Sunday, November 16, 2008

DIRETO DO ARQUIVO


Próspera “ilha da fantasia”


Pedro J. Bondaczuk


A morte do presidente Chiang Ching-Kuo, de Formosa, ocorrida ontem, traz de novo à baila a questão do status desse país. Durante muito tempo ele foi o pomo da discórdia entre o Ocidente e a China continental, então dirigida por Mao Tse-Tung, e chegou-se ao extremo do irrealismo quando a Organização das Nações Unidas conseguiu ignorar, por longos 22 anos, a maior concentração humana do Planeta, que não era membro da ONU até 1971, quando essa situação surrealista foi reparada em tempo.

A partir de então, de quando os formosinos foram expulsos do organismo mundial para a admissão dos chineses, houve um rompimento de relações em cadeia com Taipé. Hoje, poucos países reconhecem esse pequeno arquipélago como uma sociedade nacional independente.

Nem mesmo os Estados Unidos, que nos piores momentos garantiram a sobrevivência de Formosa, mantêm uma legação diplomática oficial ali. Legalmente, portanto, esse país sequer existe. É uma parte rebelada da China, que teima em manter essa situação de rebeldia indefinidamente.

Aliás, os próprios formosinos alimentam essa tese. Não se consideram como tendo outra nacionalidade. Dizem que são chineses. Suas autoridades garantem que são o governo no exílio, legitimamente constituído, da grande potência asiática, com sua milenar cultura.

São 19,6 milhões de pessoas acreditando que vão conseguir um dia, não se sabe por força de que magia, subjugar e se impor diante de 1,1 bilhão de chineses continentais. É claro que isso não passa dded utopia.

O líder chinês, Deng Xiaoping, por seu turno, mais realista, e lutando para reconquistar territórios perdidos no passado, por vias diplomáticas, vem propondo a Taipé a sua reintegração territorial. Oferece, para tanto, o mesmo status especial que Hong Kong e Macau vão gozar quando retornarem à soberania da China, nos últimos anos deste século.

Os empreendedores e ricos formosinos vão poder manter seus empreendimentos e sua forma de viver. Terão, caso aceitem a reunificação, inclusive o direito de escolha de seus próprios governantes, que estariam subordinados ao poder central somente no que fosse essencial.

Até aqui, contudo, Formosa não quis sequer considerar essas propostas. Seus líderes continuam acalentando a fantasia de um retorno triunfal a Pequim, para restaurar o regime derrubado em 1949 por Mao Tsé-Tung.

A morte de Ching-Kuo, a princípio, não deverá mudar muita coisa nessa posição. Mas seu sucessor, Lee Teng-Hui, não faz parte da leva que fugiu do continente em 1949. É o primeiro presidente nascido na própria ilha em 39 anos de existência desse país fantasma. E ao que se sabe, os residentes do arquipélago nunca morreram de amores pelos invasores.

A sua vinda modificou a vida local. Em muitos aspectos para melhor, é verdade. No fundamental, todavia, ficou uma situação estranha: qual a sua verdadeira nacionalidade? É chinesa ou formosina? É uma interrogação que ainda permanece no ar.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 14 de janeiro de 1988).

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