Pedro J. Bondaczuk
O medo é um mecanismo de defesa de que a natureza nos dotou para nos defendermos de perigos. Trata-se, pois, de algo normal e saudável, desde que, claro, não seja imotivado. Muitos temem riscos somente imaginários e levam vidas de horror e sofrimentos, perseguidos por monstros e fantasmas que existem apenas em suas cabeças. Outros tantos, também em decorrência de desvios psicológicos, embotam esse sinal de alerta, anulam-no e, via de regra, perdem deixam, prematuramente, de viver, por confundirem coragem com temeridade.
Somos verdadeiras ilhas cercados de medos por todos os lados. E não é para menos. Estamos num mundo estranho, estranhíssimo, embora à nossa feição, que não passa de pontinho tão pequeno no céu a ponto de ser, virtualmente, invisível. Trata-se de minúscula, de nanopartícula de um universo tão grandioso, que suas reais dimensões não cabem jamais em nosso entendimento. Por mais que o superdimensionemos em nossa mente, ele será sempre maior, muito maior.
Ademais, perigos existem a todo o momento e em todos os lugares, do nascimento à morte. O primeiro choro que damos, tão logo vemos (pela primeira vez) a luz do mundo, provavelmente é de medo. Entramos em um ambiente até então desconhecido, e que, instintivamente, nos aparenta ser hostil e sumamente perigoso, após uma permanência de nove meses no conforto e segurança do útero materno. Se tememos o nascimento, maior temor, ainda, nos desperta a morte que, a despeito de ser realidade comum a todos seres vivos, não a entendemos e nem aceitamos, o que nos desperta enorme terror.
O medo, no entanto, vicia. Quando o sentimos, nossas glândulas suprarrenais derramam, na corrente sanguínea, uma carga imensa de determinado hormônio, a adrenalina, que nos incita, instintivamente, à reação. E esta pode ser ou de fuga ou de enfrentamento àquilo que representa (ou achamos que represente) risco à nossa integridade. Isso, na forma natural.
Todavia, o que vêm a ser os esportes radicais se não desafios aos nossos medos? Passa pela cabeça de alguém que quando um sujeito pula de uma plataforma no abismo, tendo como proteção apenas uma asa delta ou um paraglaide, não sinta o mínimo receio de se espatifar cem metros ou mais abaixo, no solo? Claro que sentem. E não apenas medo, mas intenso terror. Isso origina, porém, uma intensa descarga de adrenalina que causa nesse esportista euforia indescritível.
O mesmo vale para quem pratica body-jump, ou surfa em ondas gigantes, de até vinte metros ou mais nos mares do Sul, notadamente na costa do Hawaí, ou faz outro esporte qualquer, que envolva perigo de quedas, quase sempre fatais. Quem age assim, porém, não é, como muitos acham, suicida em potencial. Não quer se matar, mas viver com intensidade.
Tem plena noção dos riscos que corre, mas é rigorosamente treinado para superá-los. Claro que está sempre sujeito aos imprevistos, a acidentes, a erros de cálculo que lhe causem principalmente a morte. Segurança absoluta, porém, não existe. Todos enfrentamos riscos, de todos os tamanhos e proporções, a todo o momento, até quando estamos dormindo, no aconchego aparentemente seguríssimo do nosso quarto.
O que estas pessoas são é viciadas em medo. Ou, para sermos mais precisos, no seu subproduto, fabricado pelo nosso corpo: a adrenalina. Não vivem sem ela. Sentem-se entediadas e infelizes quando em segurança (que é sempre relativa). Todos levamos vidas, se não iguais (a igualdade não existe), pelo menos semelhantes. A dita “civilização”, porém, está embotando nossos instintos e tornando-nos mais tíbios, mais acomodados e por consequência menos dinâmicos.
Henry David Thoreau, no memorável ensaio “Walden”, traz à baila a questão do chamado “calor vital”. Nosso corpo é, literalmente, uma máquina a vapor. O oxigênio que inspiramos, “queima” os nutrientes, que a corrente sanguínea transporta, proporcionando força para os músculos movimentarem nosso corpo. O organismo humano, para ser normal, tem que ter temperatura interna de 35 graus Celsius, nem a mais e nem a menos. Se passar disso, estaremos com febre. Se for inferior a essa cifra, sofreremos hipotermia.
O próprio organismo, originalmente, dispunha de mecanismos para impedir que esse calor crescesse ou diminuísse. Desde que o homem descobriu o fogo, porém, e aprendeu a fazer roupas e a construir casas, esse mecanismo regulador de temperatura natural se desregulou. Passou a depender, cada vez mais, desses auxílios externos, para manter o calor vital. Os selvagens, porém, mantêm, ainda, essa regulagem quase que intacta. Andam nus, em temperaturas baixíssimas, e ainda assim seus corpos não sofrem de hipotermia. Nós, civilizados, nas mesmas condições, morreremos.
O romancista sul-africano, Stuart Cloete, constata, a propósito desse nosso amolecimento físico, mental e espiritual causado pelo que chamamos de “civilização”, no livro “Balada Africana”: “Procuramos apenas conforto, coisa que nada mais é do que uma almofada entre o homem e a realidade. Não temos crenças. Tanto Deus, como o diabo, são agora considerados mitos. Com eles, lá se foi até a idéia do bem e do mal. Vivendo em cidades de aço e concreto, comendo alimentos industrializados, nós tentamos erguer-nos acima da natureza, e passamos a considerar-nos, de certo modo, superiores às leis que governam a vida. Um homem não é mais vivo, nem menos vivo, do que um gerânio no seu vaso, sobre o peitoril da janela; ou do que um elefante, nas florestas da África”.
E por que fazemos tudo isso? Para aumentar nossa pretensa segurança. Ou, em última instância, para fugirmos do medo, quando o mais sábio e sensato seria agir como os praticantes de esportes radicais (embora sem tanta radicalidade), ou seja, “domá-lo” e fazer dele nosso aliado para uma vida mais intensa e dinâmica.
O medo é um mecanismo de defesa de que a natureza nos dotou para nos defendermos de perigos. Trata-se, pois, de algo normal e saudável, desde que, claro, não seja imotivado. Muitos temem riscos somente imaginários e levam vidas de horror e sofrimentos, perseguidos por monstros e fantasmas que existem apenas em suas cabeças. Outros tantos, também em decorrência de desvios psicológicos, embotam esse sinal de alerta, anulam-no e, via de regra, perdem deixam, prematuramente, de viver, por confundirem coragem com temeridade.
Somos verdadeiras ilhas cercados de medos por todos os lados. E não é para menos. Estamos num mundo estranho, estranhíssimo, embora à nossa feição, que não passa de pontinho tão pequeno no céu a ponto de ser, virtualmente, invisível. Trata-se de minúscula, de nanopartícula de um universo tão grandioso, que suas reais dimensões não cabem jamais em nosso entendimento. Por mais que o superdimensionemos em nossa mente, ele será sempre maior, muito maior.
Ademais, perigos existem a todo o momento e em todos os lugares, do nascimento à morte. O primeiro choro que damos, tão logo vemos (pela primeira vez) a luz do mundo, provavelmente é de medo. Entramos em um ambiente até então desconhecido, e que, instintivamente, nos aparenta ser hostil e sumamente perigoso, após uma permanência de nove meses no conforto e segurança do útero materno. Se tememos o nascimento, maior temor, ainda, nos desperta a morte que, a despeito de ser realidade comum a todos seres vivos, não a entendemos e nem aceitamos, o que nos desperta enorme terror.
O medo, no entanto, vicia. Quando o sentimos, nossas glândulas suprarrenais derramam, na corrente sanguínea, uma carga imensa de determinado hormônio, a adrenalina, que nos incita, instintivamente, à reação. E esta pode ser ou de fuga ou de enfrentamento àquilo que representa (ou achamos que represente) risco à nossa integridade. Isso, na forma natural.
Todavia, o que vêm a ser os esportes radicais se não desafios aos nossos medos? Passa pela cabeça de alguém que quando um sujeito pula de uma plataforma no abismo, tendo como proteção apenas uma asa delta ou um paraglaide, não sinta o mínimo receio de se espatifar cem metros ou mais abaixo, no solo? Claro que sentem. E não apenas medo, mas intenso terror. Isso origina, porém, uma intensa descarga de adrenalina que causa nesse esportista euforia indescritível.
O mesmo vale para quem pratica body-jump, ou surfa em ondas gigantes, de até vinte metros ou mais nos mares do Sul, notadamente na costa do Hawaí, ou faz outro esporte qualquer, que envolva perigo de quedas, quase sempre fatais. Quem age assim, porém, não é, como muitos acham, suicida em potencial. Não quer se matar, mas viver com intensidade.
Tem plena noção dos riscos que corre, mas é rigorosamente treinado para superá-los. Claro que está sempre sujeito aos imprevistos, a acidentes, a erros de cálculo que lhe causem principalmente a morte. Segurança absoluta, porém, não existe. Todos enfrentamos riscos, de todos os tamanhos e proporções, a todo o momento, até quando estamos dormindo, no aconchego aparentemente seguríssimo do nosso quarto.
O que estas pessoas são é viciadas em medo. Ou, para sermos mais precisos, no seu subproduto, fabricado pelo nosso corpo: a adrenalina. Não vivem sem ela. Sentem-se entediadas e infelizes quando em segurança (que é sempre relativa). Todos levamos vidas, se não iguais (a igualdade não existe), pelo menos semelhantes. A dita “civilização”, porém, está embotando nossos instintos e tornando-nos mais tíbios, mais acomodados e por consequência menos dinâmicos.
Henry David Thoreau, no memorável ensaio “Walden”, traz à baila a questão do chamado “calor vital”. Nosso corpo é, literalmente, uma máquina a vapor. O oxigênio que inspiramos, “queima” os nutrientes, que a corrente sanguínea transporta, proporcionando força para os músculos movimentarem nosso corpo. O organismo humano, para ser normal, tem que ter temperatura interna de 35 graus Celsius, nem a mais e nem a menos. Se passar disso, estaremos com febre. Se for inferior a essa cifra, sofreremos hipotermia.
O próprio organismo, originalmente, dispunha de mecanismos para impedir que esse calor crescesse ou diminuísse. Desde que o homem descobriu o fogo, porém, e aprendeu a fazer roupas e a construir casas, esse mecanismo regulador de temperatura natural se desregulou. Passou a depender, cada vez mais, desses auxílios externos, para manter o calor vital. Os selvagens, porém, mantêm, ainda, essa regulagem quase que intacta. Andam nus, em temperaturas baixíssimas, e ainda assim seus corpos não sofrem de hipotermia. Nós, civilizados, nas mesmas condições, morreremos.
O romancista sul-africano, Stuart Cloete, constata, a propósito desse nosso amolecimento físico, mental e espiritual causado pelo que chamamos de “civilização”, no livro “Balada Africana”: “Procuramos apenas conforto, coisa que nada mais é do que uma almofada entre o homem e a realidade. Não temos crenças. Tanto Deus, como o diabo, são agora considerados mitos. Com eles, lá se foi até a idéia do bem e do mal. Vivendo em cidades de aço e concreto, comendo alimentos industrializados, nós tentamos erguer-nos acima da natureza, e passamos a considerar-nos, de certo modo, superiores às leis que governam a vida. Um homem não é mais vivo, nem menos vivo, do que um gerânio no seu vaso, sobre o peitoril da janela; ou do que um elefante, nas florestas da África”.
E por que fazemos tudo isso? Para aumentar nossa pretensa segurança. Ou, em última instância, para fugirmos do medo, quando o mais sábio e sensato seria agir como os praticantes de esportes radicais (embora sem tanta radicalidade), ou seja, “domá-lo” e fazer dele nosso aliado para uma vida mais intensa e dinâmica.
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