A poesia sai dos livros
Pedro J. Bondaczuk
O poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu, em certa ocasião, que “a poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais”. “Mas como?”, pergunto aos meus botões, conhecendo, como poucos, o teor do noticiário diário (afinal, sou e sempre fui editor), com seu desfile de taras, velhacarias, aberrações, violências e tensões.
Seria mesmo assim ou o poeta estaria forçando a barra? Onde a beleza, por exemplo, dos ataques terroristas no metrô de Madri, ou no centro de Bagdá, ou em alguma rua de Beirute? Onde a beleza dos massacres, principalmente de crianças, mulheres e velhos, no Iraque, na Faixa de Gaza ou no Afeganistão?
Como vislumbrar poesia na fome, no abandono, na depredação da natureza etc.etc.etc? Ocorre que, mesmo nessas distorções, há vida. Certamente Drummond quis referir-se a ela, quando fez essa espécie de desabafo.
Talvez o escritor de Itabira tenha pretendido fazer uma critica a muitos que posam como poetas e que, no entanto, escrevem um monte de besteiras, linhas e mais linhas eivadas de pornografia barata e de palavras desconexas, muitas, inclusive, grafadas erradas, que entendem por poesia.
E há tolos que aplaudem, babando, essas garatujas, feitas para enganar trouxas, e consideram seus autores como gênios, talvez reencarnações de Camões, de Fernando Pessoa, de Manuel Bandeira ou de Vinícius de Moraes. Questão de gosto! Ou, para sermos mais precisos, de falta dele. O que fazer?
Mas os jornais não têm somente notícias, mas também opiniões e crônicas. Nestas últimas, sim, há poesia, principalmente se o cronista é bom. Textos de Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Lourenço Diaféria, do próprio Drummond, de Henrique Pongetti, Rachel de Queiroz etc.etc.etc. nunca cansavam (e nem cansam, quando relidos). Não ferem o senso crítico e, simultaneamente, agradam à sensibilidade.
Suas crônicas, imortalizadas em livros e antologias (e hoje, na internet), que muitas vezes abordam temas pungentes e dramáticos, não irritam, não agridem e não chateiam. Pena que desapareceram dos jornais, com a morte desses sublimes cronistas.
Já não temos mais, por exemplo, além dos mencionados, um Vinicius de Moraes. Há anos estamos privados do humor inteligente de Sérgio Porto, que assinava seus textos com o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta.
Guilherme de Almeida, e seus deliciosos “Ecos ao longo dos Meus Passos”, desapareceram com o poeta. Rubem Braga e Fernando Sabino deixaram de nos deliciar com suas historietas saborosas e às vezes hilariantes. Quem não se lembra de “O Homem Nu”, transformado em livro e até em filme? Qualquer pessoa está sujeita a ser flagrada em situação ridícula como a do personagem. Por isso, ela é engraçada!
Hoje os cronistas estão cada vez mais sisudos, mais mal-humorados, mais amargos e por isso chatos. Poucos têm coragem de escrever na primeira pessoa. Suas crônicas só nos trazem mais tensões (claro que há exceções. Sempre há!), mais preocupações, mais aborrecimentos, rivalizando com os articulistas.
Estão deixando de lado aspectos aparentemente banais do cotidiano que, na verdade, são muito mais importantes do que muitos podem supor. Ninguém está defendendo, obviamente, a alienação. Mas para quem deseja estar em dia com a realidade, basta ler o noticiário. A principal característica da crônica é, exatamente, o bom-humor, a leveza, o descomprometimento.
Drummond constatou, a esse respeito, em um texto que publicou em outubro de 1979, no Jornal da Tarde: “Pobre cronista urbano, teus assuntos cheiram a reclamação e protesto, e acabas ao lado da coluna de cartas de consumidores, aborrecidos com a má qualidade dos eletrodomésticos, que pifam uma semana depois de instalados, ou nem chegam a funcionar”. Não é o que está acontecendo?!
O engraçado é que os editores, sob a argumentação de que, em virtude de se tratar de um espaço precioso, o jornal deve abordar assuntos que eles consideram sérios, dão prioridade a artigos sobre temas políticos, econômicos e sociais (estes, mais raramente), em detrimento da leveza da crônica.
Os articulistas colocam-se como donos da verdade, criticando tudo e todos, em postura, na maioria das vezes, carregada de arrogância. Quantos conseguem, de fato, o beneplácito do leitor e são lidos? Poucos! Pouquíssimos! Ademais, seus textos são tão efêmeros, tão perecíveis, tão passageiros, quanto o próprio noticiário, que os enseja.
O leitor se lembra, assim de estalo, de memória, de algum articulista do século XIX? Claro que não! É possível que nem se lembre de alguém que tenha publicado pomposo e panfletário comentário sobre a crise política (não fosse o Brasil o país das crises) há 30 dias, quando não há uma semana. Mas não se preocupe. Não é a sua memória que é falha.
Se o texto não durou, foi porque não tinha importância. Cronistas, porém, há aos montes, inclusive o sublime Machado de Assis, para citar um dos melhores, se não o melhor deles. A fragilidade da crônica, portanto, é ilusória. Há enorme sabedoria por trás da sua aparente banalidade. É ela que capta a alma do povo, seus costumes, suas reações, seus gostos e desgostos, que variam de tempos em tempos e de pessoa para pessoa, mas conservam uma inegável identidade.
Pedro J. Bondaczuk
O poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu, em certa ocasião, que “a poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais”. “Mas como?”, pergunto aos meus botões, conhecendo, como poucos, o teor do noticiário diário (afinal, sou e sempre fui editor), com seu desfile de taras, velhacarias, aberrações, violências e tensões.
Seria mesmo assim ou o poeta estaria forçando a barra? Onde a beleza, por exemplo, dos ataques terroristas no metrô de Madri, ou no centro de Bagdá, ou em alguma rua de Beirute? Onde a beleza dos massacres, principalmente de crianças, mulheres e velhos, no Iraque, na Faixa de Gaza ou no Afeganistão?
Como vislumbrar poesia na fome, no abandono, na depredação da natureza etc.etc.etc? Ocorre que, mesmo nessas distorções, há vida. Certamente Drummond quis referir-se a ela, quando fez essa espécie de desabafo.
Talvez o escritor de Itabira tenha pretendido fazer uma critica a muitos que posam como poetas e que, no entanto, escrevem um monte de besteiras, linhas e mais linhas eivadas de pornografia barata e de palavras desconexas, muitas, inclusive, grafadas erradas, que entendem por poesia.
E há tolos que aplaudem, babando, essas garatujas, feitas para enganar trouxas, e consideram seus autores como gênios, talvez reencarnações de Camões, de Fernando Pessoa, de Manuel Bandeira ou de Vinícius de Moraes. Questão de gosto! Ou, para sermos mais precisos, de falta dele. O que fazer?
Mas os jornais não têm somente notícias, mas também opiniões e crônicas. Nestas últimas, sim, há poesia, principalmente se o cronista é bom. Textos de Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Lourenço Diaféria, do próprio Drummond, de Henrique Pongetti, Rachel de Queiroz etc.etc.etc. nunca cansavam (e nem cansam, quando relidos). Não ferem o senso crítico e, simultaneamente, agradam à sensibilidade.
Suas crônicas, imortalizadas em livros e antologias (e hoje, na internet), que muitas vezes abordam temas pungentes e dramáticos, não irritam, não agridem e não chateiam. Pena que desapareceram dos jornais, com a morte desses sublimes cronistas.
Já não temos mais, por exemplo, além dos mencionados, um Vinicius de Moraes. Há anos estamos privados do humor inteligente de Sérgio Porto, que assinava seus textos com o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta.
Guilherme de Almeida, e seus deliciosos “Ecos ao longo dos Meus Passos”, desapareceram com o poeta. Rubem Braga e Fernando Sabino deixaram de nos deliciar com suas historietas saborosas e às vezes hilariantes. Quem não se lembra de “O Homem Nu”, transformado em livro e até em filme? Qualquer pessoa está sujeita a ser flagrada em situação ridícula como a do personagem. Por isso, ela é engraçada!
Hoje os cronistas estão cada vez mais sisudos, mais mal-humorados, mais amargos e por isso chatos. Poucos têm coragem de escrever na primeira pessoa. Suas crônicas só nos trazem mais tensões (claro que há exceções. Sempre há!), mais preocupações, mais aborrecimentos, rivalizando com os articulistas.
Estão deixando de lado aspectos aparentemente banais do cotidiano que, na verdade, são muito mais importantes do que muitos podem supor. Ninguém está defendendo, obviamente, a alienação. Mas para quem deseja estar em dia com a realidade, basta ler o noticiário. A principal característica da crônica é, exatamente, o bom-humor, a leveza, o descomprometimento.
Drummond constatou, a esse respeito, em um texto que publicou em outubro de 1979, no Jornal da Tarde: “Pobre cronista urbano, teus assuntos cheiram a reclamação e protesto, e acabas ao lado da coluna de cartas de consumidores, aborrecidos com a má qualidade dos eletrodomésticos, que pifam uma semana depois de instalados, ou nem chegam a funcionar”. Não é o que está acontecendo?!
O engraçado é que os editores, sob a argumentação de que, em virtude de se tratar de um espaço precioso, o jornal deve abordar assuntos que eles consideram sérios, dão prioridade a artigos sobre temas políticos, econômicos e sociais (estes, mais raramente), em detrimento da leveza da crônica.
Os articulistas colocam-se como donos da verdade, criticando tudo e todos, em postura, na maioria das vezes, carregada de arrogância. Quantos conseguem, de fato, o beneplácito do leitor e são lidos? Poucos! Pouquíssimos! Ademais, seus textos são tão efêmeros, tão perecíveis, tão passageiros, quanto o próprio noticiário, que os enseja.
O leitor se lembra, assim de estalo, de memória, de algum articulista do século XIX? Claro que não! É possível que nem se lembre de alguém que tenha publicado pomposo e panfletário comentário sobre a crise política (não fosse o Brasil o país das crises) há 30 dias, quando não há uma semana. Mas não se preocupe. Não é a sua memória que é falha.
Se o texto não durou, foi porque não tinha importância. Cronistas, porém, há aos montes, inclusive o sublime Machado de Assis, para citar um dos melhores, se não o melhor deles. A fragilidade da crônica, portanto, é ilusória. Há enorme sabedoria por trás da sua aparente banalidade. É ela que capta a alma do povo, seus costumes, suas reações, seus gostos e desgostos, que variam de tempos em tempos e de pessoa para pessoa, mas conservam uma inegável identidade.
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