Tuesday, November 17, 2009




Gigantes da comunicação


Pedro J. Bondaczuk


"A História é uma sucessão de mudanças efêmeras, enquanto os valores eternos se perpetuam fora da História, são imutáveis e não precisam de memória". Estas palavras são do escritor checo Milan Kundera, no romance "O Livro do Riso e do Esquecimento". O homem não se conforma com sua mortalidade e busca, através do volátil instrumento que denomina de "poder", preservar algo que o lembre num futuro distante, através de obras e ações (boas ou más). Jamais saberá se logrou seu objetivo. A morte não deixa. E a maioria nunca consegue o objetivo de permanecer na memória dos povos.
Outros, perpetuam-se em decorrência da sua crueldade, da sua loucura, da sua sede de sangue ou da sua ganância desmedida. São os casos dos Calígulas, dos Neros, dos Átilas, dos Alaricos, dos Gensericos, dos Gengis Khans, dos Hitlers etc. etc.etc.
A História (da qual, atualmente, o jornalismo é o registro, no momento em que os fatos acontecem) quase nunca faz justiça aos que merecem, pela postura que assumem, pelos valores que defendem, por sua inteligência e pela força do seu caráter, em suas páginas, quase sempre banais. O que realmente importa na vida dos povos não ganha espaço em seus episódios. Ainda assim, os que defendem os valores eternos e imutáveis, os que vivem e morrem por eles e os propagam com a força do exemplo, sobrevivem ao tempo e ao esquecimento.
Estes conquistam espaço no coração, e na mente, dos homens, na sucessão de gerações. Tornam-se sagas, lendas, mitos. São os casos de dois contemporâneos que nunca se conheceram, com origens, idéias, crenças e procedimentos absolutamente diferentes, mas com um elo comum: o poder das palavras que utilizavam como únicas armas. São dois gigantes da comunicação em todos os tempos.
Referimo-nos ao poeta grego Homero, autor das epopéias "Ilíada" e "Odisséia" (o “jornalista” daqueles tempos em que sequer o alfabeto havia sido inventado) e do profeta e juiz judeu Elias, cujo procedimento foi revestido de tamanha retidão, que "subiu aos céus numa carruagem de fogo" e jamais conheceu a morte, conforme relato bíblico. Há certas coincidências que comprovam a afirmação de que "não há nada de novo debaixo do sol".
Pode parecer aos desavisados que estou fugindo do tema a que me propus a abordar no Comunique-se, ou seja, o jornalismo em seus mais diversos ângulos, aspectos e situações. Todavia, não fugi. Trata-se de um tema original, dos primórdios da comunicação. É uma espécie de proto-história dessa atividade fundamental e indispensável à civilização.
Na minha juventude – fato que eu atribuía à minha inexperiência e aos lapsos existentes em minha cultura – sempre relacionei estes dois homens, Homero e Elias, mesmo sabendo que ambos nunca se encontraram e pouco ou nada tinham em comum. Confesso que nunca me dei conta que eram contemporâneos. Aparentemente, um nada teve a ver com o outro. Onde, pois, a relação? Sempre busquei esse elo, em vão. Mas pensava, nem sei porque, talvez intuitivamente, nos dois juntos.
Recentemente, lendo o excelente livro do jornalista e escritor sérvio Milorad Pavitch, "O Dicionário de Kazar", dei com um trecho absolutamente inesperado. O autor coloca na boca de um de seus personagens (históricos), o monge grego Metódio, santo da igreja ortodoxa russa – o sacerdote, ao lado de São Cirilo, foi um dos responsáveis pela civilização e cristianização da Rússia, dotando-a do alfabeto que utiliza até hoje, o cirílico – uma reflexão instigante. Relaciona os dois grandes homens, que jamais se conheceram, mas se tornaram imortais.
Diz o texto: "Pensava em como Homero tivera mares e cidades no seu imenso império poético sem desconfiar que em uma dessas cidades, em Sidon, vivia o profeta Elias, que se tornaria cidadão de um outro império poético – o Livro Santo – tão vasto, eterno e poderoso quanto o de Homero. E Metódio perguntava-se, finalmente, se esses dois contemporâneos tinham-se encontrado em algum momento, Homero e o profeta Elias, o tichbita da Galaad – ambos imortais, ambos armados apenas com a palavra, um cego e voltado para o passado, outro vidente obcecado pelo futuro, um grego que cantara a água e o fogo melhor do que todos os poetas, outro, um judeu que premiava com a água e punia com o fogo usando a sua capa como ponte".
Está aí o elo entre ambos: a preocupação com os extremos. Um descreveu, com seus versos geniais, a saga de deuses e heróis no convívio com os humanos. Outro, conduziu os homens do seu tempo e lugar aos pés do único Deus. Um relatou os passeios de Apolo em sua carruagem de fogo pelos caminhos do céu (o que foi transmitido, de boca em boca, de geração para geração, pelos gregos). Outro, foi arrebatado e conduzido a um lugar que desafia a imaginação das pessoas, muito além da Terra e do Sistema Solar.
Não foi a História, porém, que perpetuou estes dois gigantes do gênero humano: foi a sua grandeza. A conclusão destas reflexões só poderia, mesmo, ser a de Pavitch, neste magnífico trecho do seu livro: "Nunca duas coisas tão grandes estiveram tão próximas uma da outra". Nunca mesmo! E, no entanto, jamais se encontraram...

No comments: