Arremedo de julgamento
Pedro J. Bondaczuk
A Justiça das Filipinas, com a decisão sumamente contestável, divulgada ontem, isentando os 25 militares e um civil daquele país, acusados pela morte do líder oposicionista Benigno Aquino, ocorrida em 21 de agosto de 1983, desse crime, mostrou uma incrível e contundente subserviência ao ditador Ferdinand Marcos.
Na ocasião em que aconteceu o assassinato, que chocou o mundo inteiro pelas circunstâncias em que foi perpetrado, um cinegrafista japonês filmou o exato instante em que o tiro fatal foi desferido contra a indefesa vítima. Essa imagem foi exibida nas televisões de praticamente o mundo inteiro, inclusive do Brasil. E no filme era perfeitamente nítido o autor do disparo. Quem atirou contra Benigno Aquino foi um homem fardado, que executou o líder praticamente à queima-roupa.
A surpresa maior daquele caso, todavia, foi reservada para o dia seguinte. Convenientemente, o governo filipino arranjou, na ocasião, um bode expiatório, na figura de um suposto agente comunista, Rolando Galmán, “oportunamente” silenciado para sempre na mesma data, embora o fato só fosse divulgado posteriormente.
Afinal, morto não fala. Mas se falasse, imaginem o apuro em que o governo estaria metido com uma prova testemunhal desse porte. Ou pelo menos com uma suspeita um pouco melhor fundamentada de que foi ele que arquitetou o brutal assassinato.
Outro detalhe a se analisar diz respeito a quem lucraria com a morte de Benigno Aquino, que com seu auto-exílio nos Estados Unidos estava sendo um pedregulho sumamente incômodo nos sapatos do presidente Ferdinand Marcos, ao chamar a atenção da opinião pública norte-americana sobre a falta de liberdade política na sua ex-colônia na Ásia.
O cidadão médio da terra de “Tio Sam” é muito sensível a essas coisas. Acostumado a viver num regime democrático, de absoluta normalidade institucional, não concebe que outros povos (que não o soviético) não gozem de liberdade idêntica, pelo menos para escolher seus governantes.
Como o presidente filipino, a despeito de ocupar o poder há tanto tempo, sempre tem encenado eleições presidenciais (nas quais convenientemente se “reelege”), para consumo externo, há muito norte-americano que ainda acredita que haja democracia nas Filipinas, embora de uma maneira toda peculiar.
A permanência de Benigno Aquino nos Estados Unidos, entretanto, poderia comprometer essa imagem. E sua volta a Manila poderia ser ainda pior, por desmascarar de vez o governo. Por essa razão, ninguém teria maiores vantagens com seu eventual desaparecimento do que Ferdinand Marcos.
É evidente que ninguém esperava seriamente que os militares indiciados nesse arremedo de processo viessem a receber qualquer tipo de condenação da Justiça desse país. Afinal, os juizes atuais foram todos nomeados durante o atual regime. Se nos regimes onde existe liberdade política já se verifica uma certa interferência do Poder Executivo no Judiciário, imaginem o que ocorre nos que fazem dos seus respectivos países autênticos feudos pessoais dos poderosos de plantão! Pobre do magistrado que ousar decidir as pendências que lhe são apresentadas por outro código que não seja a vontade do ditador!
Às esquerdas, o líder oposicionista não incomodava. E estas não seriam tão ingênuas a ponto de assassinarem Aquino para que a culpa recaísse sobre o governo, conforme alegações do presidente filipino, até porque, além de inexpressivas, estão confinadas a lugares remotos e inacessíveis desse país insular, sem nenhuma possibilidade ou espaço para atuação na capital, literalmente uma praça de guerra dos agentes da repressão.
Para tomar uma decisão tão esdrúxula e caricata, quanto a anunciada ontem, melhor seria que a Justiça das Filipinas nem mesmo se pronunciasse sobre o caso. Que simplesmente o esquecesse. Gastar dois anos com investigações preliminares, acareações, acusações formais e todos os outros trâmites legais, morosos e burocráticos, para dar um veredito que não apenas os filipinos, mas os observadores do mundo todo, já sabiam qual seria, não passou de uma perda de tempo. E de muito dinheiro.
Tudo isso serviu, apenas, para reforçar uma certeza: a de que a morte de Benigno Aquino deve ser atribuída apenas a um homem. Ao presidente Marcos! Ele é o responsável por esse assassinato ou por ação direta (o que é mais provável) ou por omissão. O tempo haverá de se encarregar de trazer à tona tudo o que se escondeu por trás desse crime. Afinal, como diz o adágio popular, “não há mal que sempre dure...”
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 3 de dezembro de 1985).
Pedro J. Bondaczuk
A Justiça das Filipinas, com a decisão sumamente contestável, divulgada ontem, isentando os 25 militares e um civil daquele país, acusados pela morte do líder oposicionista Benigno Aquino, ocorrida em 21 de agosto de 1983, desse crime, mostrou uma incrível e contundente subserviência ao ditador Ferdinand Marcos.
Na ocasião em que aconteceu o assassinato, que chocou o mundo inteiro pelas circunstâncias em que foi perpetrado, um cinegrafista japonês filmou o exato instante em que o tiro fatal foi desferido contra a indefesa vítima. Essa imagem foi exibida nas televisões de praticamente o mundo inteiro, inclusive do Brasil. E no filme era perfeitamente nítido o autor do disparo. Quem atirou contra Benigno Aquino foi um homem fardado, que executou o líder praticamente à queima-roupa.
A surpresa maior daquele caso, todavia, foi reservada para o dia seguinte. Convenientemente, o governo filipino arranjou, na ocasião, um bode expiatório, na figura de um suposto agente comunista, Rolando Galmán, “oportunamente” silenciado para sempre na mesma data, embora o fato só fosse divulgado posteriormente.
Afinal, morto não fala. Mas se falasse, imaginem o apuro em que o governo estaria metido com uma prova testemunhal desse porte. Ou pelo menos com uma suspeita um pouco melhor fundamentada de que foi ele que arquitetou o brutal assassinato.
Outro detalhe a se analisar diz respeito a quem lucraria com a morte de Benigno Aquino, que com seu auto-exílio nos Estados Unidos estava sendo um pedregulho sumamente incômodo nos sapatos do presidente Ferdinand Marcos, ao chamar a atenção da opinião pública norte-americana sobre a falta de liberdade política na sua ex-colônia na Ásia.
O cidadão médio da terra de “Tio Sam” é muito sensível a essas coisas. Acostumado a viver num regime democrático, de absoluta normalidade institucional, não concebe que outros povos (que não o soviético) não gozem de liberdade idêntica, pelo menos para escolher seus governantes.
Como o presidente filipino, a despeito de ocupar o poder há tanto tempo, sempre tem encenado eleições presidenciais (nas quais convenientemente se “reelege”), para consumo externo, há muito norte-americano que ainda acredita que haja democracia nas Filipinas, embora de uma maneira toda peculiar.
A permanência de Benigno Aquino nos Estados Unidos, entretanto, poderia comprometer essa imagem. E sua volta a Manila poderia ser ainda pior, por desmascarar de vez o governo. Por essa razão, ninguém teria maiores vantagens com seu eventual desaparecimento do que Ferdinand Marcos.
É evidente que ninguém esperava seriamente que os militares indiciados nesse arremedo de processo viessem a receber qualquer tipo de condenação da Justiça desse país. Afinal, os juizes atuais foram todos nomeados durante o atual regime. Se nos regimes onde existe liberdade política já se verifica uma certa interferência do Poder Executivo no Judiciário, imaginem o que ocorre nos que fazem dos seus respectivos países autênticos feudos pessoais dos poderosos de plantão! Pobre do magistrado que ousar decidir as pendências que lhe são apresentadas por outro código que não seja a vontade do ditador!
Às esquerdas, o líder oposicionista não incomodava. E estas não seriam tão ingênuas a ponto de assassinarem Aquino para que a culpa recaísse sobre o governo, conforme alegações do presidente filipino, até porque, além de inexpressivas, estão confinadas a lugares remotos e inacessíveis desse país insular, sem nenhuma possibilidade ou espaço para atuação na capital, literalmente uma praça de guerra dos agentes da repressão.
Para tomar uma decisão tão esdrúxula e caricata, quanto a anunciada ontem, melhor seria que a Justiça das Filipinas nem mesmo se pronunciasse sobre o caso. Que simplesmente o esquecesse. Gastar dois anos com investigações preliminares, acareações, acusações formais e todos os outros trâmites legais, morosos e burocráticos, para dar um veredito que não apenas os filipinos, mas os observadores do mundo todo, já sabiam qual seria, não passou de uma perda de tempo. E de muito dinheiro.
Tudo isso serviu, apenas, para reforçar uma certeza: a de que a morte de Benigno Aquino deve ser atribuída apenas a um homem. Ao presidente Marcos! Ele é o responsável por esse assassinato ou por ação direta (o que é mais provável) ou por omissão. O tempo haverá de se encarregar de trazer à tona tudo o que se escondeu por trás desse crime. Afinal, como diz o adágio popular, “não há mal que sempre dure...”
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 3 de dezembro de 1985).
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