Friday, August 15, 2008

Ciência e arte


Pedro J. Bondaczuk

A dúvida não é, como muitos (erroneamente) pensam, o oposto de fé. Já tratei do assunto em outras ocasiões, mas o tema é bastante complexo e suscita novas reflexões. Duvidar não é, necessariamente, descrer liminarmente. Posso acreditar em alguma coisa e, ainda assim, encontrar vários pontos obscuros, duvidosos, que requeiram pleno esclarecimento.
A dúvida é, sobretudo, uma necessidade que as pessoas têm (ou deveriam ter) de ser convencidas de que determinadas idéias e conceitos são verdadeiros, mesmo que não comprováveis. Há coisas que não se podem demonstrar e que, ainda assim, estamos convictos de serem corretas, apenas por intuição.
Trata-se, sobretudo, da atitude que se requer do cientista e do filósofo (e do artista, por que não?). Blaisé Pascal propõe, como premissa do seu método para chegar ao conhecimento e à verdade, a negação apriorística de tudo, até da própria existência. Feito isso, reflete e chega à conclusão original, que lhe serve de ponto de partida para todas as demais: “Cogito, ergo sum”. Ou seja, “penso, logo existo”.
O melhor caminho para chegarmos à sabedoria é este. É ter sempre uma dúvida razoável a propósito de tudo. Mas não se pode estacionar, preguiçosamente, nela. Devemos, isto sim, procurar nos convencer do que ainda duvidamos, e concluir se é verdadeiro ou falso, mediante argumentos lógicos e raciocínio abrangente. Depois de convencidos, contudo, não há mais porque duvidar. Desse convencimento é que nasce a fé inabalável, das tais que operam maravilhas e até removem montanhas.
A propósito, Arte e Ciência são as duas maiores e mais refinadas formas de expressão do espírito humano. A primeira caracteriza-se, sobretudo, pela subjetividade, ao contrário da segunda, que é, essencialmente, objetiva. Ou seja, o cientista só afirma o que pode comprovar em laboratório. Ao contrário do que muitos supõem, contudo, as duas atividades não são excludentes. Uma só pessoa pode ser, simultaneamente, artista e cientista. Nada a impede, a não ser o talento e o gosto.
Há quem nasça com essa dupla vocação (e são muitos). Alguns (a maioria) optam por uma das duas. Outros, no entanto, exercem, com a mesma desenvoltura, naturalidade e competência, ambas, sem que haja conflitos. Posso citar, de repente, sem precisar pensar muito, Isaac Asimov (autor de inúmeras histórias de ficção científica), Carl Sagan e até Albert Einstein, o criador da Teoria da Relatividade, que escreveu memorável e precioso livro, “Como vejo o mundo”, em que demonstrou inequívoco talento de escritor.
Paulo Mendes Campos escreveu, sobre essas duas disciplinas, na crônica “Palavras e frases” (publicada na Revista Manchete, em 18 de março de 1967): “Ciência: brinquedo dos homens graves; arte: ciência dos homens crianças”. Concordo com o escritor mineiro, mas somente em parte. Ele dá a entender que essas duas formas de expressão do espírito são excludentes. Reitero: não são. São complementares. Prefiro a observação do filósofo norte-americano Will Durant, em seu clássico “Filosofia da Vida”, em que constata: “Arte sem ciência é pobreza, mas ciência sem arte é barbárie”.
Outra pergunta se impõe, esta referente à originalidade. É possível sermos rigorosamente originais no que quer que seja, notadamente no campo das idéias, legando à humanidade pensamentos novos e conceitos nunca emitidos por ninguém? Atrevo-me a dizer que não! Em dezenas de milhares de anos, depois de bilhões de homens e mulheres haverem passado pela Terra, tudo o que pensamos alguém, algum dia, e em algum lugar, certamente já pensou.
Mas podemos (e devemos) acrescentar sempre algum toque de novidade em idéias alheias, de acordo com nossos acervo de informações, experiências e com nossa visão da vida, esta sim original. O conhecimento – quer o artístico, quer o científico – é uma corrente interminável e compete-nos acrescentar, sempre, novo elo à mesma.
Claro que em meio a verdades, recebemos determinados pensamentos “poluídos” por erros e contradições. Compete-nos filtrá-los. Ao passarmos adiante essa idéia, porém, igualmente a poluiremos, sem que sequer venhamos a atinar, com alguns conceitos e conclusões pessoais equivocados. A quem se apossar dela, porém, competirá a tarefa de, igualmente fazer, como nós fizemos, a devida filtragem e passá-la adiante. E assim, sucessivamente, ao infinito.
Um bom “filtro” para as idéias que colhermos alhures (posto que imperfeito, pois a perfeição nos é interdita) é a razão, aliada à implacável lógica. É a “dúvida razoável”. Muitas vezes nos mostramos afoitos, descuidados, apressados demais em aderir a determinadas causas, crenças ou idéias, aparentemente verdadeiras e construtivas, mas que escondem armadilhas, perceptíveis, apenas, mediante cuidadosa (e criteriosa) observação.
Temos que ter cautela para não incorrermos em erros (evitáveis) dos quais venhamos a nos arrepender. Precisamos analisar cada ângulo, cada detalhe, cada nuance do que colhermos em livros ou conversas, ou mesmo em observações pessoais, para não nos deixarmos levar pelas aparências e, assim, concluir, sem paixão, se é algo verdadeiro e válido ou falso, descartável e até nocivo.
A responsabilidade se multiplica quando tentamos convencer alguém da exatidão de uma idéia que sequer temos absoluta convicção de ser correta. Podemos, com isso, induzir o interlocutor ao erro, não raro de conseqüências irreparáveis.
Agostinho da Silva, no livro “Textos e ensaios filosóficos”, recomenda: “Nunca se precipite a aderir; não se deixe levar por nenhum sentimento, exceto o do amor de entendimento, de ver o mais possível claro dentro e fora de si; critique tudo o que receba e não deixe que nada se deposite no seu espírito senão pela peneira da crítica, pelo critério da coerência, pela concordância dos fatos”. E a recomendação é válida, óbvio, quer sejamos artistas, quer cientistas ou mesmo que não exerçamos nenhuma atividade congênere, mas pretendamos pensar e agir com sabedoria e bom-senso.

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