Monday, August 25, 2008

Julgamento do corpo


Pedro J. Bondaczuk

As pessoas excessivamente racionais dão valor exagerado ao cérebro. Confiam, exclusivamente, no seu julgamento, no que diz respeito ao que lhes seja adequado ou inadequado, benigno ou nocivo, prazeroso ou atroz, em detrimento das indicações dadas pelo corpo a propósito. Isso não quer dizer que devamos desprezar liminarmente o que a mente nos indique. Longe disso!
Claro que o cérebro é importante (indispensável) para comandar nossa vida em todos os sentidos. Se não tivesse importância, a natureza não nos dotaria desse magnífico painel de controle. É dele que partem todas as “ordens” para cada órgão do nosso corpo, para que funcionem desta ou daquela maneira. Tanto que a Medicina, para efeito de transplante, considera que uma pessoa só pode ser declarada morta quando o cérebro pára de funcionar, mesmo que o coração continue pulsando.
Mas há quem acredite na “mortificação”, no flagelo orgânico, no sofrimento físico como forma de concentração, com o objetivo de chegar às grandes verdades do universo. Entendem, por exemplo, que a fome é mais benigna do que a saciedade quando se dispõem a meditar. O que ocorre é exatamente o contrário.
Quanto mais o corpo estiver satisfeito e relaxado, melhor a mente poderá trabalhar. A dor, por exemplo, mobiliza toda a energia orgânica no sentido de ser debelada. Qualquer tentativa de concentração, nessas circunstâncias, se vê seriamente comprometida, quando não impossibilitada. A pessoa delira, em vez de meditar.
Tanto que nenhum ermitão, desses que amiúde se isolam em desertos ou em remotas cavernas de difícil acesso, com dietas famélicas, à base de mel e gafanhotos (se tanto), jamais legou qualquer obra – quer de arte quer de filosofia ou ciência – à posteridade. Essas pessoas buscam isolamento total a pretexto de desvendarem as verdades essenciais da vida e do universo. Se conseguem ou não a façanha, é impossível de se saber. Atrevo-me a afirmar que nunca tiveram (e nem terão) êxito. Pelo menos não há nenhum registro, a mínima indicação que comprove seu suposto sucesso. Albert Camus escreveu, certa feita, que “o julgamento do corpo é tão bom como o da mente”. Às vezes é até melhor.
Corpo e mente têm que andar sempre juntos se pretendermos trilhar o caminho que nos conduza à sabedoria. Ambos precisam estar rigorosamente saudáveis e, sobretudo, confortáveis. O sofrimento não combina com as aspirações do sábio. Induz, somente, o sofredor a enxergar a vida de forma equivocada, distorcida, errada e finda por abreviá-la. O asceta é um suicida potencial.
Já que toquei no assunto, uma pergunta se impõe nestas reflexões: a sabedoria é inata, como a inteligência, ou adquirida, como a cultura? Creio que a resposta óbvia é a segunda alternativa. Ou seja, ninguém nasce sábio, mas pode se tornar um, com esforço, dedicação e persistência. E existe algum caminho para se atingir essa tão desejável condição? Sim, existe, e não somente um.
Concordo com Confúcio (e nem poderia ser diferente, não é mesmo?), que aponta três formas de se adquirir sabedoria. Contudo, como tudo na vida, sempre há um caminho que é mais fácil, confortável e seguro, e outro que é complicado, penoso e cheio de acidentes. A tendência humana, via de regra, é a de sempre optar pelo que é mais difícil. Muitos judiam do corpo e tratam-no como maldição, e não como o que ele de fato é. Ou seja, o invólucro do espírito e o veículo físico que lhe possibilita conhecer tudo o que nos cerca, através das impressões transmitidas pelos cinco sentidos.
Somente o ver, ouvir, cheirar, degustar e apalpar nos fazem saber como as coisas de fato são. Nunca entendi, por exemplo, a atitude dos antigos monges, que se valiam do cilício para torturar a carne e a fazer expiar pecados que sequer cometeram, para alcançar a santidade. Pecadores, impenitentes, é o que, na verdade, eram!
Deus, certamente, nunca exigiu sofrimentos de ninguém. Pensar que isso fosse do Seu agrado é, para mim, imperdoável heresia. Pelo contrário... O Criador programou-nos para o usufruto de infinitas satisfações. Ademais, o máximo de sabedoria está no gozo pleno, do corpo e da mente, de tudo o que de bom o mundo possa nos proporcionar. Sofrimento? Estou fora!
Confúcio, quando indagado por seus discípulos a propósito dos caminhos para se obter sabedoria, respondeu: “Há três métodos: primeiro, por reflexão, que é o mais nobre; segundo, por imitação, que é o mais fácil; e terceiro, por experiência, que é o mais amargo”. Nos três, o “julgamento” do corpo é tão importante quanto o do cérebro. Meu organismo indica que o primeiro caminho para a sabedoria, além de ser o mais nobre, é o que causa menos (ou nenhum) desgaste físico. É, pois, o que busco seguir, e o que recomendo, sem titubear, aos que, eventualmente, me inquiram a respeito.

No comments: