Friday, November 28, 2008

Dor nas coisas


Pedro J. Bondaczuk

A felicidade não deve (e não pode) ser colocada por nós como remota meta a ser atingida eventualmente, como hipotética e sempre distante possibilidade ou, mesmo, como eventual prêmio por bom-comportamento, condicionada, portanto, a pessoas, coisas e/ou situações. Tem que ser encarada, isso sim, como objetivo factível e mais: como nossa principal obrigação. Por isso, precisa ser nossa prioridade e a número um. E tem que ser buscada incansavelmente, sem adiamentos e nem esmorecimento, dia a dia, hora a hora, segundo a segundo.
Essa condição tão ambígua tem, convenhamos, significados bem diferentes (e, não raro, antagônicos), de uma pessoa para outra. O que me faz feliz, por exemplo, não será, necessariamente, a mesma coisa que satisfará a você, caro leitor, e vice-versa. O que considero o suprassumo dos prazeres pode se constituir, para outros, em intolerável obrigação e, portanto, fonte de sofrimentos e não de venturas. A arte, no meu caso, me satisfaz. As amizades me são fundamentais. Sobretudo, a faculdade de amar, de preferência sendo plenamente correspondido (posto que não necessariamente) me é essencial. Sem elas, dificilmente me sentirei feliz e realizado.
Para alguns, no entanto, a completa satisfação, que os leva ao êxtase, ao interior do Paraíso, advém do sucesso. Para outros, vem da fama. Para terceiros, da fortuna. Para alguns outros, da paz de espírito. E assim por diante. Todavia, sempre existe alguém (ou alguma coisa) que tem o condão de nos fazer felizes (o oposto também, e, frise-se, com maior facilidade).
Essas observações podem parecer um tanto retóricas, mas, creia, não são. Concordo com o escritor e filósofo norte-americano, George Santayana, quando constata: “A felicidade é a única razão de viver; quando a felicidade falha, a existência torna-se uma louca e lamentável experiência”. E não é? Ademais, ela não tem tempo para ser conquistada e nem limite de duração.
Podemos obter felicidade na mais remota infância e conservá-la pela vida afora, como também podemos chegar a ela apenas na velhice. Ou, o que é trágico, não conquistá-la nunca ou, se conquistada, perdê-la a seguir, ao longo do caminho (sem que sequer venhamos a nos dar conta) – por imprudência ou excesso de cautela; por cobiça ou por ausência de objetivos e por tantas e tantas outras razões, que costumo denominar, genericamente, de “circunstâncias”.
Não devemos, porém, esperar a perfeição. William Saroyan adverte: “Sempre haverá dor nas coisas”. Contudo, pondera: “Mas não é por saber disso que um homem deve se desesperar. O homem bom procurará tirar a dor das coisas. O homem tolo nem mesmo a notará, a não ser em si próprio. E o homem mau aumentará a dor nas coisas e a espalhará aonde quer que vá”.
Saroyan, para quem não se lembra (ou não o conhece), se consagrou como exímio contista. Filho de imigrantes armênios, nasceu em Fresno, na Califórnia, em 31 de agosto de 1908. Se estivesse vivo, portanto, teria completado cem anos de idade em agosto de 2008. Valia-se da experiência pessoal para fundamentar suas narrativas, boa parte das quais de caráter autobiográfico.
É verdade que esse escritor, tido e havido como marco da moderna literatura norte-americana, se notabilizou mesmo por peças teatrais, como “O tempo de sua vida”, com a qual conquistou o Prêmio Pulitzer de 1939, e, sobretudo, pelo romance “Comédia Humana”, adaptado para o cinema, com o qual obteve um Oscar de melhor enredo da Academia de Cinema de Hollywood.
Pessoalmente, prefiro o Saroyan contista, autor de livros do gênero como “O ousado rapaz no trapézio voador”, “Inalar e exalar”, “Criancinhas”, “Amor aqui está meu chapéu”, “A confusão com os tigres”, “Meu nome é Aram” e “Depois dos trinta anos”, entre outros. Guardadas as devidas proporções, adotei essa mesma linha na elaboração dos meus contos, baseados, quase todos, em episódios que vivi. Esse caráter autobiográfico dá credibilidade e verossimilhança às histórias.
Saroyan conheceu de sobejo a “dor das coisas”. Ficou órfão aos dois anos de idade e foi criado num orfanato da Califórnia com seus três irmãos. Mas foi dessa experiência amarga que nasceram seus melhores contos. Soube fazer, portanto, do “limão azedo” que a vida lhe atirou, “deliciosa e refrescante limonada”. À sua maneira, encontrou o que o fazia feliz.
Saroyan acentua: “... Cada homem não tem culpa (de ser o que é), pois o homem mau não menos que o homem tolo e o homem bom, não pediu para vir aqui e não veio sozinho, do nada, e sim de muitos mundos e muitas multidões. Os maus não sabem que são maus, e são, portanto, inocentes. O homem mau deve ser perdoado todos os dias. Deve ser amado porque alguma coisa de cada um de nós está no pior homem do mundo e alguma coisa dele em cada um de nós. Ele é nosso e nós somos dele. Nenhum de nós é separado de qualquer outro. A prece do camponês é minha prece, o crime do assassino é meu crime”.
Devemos evitar, contudo, de sermos o homem mau, aquele que aumenta “a dor das coisas” e a espalha por onde quer que vá. E também o tolo, que sequer a nota. Compete-nos sermos bons, na medida em que isso nos seja possível, sem buscar qualquer recompensa que não seja o prazer que essa condição nos confere. E, para justificar esse status, compete-nos procurar tirar, incansavelmente, “a dor das coisas”, não apenas para nosso benefício, mas para um número máximo de pessoas com as quais viermos a conviver. Agindo assim, é provável (embora não seja certo) que obteremos a tão desejável felicidade (essa certeza nunca ninguém a tem) e perceberemos que ela jamais esteve tão distante (como poderíamos supor) que não a pudéssemos alcançar sem excessivo esforço.

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