Sunday, May 24, 2009

DIRETO DO ARQUIVO


Crise favorece Khadafy

Pedro J. Bondaczuk

O presidente norte-americano Ronald Reagan, embora desejoso de dar uma boa lição no coronel líbio Muammar Khadafy (e por extensão, em todos aqueles que apoiam ou incentivam grupos terroristas), acabou agindo de forma diametralmente oposta na presente crise envolvendo o Norte da África. Ao concentrar 40 navios de guerra da Sexta Frota do seu país nas costas da Líbia, chamou toda a atenção mundial para o incidente. Afinal, tudo levava a crer que ali estava em andamento o prólogo de um desembarque militar em grande escala. Criou tensões, despertou nervosas expectativas e deflagrou apoios e condenações.

No final das contas, certamente aconselhado por gente do ramo, Reagan concluiu que uma medida de força, naquele momento, além de ineficaz, seria igualmente desastrosa do ponto de vista político (teoricamente a sua especialidade). Por isso, recuou.

Mas pelos seus padrões de conduta, não poderia deixar seu desafeto sem chumbo. Precisava, bem ao estilo hollywoodiano, aplicar algum corretivo no vilão da história, no presente caso, o tagarela coronel líbio. Afinal, era esse o desfecho dos filmes de faroeste, que tanto aprecia e conhece. O mocinho pune o bandido e tudo termina bem. Só que na vida real, as coisas raramente se passam assim.

Reagan, frustrado na tentativa de fazer uma demonstração de seu poderio militar à atenta e tensa platéia mundial, optou por uma solução menos traumática. Resolveu aplicar à Líbia o manjado expediente do boicote econômico, igualzinho ao que fez com a Nicarágua. Só que Khadafy não é Daniel Ortega. É bem mais matreiro e escolado e sabe como ninguém onde pisa. Nem a Líbia é um país falido e miserável como a Nicarágua. Vai daí... Em resumo, o presidente norte-americano fez muito barulho para pouca chuva.

No balanço final de todo o incidente, chega-se à conclusão que o lucro acabou ficando todo para aquele que teoricamente deveria ser o punido. Em primeiro lugar, se o líder líbio já gozava de grande prestígio junto às hostes mais extremadas do Oriente Médio e adjacências, este certamente cresceu muito mais após o desafio que fez `maior das superpotências. Afinal, escapou ileso. Em segundo, assumindo perante a opinião pública o papel de vítima, conquistou simpatias insuspeitadas e agrupou em torno de si praticamente todo o mundo árabe. Nem os sauditas deixaram de emprestar o seu apoio à Líbia.

Finalmente, do ponto de vista econômico, única punição que Khadafy teoricamente sofreu, o prejuízo acabará se reduzindo a migalhas, que serão fartamente compensadas com novos parceiros comerciais. Para chegar a resultados tão desastrosos, a Casa Branca só teria a ganhar se tivesse evitado de dar tanta corda ao líder líbio.

Se o presidente Reagan tinha intenções reais de punir a Líbia, que o fizesse, mas em silêncio, sem tamanha propaganda. Como agiu, inclusive, no caso dos seqüestradores do transatlântico italiano Achille Lauro, em 10 de outubro passado. Fazendo o estardalhaço que fez, o presidente norte-americano abriu preciosos espaços na mídia mundial ao seu desafeto. Alguém já parou para contar quantos centímetros de jornal e de revista e quanto tempo de rádio e de televisão Khadafy conseguiu com o incidente? Imaginem se tivesse que pagar toda essa publicidade! Sairia uma fortuna!

Reagan, não há como negar, caiu direitinho na armadilha do coronel líbio e acabou fazendo exatamente aquilo que ele mais gosta. Armou-se um circo mundial, onde o "guru" ideológico da Líbia reinou como um perfeito "clown" político. Barulho, todos sabem, é com esse fanático beduíno. O leitor, certamente, deve estar bem lembrado do quanto ele agitou, em abril e maio de 1984, quando dois de seus aviões, carregados com armas destinadas à Nicarágua (que Khadafy jurava que eram "remédios"), foram retidos em nosso País. Imaginem agora, que a platéia é consideravelmente maior!

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 9 de janeiro de 1986)

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