica com que sonham, Apolos, Davis, Dianas etc., retratos de corpo inteiro das suas aspirações.
É comum escritores (poetas ou não), fracassados no amor, por idealizarem amadas com perfeição inacessível a humanos (como a Beatriz de Dante), criarem personagens divinos, não somente felizes, mas que espalham felicidade e encantamento ao seu redor, que se existissem em carne e osso realizariam os mais impossíveis e delirantes sonhos de qualquer mortal.
O artista e o sábio são, via de regra, rejeitados por suas musas. Claro que há exceções, como tudo na vida. Mas a regra parece ser esta. É, pois, uma das promessas da vida que ela menos cumpre e mais nos frustra. Machado de Assis chegou a escrever instigante texto (se não me falha a memória, uma crônica) a respeito, destacando a estranha propensão das mulheres pelos tolos. Na arte, porém, essas amadas perfeitas existem e se imortalizam. E imortalizam, evidentemente, seus “criadores”.
A arte é, pois, em certa medida, a realização de fato do que a vida nos promete, mas depois nos nega. Talvez não no plano material (embora também possa ser). Mas num terreno muito menos concreto, por isso movediço, que é o dos sentimentos. Mas cá para nós, tanto uma quanto a outra, não passam, na verdade, de duas grandes ilusões! Ou não são?

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