Wednesday, August 20, 2008

Sol e vida


Pedro J. Bondaczuk

O homem tem um sentido a mais do que aqueles conhecidos, visão, audição, tato, olfato e paladar: a intuição. Ao contrário dos outros cinco, este sexto não leva de fora para dentro do cérebro as impressões que colhe. Age, exatamente, em sentido contrário. Ou seja, parte do centro de comando do nosso organismo para o exterior. Avalia o que nos cerca e faz um juízo a priori, mesmo sem ter todas as informações necessárias para uma conclusão.
Essa capacidade inexplicável é uma das fontes (senão a própria fonte) de todo o conhecimento humano. Antes de conhecer o que quer que seja, “intuímos” os grandes segredos da natureza. Foi o que aconteceu, por exemplo, em relação ao Sol.
O homem primitivo tinha convicção da sua importância para a sua vida. Só não sabia explicar a razão dele ser tão importante. Passou, pois, a adorá-lo, como deus. E não estava de todo errado. Aquele hominídeo das cavernas, curioso e inquisidor, só não intuiu que essa gigantesca bomba de hidrogênio, em ininterrupta explosão, não era em si a divindade, mas apenas “uma” das infinitas manifestações de Deus.
Pesquisas posteriores, milênios depois, quando o homem acumulou conhecimentos suficientes para compreender melhor a natureza, mostraram que a intuição primitiva estava correta. Que essa estrela de quinta grandeza não só é importante para a vida, mas essencial a ela.
O escritor Ardis Whitman escreveu a respeito: “O Sol, sabemos hoje, não é uma carruagem arrastada pelo céu, nem tampouco um deus a ser adorado. Mas nem por isso é menos maravilhoso. Certamente a sua veneração surgiu de uma intuição verdadeira, pois o segredo de nossas vidas está realmente na luz que flui desta estrela ígnea. Da mais simples ameba à mente de um Shakespeare ou de um Einstein, toda a vida é fruto da força que emana do Sol”.
Quando falamos de vida, mas de forma específica – da nossa, por exemplo – creio que deveríamos nos referir a ela sempre no plural. Vivemo-la de forma tão intensa, variada e diferente; sofremos tamanhas e tantas transformações, físicas, psíquicas e afetivas ao longo dos anos, que é como se renascêssemos, vezes sem conta, das cinzas, e fôssemos, a cada renascimento, outras pessoas, não mais as mesmas sequer do dia anterior.
Temos, pois, na verdade, “vidas” que, somadas, compõem o conjunto da nossa vida. Nossos caminhos se cruzam, aleatoriamente, com uma quantidade de pessoas impossível de ser contabilizada, que nos influenciam, de maneiras variáveis e às quais influenciamos, de formas igualmente diversas. E estes relacionamentos tanto podem ser neutros, sem causar nenhuma conseqüência (ou sequer lembrança), quanto podem nos melhorar, piorar ou até destruir. .
Não nos conformamos com nossa efemeridade e vivemos como se fôssemos eternos, nos preparando, sempre, para um amanhã supostamente melhor, mas que nunca chega. Ansiamos pela eternidade e tudo o que aprendemos é tendo em vista este inalcançável objetivo.
Cuidamos do nosso corpo, zelamos pela aparência, alimentamos o nosso espírito e achamos, bem no nosso íntimo, que a morte nunca irá nos alcançar. Que a extinção não foi feita para nós, mas para os outros. É errada essa forma de encarar a vida? Entendo que não! Porquanto, com essa atitude, nos manteremos sempre motivados, alertas, ativos, sem nos importarmos com relógios, calendários e nem espelhos.
E quando a morte finalmente vier (e, fatalmente, virá), se pudermos, ainda assim, lutar contra ela e retardá-la ao máximo, nem que somente por minutos, que o façamos. Cada segundo que ganharmos será um tempo a mais de usufruto desta magnífica aventura, cujo epílogo até podemos intuir qual é, mas que de fato desconhecemos.
Vivemos intermináveis despedidas, mesmo que não venhamos a nos dar conta disso. Despedimo-nos, por exemplo (cedo demais) da infância, da adolescência, da maturidade, do amanhã que se torna hoje num piscar de olhos e do agora que se faz passado.
Despedimo-nos das pessoas amadas, às vezes com a certeza de reencontros, outras, sabendo que não haverá volta. Despedimo-nos de amigos, dos quais nos separamos por causa das circunstâncias, e de inimigos que nos atormentavam ou ameaçavam. Despedimo-nos da cidade que nascemos, dos lugares que amamos, de casas, de trabalhos e de escolas.
Saibamos ou não, queiramos ou não, a vida é constituída de despedidas. Caracteriza-se por encontros e desencontros, saudações e adeuses. Enquanto escrevo estas confidências, minha alma sai, só, a passear ao sol, este astro que nos dá a luz e a vida, despedindo-se de mais uma manhã radiosa, que nunca mais haverá de voltar, a não ser nas ágeis asas da recordação. Assim somos nós, frágeis e sensíveis “poeiras das estrelas”.

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