Monday, January 21, 2008

Grandeza da bondade


Pedro J. Bondaczuk


A bondade, ou seja, a capacidade de ajudar o próximo de maneira espontânea e desprendida, só para vê-lo seguro, alegre ou, pelo menos, equilibrado, sem esperar a mínima espécie de reconhecimento (nenhuma, sequer sua gratidão) – e essa ajuda nem mesmo precisa ser de caráter material, bastando, não raro, um simples minuto de atenção, que pode fazer a diferença entre a vida e a morte de alguém – é o que verdadeiramente distingue o homem, na verdadeira acepção do termo, dos demais animais.
É através de gestos dessa espécie que ele faz luzir sua racionalidade. Essa atitude, embora os néscios, os gananciosos e os egoístas não percebam (e não admitam), é que lhe confere superioridade moral, ascendência afetiva e credibilidade.
O desencanto que se apossa da maioria das pessoas, nestes tempos loucos de insensatez e de violência, é tão grande, que pequenos (mas de maiúsculo significado) gestos de bondade e de solidariedade, que se praticam no dia-a-dia (e que não são poucos), passam despercebidos. Ou são ignorados, quando divulgados publicamente. Ou são, na melhor das hipóteses, logo depreciados.
Neste mundo tão complicado, há quem duvide que exista homem bom. Bondade absoluta, assim como maldade, beleza, feiúra etc. totais não há mesmo. Existem graduações do ao redor do zero até os limites do infinito.
A maldade, a indiferença e a mesquinhez não exigem nenhum esforço de quem opta por sua prática. Produzem, porém, resultados catastróficos, tanto para o maldoso, quanto, e principalmente, para suas vítimas. Suas eventuais “vantagens” são sempre aparentes. Deixam atrás de si um rastro de angústias, ressentimentos e amarguras.
Já a bondade nunca anda sozinha. Requer inúmeras outras virtudes associadas, como sinceridade, abnegação, paciência, constância etc. Tem que ser praticada para, de fato, existir. Seus resultados materiais, em geral, são inexistentes para quem a cultiva. Mas aí é que está sua grandeza. Torna-nos especiais, se não imprescindíveis, no mundo.
Machado de Assis escreveu, em sua coluna “Notas Semanais”, publicada no jornal “Gazeta de Notícias”, de 2 de junho de 1878: “Os qualificativos estão já tão gastos que dizer homem bom parece que não é dizer nada. Mas quantos merecem rigorosamente esta qualificação tão simples e tão curta?” Poucos. Pouquíssimos, na verdade.
Além da bondade, a arte é o caminho para a conquista da grandeza. E esta nunca se faz com os pés no chão. Se a vida não tem qualquer sentido, nos compete lhe darmos algum. Se a religião não passa de mera projeção dos desejos humanos, assumamos a ilusão de que há algum tipo de Paraíso, de sobrevivência eterna, para o que convencionamos chamar de alma. Se a morte é definitiva, façamos tudo o que pudermos para preservar pelo menos nosso nome na memória das gerações vindouras, para que não desapareçam todos os vestígios da nossa em geral sofrida existência. Para tanto, porém, temos que ser úteis, gentis e, se possível, imprescindíveis. Temos que ser bons.
A principal característica de quem é dotado de verdadeira grandeza não é, como muitos (erroneamente) pensam, a arrogância, a prepotência e a soberba. É a humildade. É o conhecimento das próprias limitações. É a correta avaliação do real alcance de suas capacidades, sem sobreestimá-las e nem subestimá-las. É o profundo e irrestrito respeito pelos carentes, pelos fracos e pelos néscios, consciente que se tem muito o que aprender com eles. É respeitar idéias e opiniões alheias, sem abrir mão das próprias convicções. É nunca se achar “iluminado”, mesmo que o seja. É compartilhar experiências e conhecimentos com todos os que estiverem dispostos a essa partilha.
Machado de Assis afirmou, no mesmo texto acima citado: “O grande assombra, o glorioso ilumina, o intrépido arrebata; o bom não produz nenhum desses efeitos. Contudo, há uma grandeza, há uma glória, há uma intrepidez em ser simplesmente bom, sem aparato, nem interesse, nem cálculo; e, sobretudo, sem arrependimento”.
Não há quem não sonhe, mesmo que secretamente, com a grandeza. Todos aspiramos a um status superior, consensualmente reconhecido, não importa em que profissão ou atividade atuemos. Queremos a imortalidade do nosso nome, na impossibilidade de obter a física.
Uns, aspiram ser eminentes cientistas; outros, grandes advogados; outros, mestres, artistas ou, quem sabe, atletas insuperáveis, como Pelé, Jesse Owens, Michael Jordan e tantos outros. E as aspirações vão por aí afora. Mas para se alcançar a grandeza, requer-se que se seja necessário, e mais do que isso, indispensável ao maior número possível de pessoas. É preciso servir o próximo, no limite da nossa capacidade e, se possível, não precisar ser servido nunca por ninguém.
O que torna o ser humano grande não são suas eventuais habilidades físicas, por maiores que possam ser. É o incomensurável poder da sua mente, cujo potencial não tem limites, se o indivíduo se dispuser a usar, sempre, essa “ferramenta” que o diferencia dos demais seres viventes, com eficácia, competência e constância. Foi ela que possibilitou o desenvolvimento das artes, da ciência, da tecnologia e de tudo o quanto de belo, grandioso e espetacular a espécie já construiu. Ela é que deve ser, permanente e incansavelmente cultivada e não a fugaz beleza do corpo que o tempo corrompe e enfeia ou a passageira força física que uma simples gripe ou eventual infecção deterioram e aniquilam.
A maioria das pessoas não tem essa consciência. Teima em buscar o supérfluo e a não fazer conta do essencial. Trata-se de um aprendizado que vai demandar não alguns parcos anos, mas séculos, milênios e gerações. Haverá, todavia, tempo para isso?

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