Sunday, January 06, 2008

DIRETO DO ARQUIVO


Igualdade é base para entendimento


Pedro J. Bondaczuk


O governo da África do Sul está consciente de que, mais dia, menos dia, o país vai sofrer severas sanções, de caráter econômico, de toda a comunidade internacional. Detectou que essa é a opinião dominante hoje no mundo, inclusive em países que são os maiores parceiros comerciais seus, como os Estados Unidos, a França, a Grã-Bretanha e a Alemanha Ocidental.
Tudo isso foi expresso, com bastante clareza, pelo seu ministro de Relações Exteriores, Roeloff Botha (que a despeito de ter o mesmo sobrenome do presidente sul-africano, Pieter Botha, não tem com esse nenhuma espécie de parentesco), num discurso que pronunciou anteontem. Ainda assim, o país está disposto (ou pelo menos a minoria branca que está no poder) a conservar intacta a sua política de segregação racial, denominada, na língua "afrikaner", falada ali, de "apartheid".
O interessante de tudo foi o argumento usado pelo chanceler sul-africano para justificar a manutenção desse sistema discriminatório, que só conseguiu despertar antipatias generalizadas no mundo todo. O de que, caso seja concedido direito de cidadania à maioria negra, na base de um voto por cidadão, conforme preceitua a mais legítima das democracias, a África do Sul viverá uma catástrofe. Verá literalmente desmontado o arcabouço que dá sustentação ao seu considerável poder econômico.
Segundo os defensores do "status quo" raciocinam, uma reforma dessa natureza equivaleria a um suicídio coletivo da minoria branca e um retrocesso do país à barbárie, igualando-se, em miséria e atraso, a tantos de seus vizinhos do continente africano.
Esse raciocínio esconde, em si mesmo, todo um ranço de racismo. Subestima a inteligência e a capacidade de organização e de conciliação dos negros sul-africanos. A civilização implantada por eles ali desaparecerá (por vias pacíficas ou armadas) se quem tem as rédeas do comando nacional não tiver nada de melhor a oferecer a quem hoje é considerado estrangeiro na própria terra em que nasceu.
Se a maioria sentir que existe alguma possibilidade para o entendimento, feito em bases igualitárias, sem essa idéia arrogantemente disseminada da superioridade natural de uma raça sobre a outra, um acordo aceitável para todas as partes será obtido com a maior das facilidades. Ninguém é estúpido a ponto de desprezar aquilo que lhe possa trazer benefícios. Mas também não o é para suportar indefinidamente humilhações, desprezo, arrogância, prepotência e a impunidade para os inúmeros crimes que se cometem nesse país.
É até contestável se o melhor caminho para a integração racial na África do Sul seria mesmo um boicote econômico generalizado. Este é um tema que vem merecendo sérias considerações de diversos governos, entre eles os dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. Mas como Botha parece ter compreendido muito bem, tanto o presidente norte-americano Ronald Reagan, quanto a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, que entendem que sanções de grande envergadura seriam contraproducentes e trariam mais prejuízos do que benefícios à população negra sul-africana, não podem ficar alheios às manifestações da opinião pública de seus respectivos países.
Ambos são políticos, têm prazos certos para deixarem seus postos e precisam prestar contas de seus atos a seus eleitores. Podem, portanto, no instante em que sentirem que isso renderá votos às suas respectivas agremiações, mudar de idéia e decretar tais medidas coercitivas.
Mas se o caminho da pacificação sul-africana não for o boicote econômico, também não é o da violência generalizada, unilateral, escudada em leis espúrias (afinal, todos os preceitos de Direito são no sentido de que a Justiça é cega e igual para todos), que dão poderes sem limite à polícia para tirar vidas sem necessidade de quaisquer explicações a ninguém. E esse tipo de recurso todos sabem a que conduz: ódio gera ódio, agressão gera agressão, numa cadeia de insanidade que às vezes não tem fim.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 5 de julho de 1986)

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