Sunday, August 17, 2008

DIRETO DO ARQUIVO


Século de contradições


Pedro J. Bondaczuk


A Revolução Francesa, cujo bicentenário está sendo comemorado com fausto e grandeza, em Paris, nesta semana, nasceu de uma situação parecida com a atual, embora em nível meramente nacional. Enquanto a massa, a grande maioria da população da França da época, reclamava da falta de pão, os celeiros reais estavam repletos de trigo. E o rei Luiz XVI e sua consorte Maria Antonieta promoviam festas nababescas, caras e perdulárias.
Por isso, nada mais apropriado do que ser realizada, exatamente nestes dias, e nessa cidade, a reunião de cúpula dos sete países mais industrializados do mundo, paralelamente a um encontro de protesto de terceiromundistas, em meio a festejos que vão custar aos cofres públicos US$ 310 milhões.
Como as comunicações via satélite reduziram o Planeta à aldeia global apregoada por Marshall McLuhan, temos, em âmbito ampliado, uma situação idêntica à da França de julho de 1789. A fome, o desemprego, a falta de perspectivas de vida atormentam severamente a dois terços da humanidade, enquanto o um terço restante segue, estupidamente, incensando o “bezerro de ouro”, crente que a capacidade de tolerância ao sofrimento dos desvalidos seja infinita e inesgotável. O nosso tempo, aliás, é o das grandes contradições.
Nunca se falou tanto, por exemplo, em direitos humanos e jamais eles foram tão desrespeitados. Basta que qualquer pessoa leia os relatórios da Anistia Internacional para que venha a se inteirar da sucessão de taras e de tarados que dão vazão, impunemente, aos seus desvios, aprisionando, torturando e matando seus semelhantes, usando, invariavelmente, como pretexto a defesa da “liberdade” e da “democracia”. Ou seja, lançando mão de duas palavrinhas tão prostituídas que até chegaram a perder o seu real sentido.
Em raras ocasiões a paz foi tão apregoada, mas em nenhum período da história houve tanta violência. Nos últimos 89 anos, além de duas guerras mundiais, tivemos mais de 200 conflitos armados, com cerca de 100 milhões de vítimas fatais. Poucas vezes se defendeu tanto a solidariedade com o próximo, mas o que vem prevalecendo, e se ampliando, é um egoísmo burro e desmedido.
Contradições, portanto, poderíamos mencionar às centenas, senão aos milhares, cada uma mais contundente do que a outra. Como por exemplo o fato de nunca antes o mundo estar tão povoado – tem hoje 5,2 bilhões de habitantes – e jamais, nem nos tempos dos maiores desregramentos morais do fim do Império Romano, haver tamanho apelo ao sexo irresponsável, fora do casamento, sendo usados, para contrabalançar essa ausência de autocontrole, métodos bárbaros e criminosos, tais como o aborto, para evitar nascimentos indesejados. Estamos ou não estamos, pois, à beira de uma nova Revolução, desta vez mundial?


(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 13 de julho de 1989)

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