Ordem no crescimento
Pedro J. Bondaczuk
O mundo vem experimentando neste século, mesmo após a ocorrência de duas gigantescas guerras, que provocaram, juntas, cerca de 50 milhões de mortes e após a deflagração de perto de mil conflitos, com número de vítimas fatais aproximado dessa cifra, um processo acelerado de expansão populacional. Mas o problema todo não reside, como muitos pensam, nessa explosão demográfica. Ou pelo menos não somente nela. A grande questão está na má distribuição dos habitantes no território planetário. Afinal, o Planeta comporta, folgadamente, 16 bilhões de pessoas.
Veja-se o caso do Brasil, por exemplo. No início deste século, 94% da população residia no campo e as cidades, poucas por sinal, abrigavam apenas 6% dos brasileiros. Segundo estimativas deste ano, a situação se reverteu dramaticamente. E isso em menos de um século, ou seja, no espaço mínimo de três gerações. Hoje, perto de 80% dos nossos habitantes residem em zonas urbanas, que seguem num processo de expansão acelerada, a uma média anual de até 15%. Em Campinas, esse fenômeno, mais do que em qualquer outro lugar, é bastante perceptível. E não apresenta nenhum sintoma de que possa, ou venha a médio prazo (se é que algum dia virá) a ser detido.
Se nas sociedades mais desenvolvidas, as correntes migratórias do campo para a cidade se devem à implantação de alta tecnologia na agricultura, reduzindo dramaticamente a necessidade de emprego de mão de obra, no Terceiro Mundo isso não se prende a motivos tão positivos. O que há nesses países é um puro e simples abandono das lavouras, especialmente aquelas voltadas para a produção de alimentos, por absoluta falta de atenção das autoridades. Hordas imensas de pessoas, sem nenhuma capacitação profissional, invadem diariamente as grandes cidades, instaladas em precárias habitações, indignas de seres humanos, na vã esperança de que a metrópole tenha para lhes oferecer algo melhor do que o local de onde vieram. Não têm, é evidente. Com isso, essas pessoas criam dificuldades para si e para os primitivos habitantes urbanos, que experimentam uma considerável degradação no seu padrão de vida. Todos saem perdendo.
Veja-se o exemplo de São Paulo. Em 1954, quando das comemorações do seu quarto centenário, a Paulicéia possuía uma população de algo em torno de 1,5 milhão. Já então tinha um trânsito caótico, dificuldades sensíveis no abastecimento de água, absoluta carência quanto ao serviço de esgotos e deficiências gritantes no tocante aos melhoramentos urbanos, como asfalto, guias, sarjetas e outros benefícios. Hoje a capital paulista tem apenas de favelados essa mesma quantidade de gente. Tudo o que foi investido nestes 31 anos teve seus efeitos benéficos anulados pelo simples crescimento vegetativo. E a cidade continua crescendo para todos os lados. Em maio passado, atingiu o décimo-milionésimo paulistano. No ano 2000, portanto em apenas 14 anos, estará com 26 milhões de habitantes, boa parte deles com carro próprio para trafegar por ruas estreitas e mal traçadas. De que maneira ele o fará, ninguém pode sequer atinar. Todo esse contingente estará gerando toneladas de lixo diárias, que precisarão ser postas em algum lugar. Estarão necessitando de alimentos e despejando quantidades impressionantes de dejetos nos antiquados e insuficientes sistemas de esgoto.
É para dirigir esta cidade que treze políticos se digladiaram, nos últimos meses, trocando ofensas, fazendo promessas e investindo bilhões de cruzeiros. E algum deles tem qualquer solução para pelo menos racionalizar esse crescimento e tornar São Paulo habitável no ano 2000? Pelo que se viu ao longo da recém-finda campanha, decididamente não. Enquanto isso, os problemas não param de surgir. Vão se acumulando a cada dia que passa, adiados "sine die" por sucessivas administrações. É aí que reside a principal falha das grandes concentrações urbanas. Chega-se a um momento em que elas se tornam inadministráveis, autênticas arapucas, verdadeiras prisões. E a vida em sua jurisdição se torna insuportável e degradante.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular em 14 de novembro de 1985)
Pedro J. Bondaczuk
O mundo vem experimentando neste século, mesmo após a ocorrência de duas gigantescas guerras, que provocaram, juntas, cerca de 50 milhões de mortes e após a deflagração de perto de mil conflitos, com número de vítimas fatais aproximado dessa cifra, um processo acelerado de expansão populacional. Mas o problema todo não reside, como muitos pensam, nessa explosão demográfica. Ou pelo menos não somente nela. A grande questão está na má distribuição dos habitantes no território planetário. Afinal, o Planeta comporta, folgadamente, 16 bilhões de pessoas.
Veja-se o caso do Brasil, por exemplo. No início deste século, 94% da população residia no campo e as cidades, poucas por sinal, abrigavam apenas 6% dos brasileiros. Segundo estimativas deste ano, a situação se reverteu dramaticamente. E isso em menos de um século, ou seja, no espaço mínimo de três gerações. Hoje, perto de 80% dos nossos habitantes residem em zonas urbanas, que seguem num processo de expansão acelerada, a uma média anual de até 15%. Em Campinas, esse fenômeno, mais do que em qualquer outro lugar, é bastante perceptível. E não apresenta nenhum sintoma de que possa, ou venha a médio prazo (se é que algum dia virá) a ser detido.
Se nas sociedades mais desenvolvidas, as correntes migratórias do campo para a cidade se devem à implantação de alta tecnologia na agricultura, reduzindo dramaticamente a necessidade de emprego de mão de obra, no Terceiro Mundo isso não se prende a motivos tão positivos. O que há nesses países é um puro e simples abandono das lavouras, especialmente aquelas voltadas para a produção de alimentos, por absoluta falta de atenção das autoridades. Hordas imensas de pessoas, sem nenhuma capacitação profissional, invadem diariamente as grandes cidades, instaladas em precárias habitações, indignas de seres humanos, na vã esperança de que a metrópole tenha para lhes oferecer algo melhor do que o local de onde vieram. Não têm, é evidente. Com isso, essas pessoas criam dificuldades para si e para os primitivos habitantes urbanos, que experimentam uma considerável degradação no seu padrão de vida. Todos saem perdendo.
Veja-se o exemplo de São Paulo. Em 1954, quando das comemorações do seu quarto centenário, a Paulicéia possuía uma população de algo em torno de 1,5 milhão. Já então tinha um trânsito caótico, dificuldades sensíveis no abastecimento de água, absoluta carência quanto ao serviço de esgotos e deficiências gritantes no tocante aos melhoramentos urbanos, como asfalto, guias, sarjetas e outros benefícios. Hoje a capital paulista tem apenas de favelados essa mesma quantidade de gente. Tudo o que foi investido nestes 31 anos teve seus efeitos benéficos anulados pelo simples crescimento vegetativo. E a cidade continua crescendo para todos os lados. Em maio passado, atingiu o décimo-milionésimo paulistano. No ano 2000, portanto em apenas 14 anos, estará com 26 milhões de habitantes, boa parte deles com carro próprio para trafegar por ruas estreitas e mal traçadas. De que maneira ele o fará, ninguém pode sequer atinar. Todo esse contingente estará gerando toneladas de lixo diárias, que precisarão ser postas em algum lugar. Estarão necessitando de alimentos e despejando quantidades impressionantes de dejetos nos antiquados e insuficientes sistemas de esgoto.
É para dirigir esta cidade que treze políticos se digladiaram, nos últimos meses, trocando ofensas, fazendo promessas e investindo bilhões de cruzeiros. E algum deles tem qualquer solução para pelo menos racionalizar esse crescimento e tornar São Paulo habitável no ano 2000? Pelo que se viu ao longo da recém-finda campanha, decididamente não. Enquanto isso, os problemas não param de surgir. Vão se acumulando a cada dia que passa, adiados "sine die" por sucessivas administrações. É aí que reside a principal falha das grandes concentrações urbanas. Chega-se a um momento em que elas se tornam inadministráveis, autênticas arapucas, verdadeiras prisões. E a vida em sua jurisdição se torna insuportável e degradante.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular em 14 de novembro de 1985)
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