Espelho da alma
Pedro J. Bondaczuk
A arte é a mais útil das inutilidades. Por que esse espanto, caro leitor? Pensem em termos rigorosamente pragmáticos. Ninguém a come, ou a veste ou se abriga debaixo dela. É, pois, rigorosamente prescindível para a sobrevivência, pelo menos a material.
Vocês conhecem algum animal (que não seja o homem, claro) que faça, consuma e sobreviva de arte? Eu não conheço! Caso exista, será um fenômeno, digno não só de registro, mas até de estudo. Claro que até em termos pragmáticos, essa manifestação de inteligência, bom-gosto e sensibilidade adquiriu valor econômico.
Raciocinemos. O que entendemos por “civilização”, tem como fulcro um conjunto interminável de símbolos, de convenções tácitas, compreensíveis por todos integrantes de determinado grupo. Estão, neste caso, palavras, alfabetos, números, valores, conceitos abstratos etc.etc.etc. E entre eles, está, também, claro, a arte.
É nesse contexto que, com o tempo, ela adquiriu, também, importância econômica. A economia, convenhamos, é, rigorosamente, simbólica. O dinheiro, por exemplo, é o modo prático de quantificar certa parcela de trabalho e de mercadorias. O conceito do que é “econômico” baseia-se na escassez. Só o escasso tem valor, por esse critério.
O que existe com fartura na natureza e que é acessível a todos não é bem cotado ou sequer tem alguma cotação. Em resumo, economia, até por convenção, pode ser definida como a “administração da escassez”.
Determinados quadros, pintados pelos grandes mestres, constituem-se, por exemplo, há já bom tempo, em excelentes investimentos. Têm mercado. Seus proprietários, mesmo que não os apreciem artisticamente (que não entendam e nem gostem sequer um pouquinho de arte), podem transformá-los em moeda sonante à hora que desejarem. E com lucros fenomenais em relação ao que investiram, de acordo com a cotação do momento. Dependem, contudo, da “procura” que esses quadros tenham.
E por que eles têm tamanho valor? Por se tratarem de obra única. Você não terá dois, cinco, dez ou mais “Os girassóis”, de Vincent Van Gogh. Se houver um segundo, certamente será uma falsificação.
A procura por essa pintura, certamente, é esmagadoramente maior do que a oferta, caso contrário, ela não valeria nada. Esta, no caso, é apenas uma, e única. Daí ser tão valiosa. Essas obras de arte, por essa razão citada, tornaram-se de mais valor do que outros tantos símbolos de riqueza, como ouro, ações e determinadas moedas bem-cotadas. Mas intrinsecamente... Ninguém come arte, nem a veste e nem se abriga debaixo dela.
Notem que abordei a questão apenas no aspecto rigorosamente pragmático, não anímico. Citei como exemplo a pintura, como poderia ter citado a escultura, a música, a poesia e os outros gêneros de literatura. Guardadas as devidas proporções, as coisas funcionam da mesma forma. Ou seja, baseadas no fato das obras serem únicas, portanto, escassas, e na inflexível lei natural de mercado, a da oferta e da procura.
Porém... Vocês já imaginaram um mundo sem artes? Imaginaram ligar o rádio, por exemplo, e não ouvir uma única música, por não existir essa manifestação artística? Imaginaram a não existência de compositores, cantores, instrumentistas, shows, dança etc.? Ou um mundo sem os quadros de um da Vinci, de um Rembrandt, de um Rafael, de um Ticiano etc.etc.etc.? Ou das esculturas de um Michelangelo ou de um Rodin? Enfim, como seria um mundo sem artes? Certamente seria feio, chato, monótono e muito pior do que ele é (e, convenhamos, já não é nenhuma maravilha).
Do ponto de vista pragmático, o espelho é um objeto prescindível. Que diferença faz você ver ou deixar de ver a sua imagem? Ademais, você poderia vê-la refletida nas águas de algum riacho, córrego ou lago. No entanto, creio não haver uma única pessoa no mundo que não disponha desse objeto.
O mesmo ocorre com a arte. Embora não sendo, no aspecto pragmático, imprescindível, ou sequer necessária, não há quem não aprecie alguma manifestação artística, não importa qual, o que ocorre até com pessoas de péssimo gosto estético, ou absolutamente broncas, mais estúpidas do que um chimpanzé razoavelmente treinado.
Os espelhos, embora prescindíveis, servem para o homem satisfazer a sua vaidade. Ou seja, são usados “para ver o rosto”, como destaca o dramaturgo irlandês George Bernard Shaw. Se não o visse, certamente não iria morrer. A arte, por seu turno, ainda de acordo com esse célebre escritor, tem função mais nobre, posto que mais subjetiva. Serve “para ver a alma”. É ou não é, pois, a mais útil das inutilidades?
Pedro J. Bondaczuk
A arte é a mais útil das inutilidades. Por que esse espanto, caro leitor? Pensem em termos rigorosamente pragmáticos. Ninguém a come, ou a veste ou se abriga debaixo dela. É, pois, rigorosamente prescindível para a sobrevivência, pelo menos a material.
Vocês conhecem algum animal (que não seja o homem, claro) que faça, consuma e sobreviva de arte? Eu não conheço! Caso exista, será um fenômeno, digno não só de registro, mas até de estudo. Claro que até em termos pragmáticos, essa manifestação de inteligência, bom-gosto e sensibilidade adquiriu valor econômico.
Raciocinemos. O que entendemos por “civilização”, tem como fulcro um conjunto interminável de símbolos, de convenções tácitas, compreensíveis por todos integrantes de determinado grupo. Estão, neste caso, palavras, alfabetos, números, valores, conceitos abstratos etc.etc.etc. E entre eles, está, também, claro, a arte.
É nesse contexto que, com o tempo, ela adquiriu, também, importância econômica. A economia, convenhamos, é, rigorosamente, simbólica. O dinheiro, por exemplo, é o modo prático de quantificar certa parcela de trabalho e de mercadorias. O conceito do que é “econômico” baseia-se na escassez. Só o escasso tem valor, por esse critério.
O que existe com fartura na natureza e que é acessível a todos não é bem cotado ou sequer tem alguma cotação. Em resumo, economia, até por convenção, pode ser definida como a “administração da escassez”.
Determinados quadros, pintados pelos grandes mestres, constituem-se, por exemplo, há já bom tempo, em excelentes investimentos. Têm mercado. Seus proprietários, mesmo que não os apreciem artisticamente (que não entendam e nem gostem sequer um pouquinho de arte), podem transformá-los em moeda sonante à hora que desejarem. E com lucros fenomenais em relação ao que investiram, de acordo com a cotação do momento. Dependem, contudo, da “procura” que esses quadros tenham.
E por que eles têm tamanho valor? Por se tratarem de obra única. Você não terá dois, cinco, dez ou mais “Os girassóis”, de Vincent Van Gogh. Se houver um segundo, certamente será uma falsificação.
A procura por essa pintura, certamente, é esmagadoramente maior do que a oferta, caso contrário, ela não valeria nada. Esta, no caso, é apenas uma, e única. Daí ser tão valiosa. Essas obras de arte, por essa razão citada, tornaram-se de mais valor do que outros tantos símbolos de riqueza, como ouro, ações e determinadas moedas bem-cotadas. Mas intrinsecamente... Ninguém come arte, nem a veste e nem se abriga debaixo dela.
Notem que abordei a questão apenas no aspecto rigorosamente pragmático, não anímico. Citei como exemplo a pintura, como poderia ter citado a escultura, a música, a poesia e os outros gêneros de literatura. Guardadas as devidas proporções, as coisas funcionam da mesma forma. Ou seja, baseadas no fato das obras serem únicas, portanto, escassas, e na inflexível lei natural de mercado, a da oferta e da procura.
Porém... Vocês já imaginaram um mundo sem artes? Imaginaram ligar o rádio, por exemplo, e não ouvir uma única música, por não existir essa manifestação artística? Imaginaram a não existência de compositores, cantores, instrumentistas, shows, dança etc.? Ou um mundo sem os quadros de um da Vinci, de um Rembrandt, de um Rafael, de um Ticiano etc.etc.etc.? Ou das esculturas de um Michelangelo ou de um Rodin? Enfim, como seria um mundo sem artes? Certamente seria feio, chato, monótono e muito pior do que ele é (e, convenhamos, já não é nenhuma maravilha).
Do ponto de vista pragmático, o espelho é um objeto prescindível. Que diferença faz você ver ou deixar de ver a sua imagem? Ademais, você poderia vê-la refletida nas águas de algum riacho, córrego ou lago. No entanto, creio não haver uma única pessoa no mundo que não disponha desse objeto.
O mesmo ocorre com a arte. Embora não sendo, no aspecto pragmático, imprescindível, ou sequer necessária, não há quem não aprecie alguma manifestação artística, não importa qual, o que ocorre até com pessoas de péssimo gosto estético, ou absolutamente broncas, mais estúpidas do que um chimpanzé razoavelmente treinado.
Os espelhos, embora prescindíveis, servem para o homem satisfazer a sua vaidade. Ou seja, são usados “para ver o rosto”, como destaca o dramaturgo irlandês George Bernard Shaw. Se não o visse, certamente não iria morrer. A arte, por seu turno, ainda de acordo com esse célebre escritor, tem função mais nobre, posto que mais subjetiva. Serve “para ver a alma”. É ou não é, pois, a mais útil das inutilidades?
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