Monday, November 24, 2008

A invenção da vida


Pedro J. Bondaczuk

“A vida é uma grande invenção!”. Quem disse isso foi Ferreira Gullar, num documentário sobre Vinicius de Moraes, exibido pelo Canal Brasil em 16 de outubro de 2008, produção que, desde a concepção, até a realização final, merece todos os elogios possíveis e imagináveis. Mas meu objetivo não é comentar o programa, cuja avaliação pode ser resumida numa única palavra: “excelente!”. Isso basta (pelo menos por enquanto, pois não resisto à tentação de voltar, oportunamente, ao assunto).
O que ficou martelando, insistentemente, em meu cérebro, foi essa declaração de um poeta, falando sobre outro. Refleti muito sobre o assunto e concluí que Gullar foi de extrema felicidade ao fazer essa enfática afirmação. Aliás, escrevi páginas e mais páginas sobre o assunto (o leitor é testemunha), embora, óbvio, sem o poder de síntese que só um poeta desta envergadura tem.
Pois é, a vida é, de fato, uma grande invenção. Cada qual, com seu esforço, talento, imaginação (e, como diria Ortega y Gasset, “circunstâncias”) elabora o próprio enredo, com a participação ou não de coadjuvantes. Uns (temo que a maioria) optam por tornar essas histórias autênticos filmes “noir”, repletos de melancolias, tédio e horror. E depois dizem “odiar” a vida. Pudera! Mesmo estes, porém, desconfio, odeiam-na somente da boca para fora. Caso não fosse assim, não se mostrariam tão apavorados quando a “niveladora dos homens” surge para os levar à presença do “barqueiro de Caronte”, para a travessia (sem volta) do Aqueronte.
Há os que vão mais longe, em sua psicose, e transformam suas vidas num assustador filme de terror. Esses, ai, ai, ai... Outros tantos, fazem-na um western, daqueles com muitos tiros e uma infinidade de socos e pontapés, em que o mocinho sempre vence no final e finda por se casar com a mocinha, com a qual vive feliz para sempre. Só que, tolos que são, reservam, para si, o papel do bandido. Que estúpidos!
Há, por outro lado, os masoquistas, os que adoram sofrer, mesmo sem motivos para sofrimentos (que, também, inventam). Estes têm prazer mórbido em narrar suas desventuras, fracassos e dores (estas, na maior parte, claro, inventadas). São os que vivem se queixando, da manhã até a noite, achando que são as pessoas mais infelizes e sofredoras do mundo. E de tanto quererem isso, de fato se tornam nisso. Tratam-se daqueles chatos que fazem de uma reles dorzinha de cabeça, doença potencialmente letal.
Basta que, na roda em que entram, para participar de uma conversa informal qualquer – sobre mulher (tema predileto e recorrente), por exemplo, ou futebol, ou simplesmente para fofocar – alguém mencione, mesmo que de passagem, alguma moléstia. Pra quê! Incontinenti, assumem o centro do palco. Nesses momentos, tomam a palavra, sem a menor cerimônia e nenhum convite, e desfiam intermináveis rosários de achaques, apresentados em detalhes e que, se de fato tivessem, estariam a sete palmos abaixo da terra e não enchendo o saco de quem pretende, apenas, espairecer. São os tais dos “espalha-rodinhas”. Conheço inúmeras pessoas assim. Estou certo que o leitor também conhece, não é mesmo?
Por que não inventar enredos em que sejamos sempre alegres, mesmo sem motivos para alegria, bonitos (mesmo que sejamos reflexos de Frankenstein) e vencedores? Por que levar as coisas tão a sério, se o nosso tempo de vida é tão curto e não temos a mínima noção se haverá um depois? E, se houver, como será? E se não sabemos sequer se no minuto seguinte estaremos, ou não, vivos? Por que não aproveitar o presente, enquanto presente, sem deixar de planejar o futuro, contudo sem nenhuma grande ilusão, pois poderemos sequer ter algum?
Por que esta obsessão de juntar, juntar e juntar, dinheiro, imóveis, bugigangas, bobagens tidas e havidas como riquezas se, no íntimo, o indivíduo já sabe que, mal o seu corpo esfrie e comece a se decompor, antes mesmo de ser sepultado, seus filhos já estarão se pegando a tapas para dividir tudo o que juntou? E, provavelmente, irão esbanjar e perder em poucos anos (se não dias) o que gastou uma vida inteira para acumular. Ou, pior, a pessoa que lhe jurava amor eterno, em questão de semanas, após sua morte, poderá se juntar com um pilantra qualquer (a probabilidade não pode ser descartada), que talvez torre todas essas economias, feitas com absurdos sacrifícios, zombando de quem as juntou.
Por que não amar as mulheres que o acaso lhe oferece de bandeja? Por que não se divertir com os amigos que as circunstâncias juntam? Por que não visitar os lugares que tanto deseja? Por que não sorrir, não agradar os sentidos, não cantar, não dançar, não amar? Sim, apontem uma razão, uma única, para não fazer tudo isso.
Quem não quer (ou não sabe) usufruir disso tudo, merece o sofrimento que tem. É uma pessoa tacanha, mesquinha, estúpida, totalmente despida de imaginação. Não sabe inventar uma vida que preste! E que se danem os moralistas de plantão e os onipresentes “idiotas da objetividade” que quiserem brandir seu dedo acusador diante do meu nariz por causa das minhas observações.

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