Monday, November 30, 2009




Junqueira Freire tem um poema extraordinário sobre a ilusão. O poeta diz, na última estrofe: "Iludimo-nos todos! Concebemos/um paraíso eterno:/e quando nele sôfregos tocamos,/achamos um inferno". Estes mundos artificiais criados pela nossa fantasia tanto podem consistir em fortuna, prestígio ou poder, quanto em coisas mais íntimas e sutis, como um cargo, uma honraria ou até mesmo um casamento. Quem já não ouviu por aí (ou também não achou isso em algum período da sua vida) a afirmação: "não posso viver sem fulana ou fulano?" Acontece que pode. Todos podem viver sem todos. Às vezes, essa mesma pessoa, depois de cinco, dez ou vinte anos de desgaste conjugal (quando não de meros dias), percebe a besteira que fez. Se for sensata, vai buscar simplesmente a separação, sem maiores conflitos. Se for de índole violenta...Os jornais estampam todos os dias tragédias ocorridas em lares destruídos.



Solução ou problema?

Pedro J. Bondaczuk

As novas tecnologias que revolucionam a vida moderna são, quase sempre, recebidas com desconfiança, e até com variável grau de resistência, pelas pessoas mal-informadas (a maioria delas), enquanto não se imponham e não se tornem corriqueiras. E isso é mais velho do que andar pra frente.
Aconteceu com o tipo móvel de Johann Guttenberg, com o tear mecânico, a locomotiva a vapor, o automóvel, o avião, o rádio, a televisão, o computador e agora ocorre com o telefone celular, para citar, apenas, alguns dos grandes avanços tecnológicos a partir da Idade Média, mas notadamente dos séculos XIX e XX.
Em relação à TV, por exemplo (e disso lembro-me muito bem, pois tinha sete anos de idade por ocasião da inauguração da Tupi-Difusora, o primeiro canal da América Latina, ocorrida em 1950), dizia-se, na oportunidade, que ela apresentava sérios riscos à saúde. Houve quem garantisse que a radiação emanada da telinha poderia provocar leucemia. Outros, do alto da sua “sapiência” (para não dizer, monstruosa ignorância) asseguravam que o aparelho afetava a visão e poderia, até, causar cegueira. Bobagens, claro!
Não houve, desde o advento da TV, nenhum aumento significativo desses males. E nem poderia haver. Mesmo a má programação, a enxurrada de baboseiras que a televisão joga, diariamente, em nossa sala, não apresenta os riscos que tantos “especialistas”, psicólogos, pedagogos, o escambau, dizem que causa.
O problema não reside nesse veículo, tão útil e tão mal aproveitado, mas na educação, ou, para sermos mais exatos, na falta dela para um imenso contingente de pessoas. Deixei de assistir a muitos programas que apreciava por causa da mania superprotetora da minha mãe que, pelo sim, pelo não, queria prevenir algum eventual problema à minha saúde, confiando em tais “pesquisadores”. Não perdôo os que inventaram essas bobagens, sobre riscos imaginários, que não existem e nunca existiram de fato. Privaram-me de algumas satisfações, posto que por tabela.
A bola da vez, agora (reitero), é o telefone celular. Trata-se de uma das maiores invenções dos últimos tempos, que facilita as comunicações e torna muito mais prática a vida dos usuários. Fico imaginando como seria bom contar com esse aparelhinho, anos atrás, quando era editor de um jornal. Quantas bobagens dos repórteres (e minhas, obviamente), não teriam sido cercadas e corrigidas a tempo, antes mesmo da redação dos textos; quantas excelentes pautas não teriam sido cumpridas, em vez de derrubadas; quantos atrasos de edição não seriam evitados!
Todavia, “estudos” se multiplicam, tentando encontrar “chifre em cabeça de cavalo”. Há pesquisadores que (a exemplo do que aconteceu com a televisão) garantem que a radiação emanada pelo aparelho expõe quem dele se utiliza a sérios riscos de saúde. Outros afirmam, no entanto, que nesse aspecto ele é absolutamente inofensivo. Nem uns e nem outros, todavia, conseguiram comprovar suas teses sem sombras de dúvidas. Tenho comigo que faz mal é não termos dinheiro para adquirir um!
O Brasil é, hoje, um dos países em que mais a telefonia celular avançou em todo o mundo. E a expansão desse serviço não está com cara de parar ou de pelo menos reduzir o seu ritmo. Pelo contrário! Estima-se que cerca de um terço dos 182 milhões de brasileiros (por volta de 60 milhões de pessoas) sejam proprietários do incrível aparelhinho, que se sofistica, mais e mais.
Hoje ele é dotado, por exemplo, de câmeras digitais, que possibilitam fotografar, com comodidade, rapidez e qualidade, o que quer que seja. Permite enviar e receber e-mails, toca música, sua tela virou receptor de TV e já há, inclusive, bons negociantes que se preparam para produzir mini-novelas, com capítulos de três minutos cada, especialmente voltadas para os seus felizes proprietários.
“Ah, mas o celular aborrece, porque toca em momentos e lugares inoportunos, como igrejas, cinemas, velórios etc.”, dirão alguns, com ares professorais. É verdade! Mas essa é uma questão de falta de educação dos usuários e não de falha da tecnologia. “Bandidos utilizam-se do aparelho para comandar assaltos, seqüestros e outros delitos”, dirão outros, certos de que apresentaram argumento decisivo contra o telefone celular. Isso sequer merece comentário, não é mesmo?
Li, dia desses, na seção “Viva Bem – Medicina & Bem-Estar”, da revista “IstoÉ” (edição número 1891 de 18 de janeiro de 2006), assinada por Lena Castellón (excelente, por sinal), que pesquisadores da universidade norte-americana de Wisconsin concluíram um estudo que mostra que o inofensivo aparelhinho aumenta, e muito, o stress no lar, sendo causa, muitas vezes decisiva, da separação de muitos casais.
Argumentam, entre outras coisas, que “os homens atendem muitas chamadas do trabalho quando estão em casa e as mulheres recebem ligações das amigas e tudo isso na hora em que a família está reunida”. Reunida onde, cara pálida? Claro, em torno da TV, à espera do capítulo da novela ou das peripécias do BBB6! No quê, num lar com esse costume, o celular atrapalha? Piora um relacionamento que já não é dos melhores? Ora, ora, ora... Duvido! Será que esses caras não têm mais o que fazer? A conclusão parece óbvia, não é mesmo? Não devem ter mesmo!

Sunday, November 29, 2009




Custamos a nos conformar com a nossa mortalidade. Sentimo-nos, em nosso íntimo, como se fôssemos eternos, perenes, indestrutíveis. Alguns, a muito custo, conscientizam-se (em geral na velhice) que não o são. Outros nunca adquirem essa consciência. A ilusão é um patrimônio comum das pessoas. Mesmo que não admitamos e que não ajamos socialmente nesse sentido, secretamente nos sentimos como "o centro do universo". Há quem se abstraia da realidade e transporte isso para os relacionamentos do dia-a-dia. Sem que se apercebam, caem em ridículo. Tornam-se alvos de chacotas, quando não até de casos de internamento em manicômios, tachados como "paranóicos megalomaníacos".



Sabedoria política

Pedro J. Bondaczuk

O fato de nenhum partido português haver obtido maioria absoluta de cadeiras no Parlamento, que lhe possibilite governar sozinho sem ter que recorrer a coligações, reflete, em certa medida, uma grande dose de sabedoria do eleitorado. E confirma uma tradição estabelecida no país desde 25 de abril de 1974, quando da vitória da "Revolução dos Cravos", que restabeleceu a democracia em Portugal, após quase meio século de ditadura salazarista. Desde então, nenhuma facção conseguiu a façanha de obter 50% mais um dos assentos na Assembléia Nacional. E dificilmente, no futuro, alguma ainda conseguirá esse feito.

Os portugueses demonstraram, dessa forma, um reconhecimento de que há pontos positivos e negativos tanto na direita, quanto na esquerda e no centro. Forçando as negociações para que os partidos se coliguem, o gabinete daí surgido passa a contar, em seu programa governamental, com postulados de diversas direções. A parte social acaba contemplada através dos ideais pregados e defendidos pela esquerda. Mas o empresariado tem seus direitos garantidos pelos conservadores. Isso, embora produza governos de curta duração, impede a ocorrência de profundas divisões de classe, tendentes a levar qualquer sociedade a situações muito perigosas e de confronto.

O europeu, na maior parte das vezes, usa dessa espécie de prudência. Geralmente não concede todo o poder a um só líder ou a uma única facção política. Isso acontece na Itália, onde o atual gabinete é originário da coalizão de cinco partidos; na Suécia, onde o socialista Olof Palme teve que buscar alianças providenciais para dar continuidade a seus programas; na Noruega, na Dinamarca e em outros países mais. Os britânicos, ao contrário, concederam uma consagradora vitória a Margaret Thatcher em 1981. E, hoje, a julgar pelas pesquisas de opinião, que situam a agremiação dessa líder (o Partido Conservador) num tímido terceiro lugar, estão arrependidos. Mas terão que se conformar com o quadro atual até 1988. A menos que ocorra alguma profunda divisão nas fileiras partidárias (o que seria um suicídio político para a facção) que possibilite a aprovação de alguma moção de desconfiança ao governo.

Essa transitoriedade dos gabinetes originados de coalizões, portanto, é saudável, principalmente quando se trata de democracias sólidas, arraigadas nas tradições desses povos, de graus de cultura e civilização dignos de inveja e, mais do que isso, de imitação. Esse países, berços de todos os sistemas políticos que hoje conhecemos, estão há muito vacinados contra aventureirismos institucionais. Nessas circunstâncias, a variedade de gabinetes impede a estagnação das idéias. Não dá campo à malversação de recursos públicos. Os atos dos governantes estão sob permanente observação do povo que os escolheu, através de seus legítimos representantes. A mínima suspeita de corrupção, de negociata, de abuso do poder e de tantas outras mazelas, às quais se faz "vistas grossas" no Terceiro Mundo, o gabinete cai. Sem golpes, sem tanques na rua e sem qualquer outra espécie de traumatismo político.

Geralmente, nessas circunstâncias, o administrador infiel e sua agremiação são punidos com o "ostracismo", cuja duração é proporcional à infração. Pode ser de alguns anos ou até para sempre. Muitos partidos europeus, outrora detentores do poder, hoje mal conseguem representação mínima nos Parlamentos para que continuem sobrevivendo. Pagaram um preço justo pela infidelidade demonstrada no exercício de mandatos mal cumpridos que lhes foram conferidos pelo eleitorado.

Quem sabe, algum dia, o Terceiro Mundo vai deixar de copiar modelos ultrapassados, ou utópicos, ou inviáveis para nossos povos para aprender a fazer política no sentido mais amplo do termo. Quem sabe saberá confiar, desconfiando. Aprenderá a conservar em suas próprias mãos as rédeas de seu destino. Construirá ele próprio as instituições que necessita, sem depender de lideranças carismáticas e nem de paternalismos institucionais. Quem sabe, ainda, venhamos a conseguir chegar a tamanho requinte de conscientização...

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 8 de outubro de 1985)

Saturday, November 28, 2009




"As pessoas acreditam que suas vidas são diferentes das demais". A afirmação é do político socialista britânico, Harold Laski. É evidente e até redundante que nem todos vivem de maneira absolutamente igual. A realidade de cada um depende de uma extensa série de fatores: da classe social a que cada um pertence, da família de onde procede, da educação que recebeu, do país em que vive etc. Todavia, nem por isso se pode afirmar que haja no mundo alguém com trajetória absolutamente original. Todos compartilhamos sonhos, alegrias, decepções, esperanças, frustrações etc. etc. etc., com indivíduos que têm vidas bastante semelhantes à nossa. É certo que semelhança não significa igualdade. Mas nem mesmo o aspecto físico garante absoluta originalidade a quem quer que seja. São inúmeros os casos de sósias, sem que qualquer espécie de parentesco os vincule.



Soneto à doce amada – XLVIII

Pedro J. Bondaczuk

Repousar em seus braços esquivos,
em seu colo quente e perfumado,
pesquisando os seus olhos tão vivos,
e o seu corpo, tão rijo e dourado;

sentir tudo o que você sente
nas contrações, no suave espasmo,
mergulhar em sua carne quente
e levá-la, comigo, ao orgasmo;

ser, pra sempre, único e primeiro,
nunca escravo nem nunca senhor
porém sempre fiel companheiro

nos momentos de riso e de dor.
Tê-la entregue a mim, por inteiro:
este é o meu maior sonho de amor!

(Soneto composto em São Caetano do Sul, em 27 de abril de 1964).

Friday, November 27, 2009




O medo, que na definição de Emílio Mira y Lopez é um dos "quatro gigantes da alma" (ao lado da ira, do amor e do dever), quando físico e na dosagem correta, é um dos mais eficazes mecanismos de proteção do homem. É instintivo e protetor. Impede, por exemplo, que uma pessoa salte sem pára-quedas de grandes alturas, ou que coloque a mão no fogo e sofra queimaduras profundas, ou que enfrente com as mãos desarmadas uma fera selvagem. Em sua intensidade máxima, é conhecido como terror. Aí, torna-se nocivo. Tende a ficar incontrolável e deixa de proteger o indivíduo, para se transformar em agudo risco. Mas há outra espécie de medo que é sempre negativa, por inibir o que temos de melhor: a criatividade. É o de assumir responsabilidades, de se expor, de produzir obras novas, de explorar campos desconhecidos em busca de novidades e, em última análise, de viver em sentido pleno.



Transformada em virgem

Pedro J. Bondaczuk

As mesmas palavras que utilizamos para expressar beleza, grandeza e transcendência, entre outras coisas, podem (e são) utilizadas por alguns para manifestar ódio, disseminar preconceitos, caluniar e vilipendiar os outros e para exprimir toda a sorte de desvios morais, vícios e aberrações. O que varia é a sua “combinação”.
Esse instrumento de comunicação, portanto, pode tanto construir, quanto destruir. Depende de quem e de como o utiliza. Não é a linguagem, pois, que dissemina e consolida valores. Ela é apenas um instrumento, uma ferramenta, um meio de expressão do que se sabe, se quer e se pensa. Seu uso, portanto, requer extremo cuidado, além de rigorosa perícia no manejo.
As mesmas palavras, por exemplo, a que o poeta recorre para exaltar o amor e louvar as virtudes da amada, podem (e são) usadas por determinadas pessoas para aviltar a mulher, em textos nos quais nada se aproveita, por se tratarem da mais escrachada, idiota, horrenda e vil pornografia.
A linguagem do sacerdote – que exalta valores eternos, consagrados pelo tempo, e a grandeza, transcendência e justiça divinas – é utilizada, também, por pessoas com o coração cheio de ódio, rancor e vilania. E estes valem-se delas para fazer a apologia da força, exaltar a cobiça, atiçar a ira popular, expressar inveja e dar vazão, não apenas aos sete pecados capitais, mas ao que há de pior na natureza humana.
São os propagandistas, por excelência, da discórdia, das guerras, dos preconceitos de raça, gênero ou de qualquer outra espécie e, sobretudo, da violência, que nada constrói, mas somente demole o que pessoas de real valor constroem. A história está repleta desses indivíduos nocivos e predadores. A sociedade é ameaçada, a cada momento, por essas aberrações humanas.
Quando exalto, portanto, o poder da palavra e a importância desse instrumento de comunicação, refiro-me, na verdade, aos que a utilizam com responsabilidade e grandeza, e não a elas em si. Elas são meros instrumentos que dependem de quem as maneja. Não há quem desconheça, por exemplo, a utilidade de um martelo. Trata-se de ferramenta utilíssima quando usada para a finalidade para a qual foi feita. Todavia, nas mãos de um homicida... transforma-se numa arma letal.
O mesmo se poderia dizer em relação à faca, ao machado, à motossera e a tantos outros objetos usados no dia a dia e até ao carro. Intrinsecamente, são úteis, bons e em alguns casos, indispensáveis. Isso, porém, somente se estiverem nas mãos de quem os maneje com competência e, sobretudo, responsabilidade.
Compete a nós, escritores, nos aperfeiçoarmos no manejo das palavras, de sorte que sejam sempre claras, precisas, diretas, sem ambigüidades, ou seja, sem margens a duplas interpretações. Mas, ao mesmo tempo, e isso é muito mais importante, temos que nos preocupar, sem tréguas e nem descanso, com o que, como e a quem expressar.
Podemos, por exemplo, salvar vidas apenas dizendo (ou escrevendo) o que seja oportuno e verdadeiro em momentos adequados. Mas, principalmente no que se refere a textos, devemos estar permanentemente atentos sobre o conteúdo, ou seja, ao que vamos escrever. Nunca sabemos em quais mãos nosso texto irá cair e, portanto, desconhecemos os efeitos do teor daquilo que escrevemos sobre o fortuito e eventual leitor.
Claro que nossas palavras jamais agradarão a todos. Por mais claras, diretas e precisas que forem, sempre estarão sujeitas a interpretações. É o risco que todo o escritor corre e do qual precisa estar consciente. É bem como o povão diz, reportando-se, posto que inconscientemente, à “Ilíada” de Homero: “Ninguém consegue agradar a gregos e troianos”. Portanto, se é consenso o que você está esperando, esqueça.
Todavia, seu parâmetro de qualidade tem que ser, sempre, sua consciência. Se você tiver absoluta certeza de que se expressou com sinceridade, verdade e, sobretudo, responsabilidade, não se preocupe com as críticas dos néscios, que certamente virão (e em profusão). Muitas vezes, o elogio dos maus tem, na verdade, o cunho de “ofensa”.
Quando escrever, faça como Karl Kraus afirmou que faz, nesta declaração que parece agressiva, mas que exprime com precisão a atitude dos escritores verdadeiramente responsáveis: “A minha linguagem é como uma prostituta qualquer que eu transformo em virgem”. Dê, igualmente, caráter virginal a essa sórdida rameira que a todos se dá.

Thursday, November 26, 2009




James W. Kennedy dizia, com muita sabedoria, que “o que realmente importa é o que acontece em nós, e não a nós”. É esta integridade de espírito, esta riqueza interior, que devemos cultivar, para nos servir nos anos mais difíceis da nossa existência. Estas têm que ser as armas ao nosso dispor para quando nossos músculos já não obedecerem, com prontidão, as ordens emanadas pelo cérebro, para quando nossos olhos não enxergarem com a mesma acuidade da juventude, para quando nossos ouvidos já não captarem os sons com a mesma nitidez dos bons tempos e quando o nosso raciocínio levar um tempo enorme para “esquentar”. Envelheçamos, sim, pois esta é uma fatalidade biológica. Mas o façamos com picardia e, sobretudo, com dignidade. Mesmo que isso nos custe um esforço sobre-humano.



Ócio muito trabalhoso

Pedro J. Bondaczuk

A
escrita é, sem dúvida, uma das atividades mais nobres que existem. Requer, de quem queira exercitá-la bem, uma série de aptidões, sem as quais não terá desempenho sequer aceitável. O redator precisará, antes de tudo, óbvio, “saber escrever”. Mais de um bilhão de pessoas, mundo afora, não sabem, pois são analfabetas.
É indispensável, a quem precise (ou queira) se expressar por escrito, que conheça as normas essenciais do idioma em que se expressa. Assim, tem que conhecer a grafia correta das palavras, além das regras gramaticais básicas da sua língua. Mas, caso queira se aprofundar, mesmo que não se trate de um escritor, será desejável que crie, desenvolva e consolide estilo próprio de escrever.
Esse é o be-a-bá da escrita. É o elementar, quer para o redator profissional (não importa em que especialidade, se jornalista, advogado, juiz ou escriturário), quer para as pessoas de cultura razoável se expressarem, sem passarem vergonha, no dia a dia. Serve, por exemplo, para redigir um bilhete sem erros à esposa, ou um e-mail para os amigos, ou uma mensagem no orkut e em tantos outros sítios de relacionamentos da internet etc.
De quem vive da escrita, exigem-se outras aptidões, claro. Por exemplo, bom nível de informação, cultura acima da média e, sobretudo, criatividade, entre outras tantas características. Todavia, para quem não é profissional, ou seja, não sobreviva de texto, escrever não se constitui em necessidade. Dá para se sobreviver sem isso (bilhões sobrevivem). Contudo, mesmo que não se exercite a redação para se ganhar o pão nosso de cada dia, é desejável (se não fundamental) esse conhecimento.
Escrever, porém, para quem não tenha isso como obrigação profissional, convenhamos, é um ócio, mesmo para escritores (a menos que tenham contrato com alguma editora que contenha cláusula que os obrigue, por exemplo, a redigir um livro a cada seis meses ou a cada ano).
Quando escrevo, por exemplo, um romance (ou conto, novela, poema, ensaio etc.) ninguém me obriga a fazê-lo (a menos que haja a obrigação contratual já referida). A iniciativa é exclusivamente minha. Se não a tomar, ninguém irá reclamar, cobrar ou me acionar judicialmente. A rigor, portanto, é um ócio.
Não me refiro, óbvio, à importância da literatura e nem seria irresponsável de fazê-lo, pois considero-a importantíssima, até por coerência, porque também sou escritor. Não iria, pois, desmerecer o que faço. Tecnicamente, todavia, trata-se de ócio.
Isso não quer dizer, reitero, que não seja importante. E nem que seja algo fácil, que qualquer imbecil, que não tenha o que dizer e nada acrescentar ao mundo, faça ou possa fazer. Há ócio e ócio e este, como ressalta o poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe “é muito trabalhoso”. E como!
Já imaginaram o mundo sem escritores?! Consequentemente, sem livros? A civilização, tal como a conhecemos hoje, se extinguiria. A humanidade, em pouquíssimo tempo, talvez no espaço de uma única geração, retroagiria à barbárie. Seria o caos.
Até Johann Guttenberg descobrir os tipos fixos, o que permitiu a reprodução impressa de textos em quantidades virtualmente infinitas, o livro era um objeto raríssimo. As edições restringiam-se a uns poucos e míseros exemplares que chegavam às mãos de raros privilegiados. Dependiam de copistas, em geral monges, para serem produzidos. O processo de produção era lento e nem um pouco seguro.
Os originais eram copiados exemplar por exemplar e raramente as cópias eram rigorosamente fiéis aos originais. A quantidade dos que sabiam ler, por seu turno, era ínfima, irrisória, pequeníssima. Os escritores, igualmente, eram para lá de escassos.
As idéias de fraternidade, solidariedade e justiça, entre outras tantas que fundamentam as sociedades contemporâneas, portanto, não circulavam, ensejando, além de pavorosas tiranias, a superstição, o dogmatismo (e seu “filho predileto”, o fanatismo) e a ignorância. Não por acaso, o progresso dos povos (material, cultural, artístico, mas, sobretudo, espiritual) se materializou somente após ampla difusão do livro, ensejada pela invenção de Guttenberg.
Escrever, portanto, (salvo as exceções apontadas), não deixa (pelo menos tecnicamente) de ser mesmo um ócio. Ninguém, mas ninguém mesmo, salvo a sua consciência, obriga o escritor a fazê-lo. Isso, todavia, em vez de desmerecê-lo, apenas engrandece-o e torna magnífica sua ação.
É um ato de suprema generosidade em relação à espécie. É uma generosíssima partilha de informações, sentimentos, idéias, concepções etc. com a humanidade. É algo trabalhoso, sim, como ressaltou Goethe. Mas é, sobretudo, o tal do “otio cum dignitate” (ócio com dignidade) apregoado pelo romano Cícero.

Wednesday, November 25, 2009




O filósofo Edmund Burke constatou: "Aquele que nos combate fortalece nossas energias e aguça nosso potencial. Nosso adversário é nosso salvador". Orígenes Lessa, no livro "O Feijão e o Sonho", afirma, com outras palavras, basicamente o mesmo: "A glória combatida é a verdadeira glória". Intelectuais que não causam polêmica, acabam por desaparecer e por mergulhar no esquecimento. Se não despertam inveja nos medíocres, é porque não têm talentos. Ou são incapazes de fazê-los reluzir. O vencedor é alvo permanente de ataques mesquinhos e de tentativas constantes de destruição. E é isso o que ressalta a sua grandeza.



Conquista do que é negado

Pedro J. Bondaczuk

A vida nos enche de promessas, ao nascermos, mas na hora de cumprir o prometido... Salvo raras exceções, nos frustra, deprime, decepciona e nos deixa na mão. Quantos jovens brilhantes, que se destacam na escola pela facilidade de aprender, pela sociabilidade e popularidade, por habilidades esportivas, que tinham tudo para vencer nas profissões que escolheram, não ficam pelo caminho?!
Encontramo-los anos depois da formatura esperando ver profissionais realizados e bem-sucedidos, mas o que vemos, de fato, são indivíduos vazios, fracassados, deprimidos, quando não vítimas do alcoolismo e das drogas. Inúmeras, milhares, milhões, provavelmente bilhões de pessoas enquadram-se nesse perfil.. É, a vida tem mesmo o hábito de não cumprir as promessas que faz. Os fracassados enredam-se em suas circunstâncias e se mostram inábeis em, se não modificá-las, pelo menos contorná-las.
Nós mesmos, aos nascermos, nos constituímos em promessas para nossas famílias. É verdade que alguns mais e outro menos. Depende de onde nascemos e das circunstâncias desse nascimento. A maioria, porém, ao cabo dos anos, decepciona os que esperavam muito dela e a si própria, principalmente.
Mesmo os filhos indesejados, que ao nascerem – às vezes acidentalmente, frutos de uma relação fortuita e que são encarados como “pesos” pelo casal, como uma boca a mais para alimentar – se constituem em alguma parcela, mesmo que ínfima, de esperança. Ou seja, a de se tornarem, de alguma maneira, tábuas de salvação para pais desesperados e miseráveis. Mesmo que eles não admitam, e até manifestem o contrário, no fundo, no fundo, os encaram, no mínimo, como boas promessas da vida.
Todavia, com o passar dos anos, a maioria, reitero, frustra as expectativas. Pessoas que os pais esperavam que fossem médicos, advogados, engenheiros etc., por exemplo, não revelam pendor para os estudos, ou não sabem aproveitar as raras oportunidades que lhes surgem, e fracassam fragorosamente. Não raro, não dão em nada, quando não se transformam em pesos mortos para a família e a sociedade, ou se marginalizam e se tornam bandidos, inimigos inconciliáveis da própria espécie.
Mas a vida nos outorga uma varinha mágica, que opera milagres e realiza (ou pelo menos traz a ilusão de realizar) o irrealizável. Compete-nos encontrá-la, a tempo, e utilizá-la ou não. A escolha é nossa. Qual é ela? Como é? Onde está?
O poeta alemão, Johann Wolfgang von Goethe, nos revela qual é esta varinha mágica, que nos propicia certa satisfação pessoal, posto que sempre ilusória: “Só a arte permite a realização de tudo o que na realidade a vida recusa ao homem”.
Todos temos algum pendor artístico, mesmo que sequer desconfiemos. Uns, têm o talento de pintar, outros de esculpir, outros de compor música, outros ainda de executá-la, outros de escrever e vai por aí afora. Compete-nos descobrir nossa aptidão, desenvolvê-la, aperfeiçoá-la e, claro, utilizá-la. Talento algum se impõe por si só e muito menos nos vem completo e acabado.
A arte permite, por exemplo, que o doente transforme a doença em saúde e vigor; que o fracassado no amor torne esse fracasso no êxtase e delírio do sucesso e que o humilhado e ofendido tenha a ilusão da glória e do poder. Todos eles realizam-se nas obras que produzem que, dependendo da qualidade e das circunstâncias, os imortalizam e até os glorificam.
Não raro pintores (ou escultores) doentes, ou portadores de graves deficiências físicas, sublimam essas características limitantes e pintam (ou esculpem) figuras que recendem a fortaleza e vigor, protótipos da perfeição orgânica com que sonham, Apolos, Davis, Dianas etc., retratos de corpo inteiro das suas aspirações.
É comum escritores (poetas ou não), fracassados no amor, por idealizarem amadas com perfeição inacessível a humanos (como a Beatriz de Dante), criarem personagens divinos, não somente felizes, mas que espalham felicidade e encantamento ao seu redor, que se existissem em carne e osso realizariam os mais impossíveis e delirantes sonhos de qualquer mortal.
O artista e o sábio são, via de regra, rejeitados por suas musas. Claro que há exceções, como tudo na vida. Mas a regra parece ser esta. É, pois, uma das promessas da vida que ela menos cumpre e mais nos frustra. Machado de Assis chegou a escrever instigante texto (se não me falha a memória, uma crônica) a respeito, destacando a estranha propensão das mulheres pelos tolos. Na arte, porém, essas amadas perfeitas existem e se imortalizam. E imortalizam, evidentemente, seus “criadores”.
A arte é, pois, em certa medida, a realização de fato do que a vida nos promete, mas depois nos nega. Talvez não no plano material (embora também possa ser). Mas num terreno muito menos concreto, por isso movediço, que é o dos sentimentos. Mas cá para nós, tanto uma quanto a outra, não passam, na verdade, de duas grandes ilusões! Ou não são?

Tuesday, November 24, 2009




Critica válida é aquela de pessoa com conhecimento de causa para criticar. Somente isso, todavia, não basta. É preciso que seja honesta. É necessário que aquilo que esteja sendo criticado seja de fato um defeito. Que não haja interesses pessoais ou antipatias por trás dos reparos feitos. Aliás, o crítico desonesto, que tenta destruir uma obra somente por não gostar do seu autor, invariavelmente acaba se dando mal. Ao questionar alguma coisa notoriamente de qualidade, que haja caído no agrado público, terá seu próprio bom gosto ou tirocínio postos em questão. O tiro sairá, com certeza, pela culatra. Além das características citadas, a crítica, para ser bem aceita, tem que ser feita no momento oportuno. Nada é mais constrangedor, para não dizer irritante, do que ser criticado após um trabalho estafante, feito em condições precárias e cujo resultado, embora não perfeito, seja visivelmente bom. Em jornalismo temos muito disso.



Como uma pérola

Pedro J. Bondaczuk

A palavra é a expressão máxima da inteligência desse estranho animal, que é o homem, que lhe possibilitou evoluir de tal sorte, a ponto de se tornar o rei da natureza. Pelo menos desta que o rodeia neste pequeno e remoto planeta de uma estrela de quinta grandeza situada nos “subúrbios” da Via Láctea. Foi a palavra que lhe permitiu comunicar pensamentos, sentimentos e experiências aos seus semelhantes, dando início a esse processo que se convencionou chamar de “civilização”.
Não por acaso, o inspirado autor do Gênesis, ao descrever como era a Terra antes da existência do homem, declara: “No princípio era o verbo”. Diz que era “sem forma e vazia” e que o “espírito divino habitava sobre as águas”
Não descreve, pois, a entidade que criou todo o universo – que certamente é indescritível para qualquer inteligência infinitamente superior à humana, tamanhos são sua grandeza, poder, glória, conhecimento e transcendência – mas citou uma das suas infinitas características: a da comunicação.
Não disse “no princípio era um superaglomerado microscópico, com densidade absurdamente elevada, tamanha que não existe número que consiga quantificá-la, e que, em dado momento, explodiu espetacularmente, no que foi denominado de big bang, numa explosão de tamanha potência, cujo som ainda pode ser ouvido, passados, no mínimo, 16 bilhões de anos”.
A capacidade do uso da palavra, portanto, pode ser tida e havida, até por intuição, como uma das maiores, se não a maior, característica de Deus. E como esta surgiu entre os humanos? Essa é uma informação que não foi transmitida de uma geração a outra pelo genial pioneiro. Não foi repassada por aquele gênio que intuiu que, dos vários sons que emitia pela garganta, poderia compor algo inteligível, desde que, claro, outros os repetissem da mesma forma, e nas mesmas circunstâncias, para manifestar idéias, revelar experiências e exprimir vontades.
E quando o homem começou a falar? É outra informação que jamais saberemos. Não foi transmitida porque não poderia sê-lo. Afinal, aquele rústico primata ainda não tinha a mais remota noção de tempo. Portanto, não havia inventado formas de medi-lo. Esse conceito, certamente, demorou alguns milhares de anos para ser entendido e desenvolvido.
Desde que desenvolveu o conceito da “palavra”, porém, esse ser consciente e curioso sentiu necessidade de perpetuar suas peripécias e observações do mundo sem ser de forma oral. Intuiu que a memória humana é frágil demais para reter grandes quantidades de informações que, ademais, se perdiam irremediavelmente quando seu receptor morria, sem passar para a frente as coisas de que havia tomado ciência.
E como fez isso? Desenhando. Pintando, nas paredes das cavernas que habitava, cenas de caçadas e do seu rústico cotidiano. Presume-se que essa pintura primitiva tivesse caráter “mágico”. Ou seja, que seus autores achassem que as fazendo, reteriam a “alma” dos animais que pretendiam caçar que, assim, não conseguiriam escapar das suas armas. Claro que isso não passa de mera presunção nossa, homens modernos.
Foi dessas primitivas obras de arte, porém, que nasceram os alfabetos, todos eles, com uma variação aqui, outra ali, mas todos mantendo os princípios básicos. Com o passar dos anos, e das gerações, tais pinturas foram estilizadas, transformando-se em “letras”. Assim nasceu a escrita. Quando? É algo, também, que se pode apenas estimar, jamais precisar.
A possibilidade de registrar, em símbolos inteligíveis para todos que tomassem conhecimento deles (que os aprendessem), de informações, idéias, pensamentos e sentimentos foi, contudo, o maior salto evolutivo do homem.
A invenção da escrita tornou, de fato, esse animal tão especial na “imagem e semelhança de Deus”. Ou seja, possibilitou-lhe comunicar o que fazia, pensava, sentia, queria etc. não apenas aos contemporâneos, mas a todos os espécimes da mesma espécie enquanto existisse algum, até os finais dos tempos.
Johann Wolfgang von Goethe assim classificou essa maravilha do engenho humano: “Uma palavra escrita é como uma pérola”. Essa declaração, porém enseja várias interpretações. Os pessimistas dão-lhe um determinado sentido e os otimistas, os que valorizam o homem por todas as façanhas que já empreendeu, emprestam-lhe outro, diametralmente oposto.
O que é, afinal, uma pérola? Não passa de uma excrescência, de uma espécie de “tumor” calcificado de uma ostra. Ora, a palavra escrita não pode ser classificada dessa maneira. Ocorre que a pérola é, também, uma jóia sumamente valorizada, dada sua perfeição e beleza. Tanto que Salomão recomendava que não fosse “dada aos porcos” (referia-se à inutilidade de se tentar transmitir sabedoria aos néscios). Encaro, pois, nesse sentido, no de rara preciosidade, a comparação feita por Goethe.
Afinal, no que mais o homem se aproxima de seu criador? Em mais nada. Apesar da sua empáfia e arrogância, é um ser que ainda se encontra nos estágios mais primitivos da evolução. E esta só lhe será possível mediante o único ponto em que se assemelha à divindade: a capacidade de comunicar. Afinal, como diz o inspiradíssimo autor do Gênesis, “no princípio era o verbo...”

Monday, November 23, 2009




O intelectual, principalmente se for um artista, é, geralmente, um sujeito extremamente vaidoso e por isso bastante sensível às críticas. Aliás, nem é necessário ostentar essa condição especial. Pessoa alguma, mesmo que seja um poço de mediocridade, gosta de ser criticada. Todos temos noção das nossas limitações, sejam de que natureza forem, e procuramos preservar essas vulnerabilidades do olhar indiscreto do público. Fazemos de tudo para que elas não sejam fatores que nos façam resvalar para o ridículo. Mesmo sabendo, em seu íntimo, que determinado texto – em verso ou prosa – está distante da perfeição que tanto busca, o intelectual não aceita que outros o digam. Alguns sequer admitem que cometem falhas. Julgam-se – ou apenas dão a entender que se julgam – perfeitos. Dessa maneira, afogam um talento, muitas vezes no nascedouro, em virtude de um amor próprio exacerbado.



Como é difícil ser simples!

Pedro J. Bondaczuk

A maioria das pessoas acha que é fácil ser simples. Tenho ouvido argumentos de toda a sorte a respeito e o principal é o de que “basta querer” para sê-lo. Equivocam-se os que pensam assim. Até porque, esses mesmos arautos da simplicidade são, via de regra, complicadíssimos, quer na sua forma de comunicação, quer nos relacionamentos conjugais, profissionais, sociais ou de amizade, quer na maioria dos atos da vida.
Há, principalmente, os que confundem esse princípio (ou seria condição?). Acham que ser simples é ser simplório o que, até por definição, são coisas muito diferentes. No primeiro caso, a palavra sugere praticidade, busca de soluções óbvias, visão de profundidade nos relacionamentos e ações.
Já no segundo... O termo remete (conforme o Dicionário Michaellis) à ingenuidade. A pessoa simplória é a muito crédula, ou seja, a que acredita em qualquer bobagem que ouve ou que lê, mesmo que seja óbvio que isso que ouviu ou leu não passou de irrestrita tolice ou de completa mentira. É a que se deixa enganar ou ludibriar com facilidade, de quem, aliás, os espertalhões se aproveitam quando e como lhes apraz.
Muitas vezes, os comportamentos e opiniões alheios nos impedem de ser simples. Não raro, atribuem-nos intenções que nunca tivemos, quer em nossas palavras, quer, e principalmente, em nossos atos. Vou citar um exemplo, correndo o risco de ser mal-interpretado.
Como esteta, sou admirador contumaz e compulsivo da beleza feminina. Nem sempre essa admiração é de cunho, digamos, sexual. O fato de admirar uma bela mulher, e de olhá-la o quanto possa, não implica em dizer que pretendo levá-la para a cama e fazer sexo com ela. Calma, devo confessar que tenho instintos normais. Sinto, óbvio, atração sexual pelo sexo oposto. Minha libido está em ordem. Faz parte da minha natureza de macho. Mas isso ocorre em ocasiões e com pessoas específicas.
Na maioria dos casos, quando fito, demoradamente, uma fêmea atraente, limito-me a admirar sua beleza, como faço com belas paisagens, com flores, com obras de arte bem-elaboradas e assim por diante. E, claro, a menos que eu fosse um tarado sexual incorrigível, não quero manter relações sexuais com essas coisas que me encantam e embevecem.
O mesmo vale em relação a determinadas mulheres, notadamente meninas bonitas, no verdor dos anos. Não sou, evidentemente, pedófilo. Jamais, em circunstância alguma, senti atração sexual por alguma criança. Gerei três filhas e tenho respeito absoluto pelo sexo feminino. A simples idéia de que há quem macule essa inocência e beleza desperta-me horror, asco e profundíssima revolta. É instintivo.
Quando olho, demoradamente, para uma garotinha de seis, nove ou doze anos, portanto, não estou pensando em sexo. Não se trata de atração sexual, mas sensorial, que é muito diferente. O que procuro nessas ocasiões é alimentar meu espírito, que tem insaciável “fome estética”, de beleza, na sua mais lídima expressão.
Se revelar isso para algum parente muito chegado, ou para o amigo mais íntimo que tenha, contudo, com toda a candura do mundo e com verdadeira simplicidade, será que serei compreendido? Não, não e não! Serei encarado com horror, se não com asco, como se tivesse tendências inatas à pedofilia (mesmo sem tê-las) e teria muita sorte se não acabasse preso, embora sem dever nada à justiça, por não violar sequer qualquer norma moral, quanto mais legal.
Vamos a um exemplo mais concreto. Falemos da elaboração de um texto. Os redatores, em sua imensa maioria, quando conseguem escrever algo direto, sem rodeios ou floreados, compreensível tanto a um físico nuclear quanto a um gari, rasgam de imediato o que escreveram, mesmo que seja inteligente e não contenha um único erro, quer de grafia de palavras, quer gramatical. Procuram, em contrapartida, burilar o que escrevem, recorrendo a uma vazia, posto que bombástica, pirotecnia verbal, que nada acrescenta em termos de conteúdo ao texto, achando que isto sim é de “qualidade”. E, na verdade, não é.
O escritor irlandês George Bernard Shaw, ganhador de um Prêmio Nobel de Literatura, e que nos legou uma infinidade de magníficos livros, quando já nonagenário, certa feita, desabafou: “A simplicidade é o que há de mais difícil no mundo: é o último resultado da experiência, a derradeira força do gênio”.
Dá para entender por que a maioria dos problemas do mundo se vê agravada, por falta de solução? Porque as pessoas acham, até subconscientemente, que aquilo que é simples não pode ser verdadeiro. Entendem que é fácil demais para ser a solução. E o que fazem? Complicam tudo! Emaranham-se, mais e mais, em esquisitas teorias, apostam no insólito e os problemas, que em princípio sequer eram tão grandes, adquirem dimensões gigantescas, inimagináveis. Cá entre nós, portanto, queridos leitores: como é difícil ser simples!

Sunday, November 22, 2009




Discordo de Sören Kierkegaard quando faz esta indagação e completa com uma amarga confissão: "O que trará o futuro? Não sei, nada pressinto. Se uma aranha, partindo de um ponto fixo, precipitar-se em direção a suas conseqüências, verá sempre um espaço vazio à sua frente, no qual em parte alguma poderá fincar pé, por mais que se debata. Assim é comigo: à minha frente, sempre um espaço vazio. Esta vida é às avessas e medonha, insuportável". Não acho que o seja. É bom que haja o vazio, para que o preenchamos com atos construtivos e marcantes. Não creio em determinismos. Podemos e devemos atuar no que vai nos acontecer. Não gostaria de saber o que há à minha frente. Se fosse coisa ruim, o sofrimento seria duplo: o antecipado ao fato e quando este ocorresse. Se fosse muito boa, perderia a delícia do fator surpresa. Só me importa o que posso, devo e vou fazer agora, no presente. O futuro só a Deus pertence.



Ordem no crescimento

Pedro J. Bondaczuk

O mundo vem experimentando neste século, mesmo após a ocorrência de duas gigantescas guerras, que provocaram, juntas, cerca de 50 milhões de mortes e após a deflagração de perto de mil conflitos, com número de vítimas fatais aproximado dessa cifra, um processo acelerado de expansão populacional. Mas o problema todo não reside, como muitos pensam, nessa explosão demográfica. Ou pelo menos não somente nela. A grande questão está na má distribuição dos habitantes no território planetário. Afinal, o Planeta comporta, folgadamente, 16 bilhões de pessoas.

Veja-se o caso do Brasil, por exemplo. No início deste século, 94% da população residia no campo e as cidades, poucas por sinal, abrigavam apenas 6% dos brasileiros. Segundo estimativas deste ano, a situação se reverteu dramaticamente. E isso em menos de um século, ou seja, no espaço mínimo de três gerações. Hoje, perto de 80% dos nossos habitantes residem em zonas urbanas, que seguem num processo de expansão acelerada, a uma média anual de até 15%. Em Campinas, esse fenômeno, mais do que em qualquer outro lugar, é bastante perceptível. E não apresenta nenhum sintoma de que possa, ou venha a médio prazo (se é que algum dia virá) a ser detido.

Se nas sociedades mais desenvolvidas, as correntes migratórias do campo para a cidade se devem à implantação de alta tecnologia na agricultura, reduzindo dramaticamente a necessidade de emprego de mão de obra, no Terceiro Mundo isso não se prende a motivos tão positivos. O que há nesses países é um puro e simples abandono das lavouras, especialmente aquelas voltadas para a produção de alimentos, por absoluta falta de atenção das autoridades. Hordas imensas de pessoas, sem nenhuma capacitação profissional, invadem diariamente as grandes cidades, instaladas em precárias habitações, indignas de seres humanos, na vã esperança de que a metrópole tenha para lhes oferecer algo melhor do que o local de onde vieram. Não têm, é evidente. Com isso, essas pessoas criam dificuldades para si e para os primitivos habitantes urbanos, que experimentam uma considerável degradação no seu padrão de vida. Todos saem perdendo.

Veja-se o exemplo de São Paulo. Em 1954, quando das comemorações do seu quarto centenário, a Paulicéia possuía uma população de algo em torno de 1,5 milhão. Já então tinha um trânsito caótico, dificuldades sensíveis no abastecimento de água, absoluta carência quanto ao serviço de esgotos e deficiências gritantes no tocante aos melhoramentos urbanos, como asfalto, guias, sarjetas e outros benefícios. Hoje a capital paulista tem apenas de favelados essa mesma quantidade de gente. Tudo o que foi investido nestes 31 anos teve seus efeitos benéficos anulados pelo simples crescimento vegetativo. E a cidade continua crescendo para todos os lados. Em maio passado, atingiu o décimo-milionésimo paulistano. No ano 2000, portanto em apenas 14 anos, estará com 26 milhões de habitantes, boa parte deles com carro próprio para trafegar por ruas estreitas e mal traçadas. De que maneira ele o fará, ninguém pode sequer atinar. Todo esse contingente estará gerando toneladas de lixo diárias, que precisarão ser postas em algum lugar. Estarão necessitando de alimentos e despejando quantidades impressionantes de dejetos nos antiquados e insuficientes sistemas de esgoto.

É para dirigir esta cidade que treze políticos se digladiaram, nos últimos meses, trocando ofensas, fazendo promessas e investindo bilhões de cruzeiros. E algum deles tem qualquer solução para pelo menos racionalizar esse crescimento e tornar São Paulo habitável no ano 2000? Pelo que se viu ao longo da recém-finda campanha, decididamente não. Enquanto isso, os problemas não param de surgir. Vão se acumulando a cada dia que passa, adiados "sine die" por sucessivas administrações. É aí que reside a principal falha das grandes concentrações urbanas. Chega-se a um momento em que elas se tornam inadministráveis, autênticas arapucas, verdadeiras prisões. E a vida em sua jurisdição se torna insuportável e degradante.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular em 14 de novembro de 1985)

Saturday, November 21, 2009




As pessoas não dogmáticas, com sede e fome de conhecimento, que se mantêm permanentemente ligadas ao mundo, dispostas a aprender tudo o que possam, são as que têm as maiores chances de mudar, sem que tais mudanças impliquem em traumas. Claro que a incerteza dita o destino humano. Agora estamos vivos. No segundo seguinte, poderemos não estar mais. E a vida – embora espiritualistas garantam que não, baseados apenas nas próprias convicções – não tem reprise. Se tivesse, a humanidade não estaria privada dos gênios e santos que com suas ações e exemplos fizeram o homem evoluir e que tanta falta fazem hoje, como Sidarta Gauthama, Maomé, São Francisco de Assis, Mahatma Gandhi, Madre Teresa de Calcutá e tantos e tantos outros, que assumiram missões de grandeza, santidade e sabedoria e as cumpriram sem vacilar.



Soneto à doce amada – XLVII

Pedro J. Bondaczuk

Revendo velhas lembranças,
de tristes, vazios dias,
de serenatas, andanças,
de noitadas, boêmias;

revendo amargos momentos
de brigas, de malquerer,
e todos os sofrimentos
que tive, pra te esquecer;

triste, sem nada dizer,
pude, somente, sorrir
e imensa mágoa sentir!

Tentava, deves saber,
evitar de me perder:
de ti, pra sempre, fugir!

(Soneto composto em São Caetano do Sul, em 14 de abril de 1964).

Friday, November 20, 2009




Não temos condições de deter nenhuma mudança, boa ou má. O processo foge de nosso controle. O que podemos fazer é apenas nos adaptarmos a elas. O homem, se quiser legar um mundo melhor às gerações futuras, deve interferir positivamente no meio ambiente, preservando o mais que possa os delicados e frágeis ecossistemas. Precisa respeitar as leis da natureza, que regem a sua própria existência. Hoje a Terra corre o risco do chamado "efeito-estufa", perigoso aquecimento planetário, capaz de provocar uma catástrofe de dimensões imprevisíveis para todos os seres vivos. O Planeta, se isso acontecer, tem condições de se regenerar. A vida? Jamais! A natureza "se defende" dos depredadores e o ser humano é o seu elo mais frágil, embora não se dê conta dessa realidade.



No princípio era o verbo...

Pedro J. Bondaczuk


O meu mundo é o das palavras. Pesquiso-as, sorvo-as, bebo-as, uso-as, faço delas minha voz, minha vez, minha forma de ser e de dizer presente diante dos meus pares. São meu instrumental, meu ar, minha luz intelectual, o alimento do meu espírito, a matéria-prima dos meus sonhos, dos meus versos, das minhas elucubrações. São a minha forma de ganhar o pão sagrado e indispensável de cada dia. São meu credo, meu objetivo, minha alegria e minha preocupação. Desde que surgiu o primeiro ser inteligente no mundo, vivemos por palavras, lutamos por palavras, morremos por palavras.
Os grandes líderes da espécie humana, os guardiões do sagrado ou do profano; os mestres sublimes como Cristo, Buda, Maomé, Lincoln, Gandhi; ou os verdugos do gênero humano, como Alexandre, Júlio César, Átila, Napoleão ou Hitler; os poetas e os profetas; os filósofos e os feiticeiros; os disseminadores das ciências e os arautos do obscurantismo fizeram delas o seu instrumental de luz ou de trevas, de liberdade ou de opressão, de inteligência ou de ignorância. de grandeza ou de miséria.
Nunca vou me cansar de lê-las, de estudá-las, de aprendê-las, de dissecá-las, de entendê-las, de utilizá-las para dar corpo aos meus sonhos. E como são caprichosas! Como são mutantes, volúveis, instáveis, sensíveis! Pablo Neruda lembrou, em um magistral poema: "Uma idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que lhe obedeceu./Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes./São antiqüíssimas e recentíssimas./Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada..."
Diz-se que o homem foi feito "à imagem e semelhança de Deus". Esta parecença, porém, estes sutis traços semelhantes, essa identidade que nos torna "filhos" do Criador do Universo, não estão no físico, no tamanho, no peso, na altura, na beleza, na glória ou na resistência. O homem é pequeno, é frágil, é feio, é miserável e é fraco. A "semelhança" reside na possibilidade mágica, fantástica, miraculosa de se comunicar através de signos coerentes e inteligíveis para todos. Nessa magia, nesse encantamento, nesse milagre que é a palavra. Porquanto, "no princípio era o verbo...", que sempre pré-existiu e continuará existindo quando (ou se) já não mais houver matéria, energia, cosmo, espaço, vazio...
O professor norte-americano Stephen Greenblatt lembra que "nossas palavras estão cheias de vestígios que sequer compreendemos completamente quando falamos, de vozes que existiram no passado e silenciaram, estão mortas. Nossas vidas estão cheias das presenças fantasmagóricas de nossos ancestrais, de nossos pais, de nossos avós, das figuras que nos tocam e em relação às quais tentamos nos situar". Sinto que a única chance que tenho para que, com a minha morte (fatalidade impossível de evitar) não desapareçam todos os vestígios de que existi, amei, odiei, trabalhei, sofri, fui feliz, acertei, errei e aspirei à imortalidade, é a palavra.
Mas essa essência da sabedoria universal requer talento no trato. Exige que quem dela se utilize – quer no relacionamento corriqueiro do cotidiano, quer na nobreza do raciocínio – o faça com competência, com atenção, com carinho. Mark Twain alertou que "palavras são como granadas. Quando usadas inadequadamente, explodem". Seu uso desastrado propicia desentendimentos, conflitos, separações, ódios, incompreensões, guerras e mortes. Frustram, humilham, aborrecem, desanimam, matam.
O poeta Fagundes Varela considera-a a "mais forte das armas, a mais firme, a mais certeira", que provoca os maiores estragos na alma humana. Daí as noites insones e a faina incansável dos dias para entendê-las, dominá-las, absorvê-las, aprender a manejá-las com cuidado, com amor, com competência, para construir, para consolar, para engrandecer, para solidarizar, para defender os indefesos, para condenar as injustiças, para reivindicar direitos.
A tarefa é superior às minhas forças e os resultados são incertos. Faço parte dessa confraria dos sonhadores, desses criadores de castelos imaginários e de mundos inexistentes, conhecidos como "escritores". Por isso, como Guilhaume Apollinaire, rogo às gerações futuras, aos que daqui a dez, quinze, vinte, cem anos ou mais eventualmente lerem estas linhas: "Piedade para nós, que exploramos as fronteiras do irreal!!!"

Thursday, November 19, 2009




Devemos ser sempre sutis em nossas críticas, por mais que os criticados as mereçam. Um bom exemplo do uso de sutileza, na crítica de determinado comportamento, é esta observação de Josh Billings: "Existem pessoas tão afeitas ao exagero que não sabem dizer uma verdade sem mentir". Ou esta de Umberto Eco, sobre intelectuais que fazem o possível para aparecer, mesmo que para isso precisem prostituir as idéias e abrir mão das convicções: "Há estudiosos que sabem tornar o seu silêncio sonoro". Uma pessoa prática, e sobretudo educada, nunca faz críticas destrutivas a quem esteja tentando, sinceramente, construir. E mesmo as construtivas, só as faz a quem esteja disposto a ouvir e aproveitar a correção de rumo. Abster-se de criticar quem não merece criticas, ou não pediu nossa opinião, é o caminho mais seguro para conquistar e conservar amizades.



Prosa é arquitetura

Pedro J. Bondaczuk


O escritor Ernest Hemingway, que também foi jornalista (e dos bons) nos ensina, com a credibilidade de quem conquistou um Prêmio Nobel de Literatura, que "prosa é arquitetura e não decoração interior". Ou seja, adverte os que pretendem se comunicar com os outros, através da difícil arte do texto, que este deve ser, antes de tudo, funcional. Sua beleza nasce de sua harmonia, de sua clareza e, sobretudo, de sua capacidade de passar um recado. E não pode se ater apenas à forma, embora esta seja importantíssima, e da correção gramatical, que é indispensável. Precisa ter um conteúdo que atraia esse ditador implacável, em cujas mãos estão tanto o sucesso quanto o fracasso de quem vive de escrever: o leitor.
Gustave Flaubert destacou que "quando se possui a idéia, a palavra jamais há de faltar". Mas quando esta não existe? Quando se pretende, por exemplo, redigir uma crônica que, por sua própria definição, se caracteriza pela leveza, pela descontração, pelo vislumbre de perenidade naquilo que é trivial, aparentemente sem importância, como as circunstâncias do dia-a-dia, ou um objeto absolutamente comum, ou uma emoção? Como agir? Aí é que está o problema.
A crônica... Bem, é uma complicação. E não somente para mim, mas para escritores com muito mais talento e vivência literária do que eu. É o caso de Paulo Mendes Campos, por exemplo, autor de tantos livros e textos publicados em grandes revistas nacionais e internacionais, que constatou: "Quem tem facilidade de escrever, não é escritor: é orador". É um consolo para cronistas menos experientes e menos famosos. Como encontrar um tema que seja, ao mesmo tempo, leve e que fascine o leitor? Como agradar esse ditador anônimo, mas implacável, cuja opinião (e cumplicidade) nos é tão importante?
Scott Fitzgerald dá uma dica: "Você tem que vender seu coração, suas reações mais poderosas, e não apenas as pequenas coisas que o tocaram ligeiramente, as pequenas experiências que você poderá contar ao jantar". Ou seja, é preciso um desnudamento emocional, mesmo que tenhamos escrúpulos em nos desnudar publicamente, em deixar à mostra nossas mais secretas angústias, nossos mais profundos receios e nossas mais protegidas esperanças, temerosos, quem sabe, do ridículo, ou de sermos acusados de cometer um atentado ao pudor.
Por essa razão, não é sem motivo que uma tela em branco do visor do meu microcomputador (até pouco tempo atrás era uma lauda em branco), causa tamanho terror em tantos cronistas (entre os quais, por que não, me incluo). Há momentos em que fico à beira do pânico, pois tenho compromissos a cumprir. Com o quê preencher todo esse espaço? O quê escrever, sem descambar para o ridículo? Com quais ingredientes compor uma crônica? Com sangue, com vísceras, com alma, com vivência, com vida, recomendam os grandes mestres.
Tenho, desde que cismei que era cronista (e isto há já dez longos anos), diariamente, uma experiência semelhante (guardadas as devidas proporções) àquele episódio bíblico em que o patriarca Jacó lutou com um anjo até o romper do dia, no Vale de Jaboc, para ser abençoado. Procuro, também, a bênção, mas de um tema, da clareza, da empatia e da capacidade de persuadir o leitor.
Não raro me questiono se tamanha preocupação não se deve, apenas, à vaidade. Aliás, nem estou, sequer, sendo original nesse questionamento. Ele foi feito, com extrema graça e criatividade, por meu saudoso poetinha dos Pampas, Mário Quintana. Esse mestre do texto e do talento poético nos legou estes versos, do poema "Da preocupação de escrever", que dizem: "Escrever...Mas por que? Por vaidade, está visto.../Pura vaidade, escrever!/Pegar da pena...Olha, que graça terá isto,/se já se sabe tudo o que se vai dizer!..." O pior é que muitos não sabem. Não raro, também não sei. Daí a conformação quase que “arquitetônica” deste despretensioso texto para o qual rogo a complacência dos leitores..

Wednesday, November 18, 2009




As pessoas dotadas de grande capacidade de apreensão da realidade (que são raras) formam com facilidade juízo sobre os fatos e sobre os indivíduos que as cercam. Desenvolvem, por conseqüência, aguçado senso crítico. Opinam sobre tudo e sobre todos e nem sempre conseguem manter o desejável equilíbrio. Há opiniões que o bom senso recomenda que guardemos para nós, até porque, sua divulgação traria mais mal do que bem. Não construiria nada e ainda poderia nos expor a represálias. Estes críticos afoitos e desastrados, muitas vezes, partem para destemperos verbais sem sentido, para autênticas provocações gratuitas, quando sua intenção sequer é de confronto, mas de marcar posição. Como todo o indivíduo normal tem amor próprio e não suporta ser criticado, vem a reação. E esta nem sempre é civilizada, dependendo de quem seja o criticado. Pense, pois, o que e a quem criticar e, principalmente, como.