Friday, May 29, 2009

Enigmas sem decifração


Pedro J. Bondaczuk

O amor entre um homem e uma mulher é um enigma indecifrável que, quanto mais procuramos decifrar, mais e mais nos emaranhamos em milhares de novas dúvidas e infinitas indagações. O que ele é, afinal? Qual a sua natureza? O que define sua origem? Qual a sua duração? Enigmas! Múltiplos e intrincados enigmas a desafiarem nossa capacidade de racionalização.
O amor, em resumo, é meramente atração sexual entre pessoas de sexos opostos? Muitos entendem que, no final das contas, é isso mesmo. Evidentemente que não é (ou, pelo menos, não é “apenas” isso), embora esse fator seja relevante para aproximar dois seres humanos que se amem. Posso ser atraído sexualmente por uma fêmea esplendorosa e, após saciar meu instintivo desejo, não sentir mais nada, absolutamente nada por ela, a não ser profunda indiferença (e vice-versa).
É, então, identidade de pensamentos, sentimentos e vontades? Estes fatores podem, de fato, estar presentes num relacionamento amoroso (e é desejável que estejam). Contudo não o definem e nem o caracterizam. Há muitas, muitíssimas pessoas que pensam da mesma maneira, sentem o que outras sentem, têm os mesmos planos e ideais e, no entanto, não se amam. O oposto, igualmente, é verdadeiro.
Ademais, é impossível saber com certeza, com absoluta e total segurança, o que alguém do seu lado realmente pensa, sente ou deseja. Essa pessoa pode, perfeitamente, dizer uma coisa e pensar, sentir e desejar outra completamente diferente. Como saber se está dizendo a verdade? Não há como.
Um casal vive, às vezes, anos e anos sob o mesmo teto, compartilha seus corpos, festeja bodas de prata, de ouro e de diamante, constrói uma vida em comum, gera e educa filhos, é presenteado com um punhado de netos, reúne considerável patrimônio material em parceria e, no entanto... não se conhece. Amiúde, um se surpreende com atitudes inesperadas do outro, para o bem ou para o mal.
Qual a razão de nos apaixonarmos por determinada pessoa e não por outra qualquer, das bilhões do sexo oposto que há mundo afora, não raro mais belas, melhores dotadas de inteligência e cultura, de comportamento mais exemplar e repletas de virtudes em muito maior quantidade do que a que escolhemos? Existe algum motivo especial? Deve existir, mas qual? Mistério! Insondável mistério!
Conclui-se, pois, que o amor não é para ser racionalizado, mas vivido plenamente, com o êxtase e o sofrimento que produz, enquanto durar. E dura para sempre? Depende o que essa palavra “sempre” signifique para cada um.
Há casos em que sua existência se limita a um único dia, se tanto, que nos parece uma eternidade pelas sensações e lembranças que produz. E que permanece em nossa memória intenso, vivo e verdadeiro enquanto vivermos. Há outros que vão até além do túmulo e perduram por anos e mais anos após a extinção física da pessoa amada. Como se vê, só há enigmas nessa questão. Complexos, profundos e indecifráveis enigmas.
O escritor português Casimiro Brito escreveu, a propósito, no livro “Arte da Respiração”, estas palavras que vêm a calhar nestas descompromissadas considerações: “Amar-te é decifrar humildemente um enigma que não tem decifração porque a todo o momento as águas passam e bebê-las e banhar-me nelas é bom e não há mais nada”.
É isto o que você tem que fazer, caso tenha o supremo privilégio de ter um amor: gozá-lo em sua plenitude e esplendor, a cada segundo (pois é eterno... enquanto dura). Esqueça as racionalizações. Não tente decifrar um enigma que não tem decifração. Não queira saber sua origem, natureza, finalidade ou duração. Viva-o com o máximo de intensidade que puder.
“Beba e banhe-se” nas suas águas e verá o quanto isso é bom. Acredite que “não há mais nada”, mesmo que haja, não importa. O amanhã? Bem, esqueça do amanhã, que, ademais, você pode sequer ter.
Futuro? Não se preocupe com ele. O amor é intemporal. Faz seu próprio tempo. Preenche todas as fases da sua vida, embora se realize no presente, que é o que você tem nas mãos, o seu patrimônio e a sua riqueza, que por isso precisa valorizar. Sobretudo, ame. Ame profunda e irrestritamente, sem reservas, temores ou preocupações.

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