INTRODUÇÃO
Pedro J. Bondaczuk
O século XX, em certos aspectos – em virtude da massificação do conhecimento e da agilidade e abrangência dos meios de comunicação – está conduzindo o homem à anulação da individualidade. Nesse aspecto, o indivíduo regride à Idade Média, época em que quem não fizesse parte de algum grupo (fosse religião, corporação profissional ou partido político), era vítima de perseguições e tinha a vida exposta a riscos.
O individualismo desabrochou, e passou a ser aceito e incentivado, somente por volta do século XIII, no Norte da Itália. Nessa região e época, o indivíduo pôde, pela primeira vez em milênios, ser considerado pela sociedade pelo que era, deixando de ser tratado como “mero objeto do Estado”, invariavelmente dominado por tiranos e tiranias.
O processo de valorização pessoal, todavia, seria completado, apenas, no século XV (que passou a ser considerado como o do “Renascimento” do talento e da individualidade). Foi como se Deus construísse, da argila, um novo Adão, original e único, que despertasse, subitamente, para a vida, absolutamente inocente e néscio: sem conhecimentos, sem lembranças e sem experiências.
Precisaria, dessa forma, aprender tudo sobre tudo e sobre todos. Necessitaria descobrir, identificar e nomear, por exemplo, cada objeto e cada ser vivo que o cercavam e formar conceitos a respeito. Teria o desafio de se relacionar, da forma mais harmoniosa e inteligente possível, com esse mundo imenso e desconhecido, do qual estaria acabando de tomar conhecimento e expandir “ad infinitum” seus limites até chegar à descoberta do Universo.
Não foi por acaso que esse período da história produziu tantos gênios, tantos homens criativos, tantos titãs do pensamento. Foi como se as águas de um caudaloso rio, represadas por muito tempo, subitamente rompessem as barreiras das superstições e preconceitos que as retinham e arrastassem tudo o que encontrassem pela frente, com incontida força, arrasando todos os obstáculos.
Esse período foi, sobretudo, o do renascer da curiosidade, finalmente dessacralizada. As pessoas adquiriram a noção de que não se tratava de nenhum “pecado”, por exemplo, buscar entender a criação. Que em vez dessa consciência se tratar de um “desafio” ao Criador e, portanto, de um “sacrilégio”, como se apregoava, se constituía, na verdade, em tributo ao Seu infinito poder, sabedoria e grandeza.
O homem começou a tomar consciência do valor do conhecimento, pesquisado e testado, quando não intuído. Mas não apenas aquele específico, o pragmático, o voltado para objetivos práticos da conquista do que é indispensável à sobrevivência no dia-a-dia. Não foi por acaso que esse período ensejou o surgimento de gênios, de indivíduos notáveis, de titãs do pensamento nas artes e na filosofia.
Hoje, sem que ninguém nos diga (e nem é preciso dizer), somos tratados como meras peças de uma gigantesca engrenagem, de menor ou maior valor (não importa), que tanto pode ser um Estado totalitário, quanto uma empresa comercial ou industrial ou esse conceito genérico e vago que os cientistas políticos denominam de “sociedade”.
Tristão de Ataíde, em seu livro “Problemas de Estética”, observou: “Pois a verdade torna os homens verdadeiramente livres, ora para o conhecimento pela ciência, ora para criar no mundo as formas variadas de beleza, que dignificam o homem e emancipam os povos”. Foi esse o caminho pelo qual enveredaram os integrantes dessa notável geração de italianos. Ou seja, o da procura do verdadeiro, do concreto, do comprovável, encarado sob o prisma do julgamento da inteligência humana, livre de conceitos preconcebidos.
Seu objetivo, em última análise, constituiu-se na busca por esse diamante de múltiplas faces (todas válidas e autênticas, dependendo do ponto em que fossem observadas), chamado vagamente de “verdade”. Esses individualistas por excelência tinham, como mola propulsora, insaciável curiosidade, sufocada até então por tirânicos sistemas teocráticos, que se propunham a controlar o incontrolável: a mente e, por conseqüência, a imaginação das pessoas.
Através dela, buscavam aprender tudo o que pudessem, quer o útil, quer o inútil, para recuperar séculos de obscurantismo, para saciar uma enorme fome de conhecimento. Eleanor Roosevelt, ex-primeira-dama dos Estados Unidos, observou, em determinada ocasião, para algumas amigas mais íntimas: “Creio que, ao nascer uma criança, se a mãe pudesse pedir a uma fada-madrinha que a dotasse do dom mais precioso, esse dom seria a curiosidade”.
Por isso a Itália desse período, especialmente a região Norte, foi como que o berço do ecletismo europeu. Produziu, entre outros, um Dante Alighieri, que além de notável poeta – criador da imortal “Divina Comédia” – se constituiu num respeitado filósofo e competente teólogo. Leonardo da Vinci surgiu dessa mesma vertente e hoje é difícil definir em que campo foi melhor, se no das artes, ou no das ciências, ou no do comportamento etc.
Contudo, um dos maiores titãs dessa época, que encarna o mito do “homem universal”, o indivíduo integral, dotado da grandeza da divindade (da qual é a “imagem e semelhança”), que tudo sabe, tudo pode e tudo inquire, foi um genovês que é raramente lembrado por historiadores, absolutamente desconhecido da grande maioria, chamado Leoni Batista Alberti.
(CONTINUA)
Pedro J. Bondaczuk
O século XX, em certos aspectos – em virtude da massificação do conhecimento e da agilidade e abrangência dos meios de comunicação – está conduzindo o homem à anulação da individualidade. Nesse aspecto, o indivíduo regride à Idade Média, época em que quem não fizesse parte de algum grupo (fosse religião, corporação profissional ou partido político), era vítima de perseguições e tinha a vida exposta a riscos.
O individualismo desabrochou, e passou a ser aceito e incentivado, somente por volta do século XIII, no Norte da Itália. Nessa região e época, o indivíduo pôde, pela primeira vez em milênios, ser considerado pela sociedade pelo que era, deixando de ser tratado como “mero objeto do Estado”, invariavelmente dominado por tiranos e tiranias.
O processo de valorização pessoal, todavia, seria completado, apenas, no século XV (que passou a ser considerado como o do “Renascimento” do talento e da individualidade). Foi como se Deus construísse, da argila, um novo Adão, original e único, que despertasse, subitamente, para a vida, absolutamente inocente e néscio: sem conhecimentos, sem lembranças e sem experiências.
Precisaria, dessa forma, aprender tudo sobre tudo e sobre todos. Necessitaria descobrir, identificar e nomear, por exemplo, cada objeto e cada ser vivo que o cercavam e formar conceitos a respeito. Teria o desafio de se relacionar, da forma mais harmoniosa e inteligente possível, com esse mundo imenso e desconhecido, do qual estaria acabando de tomar conhecimento e expandir “ad infinitum” seus limites até chegar à descoberta do Universo.
Não foi por acaso que esse período da história produziu tantos gênios, tantos homens criativos, tantos titãs do pensamento. Foi como se as águas de um caudaloso rio, represadas por muito tempo, subitamente rompessem as barreiras das superstições e preconceitos que as retinham e arrastassem tudo o que encontrassem pela frente, com incontida força, arrasando todos os obstáculos.
Esse período foi, sobretudo, o do renascer da curiosidade, finalmente dessacralizada. As pessoas adquiriram a noção de que não se tratava de nenhum “pecado”, por exemplo, buscar entender a criação. Que em vez dessa consciência se tratar de um “desafio” ao Criador e, portanto, de um “sacrilégio”, como se apregoava, se constituía, na verdade, em tributo ao Seu infinito poder, sabedoria e grandeza.
O homem começou a tomar consciência do valor do conhecimento, pesquisado e testado, quando não intuído. Mas não apenas aquele específico, o pragmático, o voltado para objetivos práticos da conquista do que é indispensável à sobrevivência no dia-a-dia. Não foi por acaso que esse período ensejou o surgimento de gênios, de indivíduos notáveis, de titãs do pensamento nas artes e na filosofia.
Hoje, sem que ninguém nos diga (e nem é preciso dizer), somos tratados como meras peças de uma gigantesca engrenagem, de menor ou maior valor (não importa), que tanto pode ser um Estado totalitário, quanto uma empresa comercial ou industrial ou esse conceito genérico e vago que os cientistas políticos denominam de “sociedade”.
Tristão de Ataíde, em seu livro “Problemas de Estética”, observou: “Pois a verdade torna os homens verdadeiramente livres, ora para o conhecimento pela ciência, ora para criar no mundo as formas variadas de beleza, que dignificam o homem e emancipam os povos”. Foi esse o caminho pelo qual enveredaram os integrantes dessa notável geração de italianos. Ou seja, o da procura do verdadeiro, do concreto, do comprovável, encarado sob o prisma do julgamento da inteligência humana, livre de conceitos preconcebidos.
Seu objetivo, em última análise, constituiu-se na busca por esse diamante de múltiplas faces (todas válidas e autênticas, dependendo do ponto em que fossem observadas), chamado vagamente de “verdade”. Esses individualistas por excelência tinham, como mola propulsora, insaciável curiosidade, sufocada até então por tirânicos sistemas teocráticos, que se propunham a controlar o incontrolável: a mente e, por conseqüência, a imaginação das pessoas.
Através dela, buscavam aprender tudo o que pudessem, quer o útil, quer o inútil, para recuperar séculos de obscurantismo, para saciar uma enorme fome de conhecimento. Eleanor Roosevelt, ex-primeira-dama dos Estados Unidos, observou, em determinada ocasião, para algumas amigas mais íntimas: “Creio que, ao nascer uma criança, se a mãe pudesse pedir a uma fada-madrinha que a dotasse do dom mais precioso, esse dom seria a curiosidade”.
Por isso a Itália desse período, especialmente a região Norte, foi como que o berço do ecletismo europeu. Produziu, entre outros, um Dante Alighieri, que além de notável poeta – criador da imortal “Divina Comédia” – se constituiu num respeitado filósofo e competente teólogo. Leonardo da Vinci surgiu dessa mesma vertente e hoje é difícil definir em que campo foi melhor, se no das artes, ou no das ciências, ou no do comportamento etc.
Contudo, um dos maiores titãs dessa época, que encarna o mito do “homem universal”, o indivíduo integral, dotado da grandeza da divindade (da qual é a “imagem e semelhança”), que tudo sabe, tudo pode e tudo inquire, foi um genovês que é raramente lembrado por historiadores, absolutamente desconhecido da grande maioria, chamado Leoni Batista Alberti.
(CONTINUA)
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